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Viagra- A pílula azul virou sensação para combater disfunão erétil, mas, inicialmente, o medicamento foi desenvolvido para revolucionar o tratamento de hipertensão pulmonar | Marcelo Elias/ Gazeta do Povo
Viagra- A pílula azul virou sensação para combater disfunão erétil, mas, inicialmente, o medicamento foi desenvolvido para revolucionar o tratamento de hipertensão pulmonar| Foto: Marcelo Elias/ Gazeta do Povo

Passo a passo

Entre a criação, aprovação e venda de um novo medicamento aos consumidores, há um processo longo, que pode demorar entre dois e 15 anos. Veja quais são as principais etapas:

1 - Pesquisas em laboratório: a partir de estudos em laboratório, é identificada ou desenvolvida uma molécula de uma substância que combata um determinado agente nocivo à saúde.

2 - Testes pré-clínicos: são feitos testes in vitro, em células de cultura, com softwares simulando situações e as possíveis reações de pacientes e, dependendo da utilização do medicamento, em animais (principalmente cachorros, gatos e porcos).

3 - Estudos clínicos: a molécula passa a ser testada tanto em seres humanos sadios quanto naqueles com a doença, para que sejam mensurados os possíveis efeitos adversos. O estudo passa a ser multicêntrico (envolvendo várias cidades, estado e até países), para identificar os efeitos em populações com características diferentes.

4 - Fase de observação: verificados os benefícios, o medicamento é liberado para comercialização, com registro em bula sobre seus usos, riscos e efeitos colaterais, mas as entidades sanitárias (no caso do Brasil, a Anvisa) acompanham as vendas, possíveis problemas apresentados por pacientes e, em caso de se verificar alguma situação que ameace os usuários, a comercialização é suspensa. As vendas só podem ser retomadas caso a empresa demonstre que os problemas foram solucionados.

Exemplos

Veja alguns medicamentos cuja indicação de uso mudou a partir de pesquisas ou descobertas do uso off label:

Talidomida: desenvolvida na década 50 como um sedativo sem efeitos colaterais significativos, foi comercializada por décadas até que se descobriu que sua utilização por gestantes causava má formação nos fetos. Com isso, foi retirada do mercado e, hoje, é usada no tratamento de patologias específicas, como a hanseníase. Não é vendida em farmácias e só pode ser entregue pelas secretarias de saúde.

Misoprostol: princípio ativo do Cytotec, é uma substância descoberta para tratar úlceras e que, em alguns anos, revelou-se capaz de produzir abortos. Hoje, ele está banido das farmácias no Brasil e só pode ser usado clinicamente em hospitais.

Sibutramina: usada para perda de peso, foi testada como um antidepressivo e, durante as pesquisas, descobriu-se que sua ação era fraca, mas funcionava muito bem para tirar o apetite do paciente. Essa indicação foi colocada na bula e se tornou o uso regular.

Em setembro, uma matéria publicada pela revista Veja apontando os benefícios do uso do Victoza, um medicamento recém-lançado para diabete tipo 2, mas que vem sendo usado como facilitador de emagrecimento, promoveu uma corrida às farmácias. Os resultados do remédio, segundo a reportagem, eram incríveis. Facilmente um paciente poderia perder de dez a quinze quilos em poucas semanas. A resposta da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), porém, foi taxativa: como a utilização para perda de peso não estava registrada em bula – o que caracterizaria uso off label (fora da bula, em tradução livre do inglês) –, não era recomendada a administração do remédio para emagrecer.

Para quem acha o alerta pu­ramente pessimista, a coordenadora do curso de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e conselheira do Conselho Re­­gio­nal de Far­­mácia do Paraná (CRF-PR), Cynthia Bordin, explica que a prática de tomar medicamentos para fins não prescritos em bula realmente não é recomendada, já que os riscos são muito maiores que os possíveis benefícios.

"Um remédio passa por uma série de testes e só é comercializado se for verificado que seu uso é seguro para tratar uma doença. Se você opta pelo off label, não sabe quais as implicações para o seu organismo porque não foram feitos estudos para testar esse uso alternativo", explica. "É um tiro no escuro que tem grandes chances de dar errado."

O principal problema, segundo a médica endocrinologista e presidente da Câmara Técnica de Medicamentos do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), Monica Kastrup, é a falta de conhecimento sobre os possíveis efeitos do medicamento em pessoas saudáveis em longo prazo.

"A discussão é até que ponto vale a pena usar um medicamento sem a segurança do que pode acontecer. Desde problemas hepáticos, cardíacos, neurológicos e renais, que podem deixar sequelas permanentes, até casos de parada cardíaca e óbito, nada pode ser descartado se não temos testes que demonstrem as possíveis reações."

Outra ressalva é que cada organismo reage de maneira única quando é exposto a uma medicação: o que faz bem para um,não necessariamente vai ter efeito positivo em outro. "Também há o risco da dosagem excessiva, já que, sem estudos, não é possível saber qual a quantidade de medicamento necessária para cada caso."

Discussões antigas

O farmacêutico e assessor técnico do Conselho Federal de Farmácia (CRF) José Luiz Miranda Mal­­do­­na­do explica que as discussões so­­bre o uso off label de medicamentos são antigas e, hoje, influenciam uma "briga" entre as indústrias farmacêuticas.

"Basicamente, se a pesquisa mostra que um determinado remédio oferece efeitos colaterais e eles podem ser comercialmente mais atrativos que o intuito inicial da pesquisa, muda-se o foco e investe-se nesse efeito colateral como solução para outro problema."

Um exemplo disso é o Viagra. Inicialmente, o medicamento foi pesquisado como um vasodilatador que poderia revolucionar o tratamento de hipertensão pulmonar. Durante a fase de testes, verificou-se que um dos efeitos adversos nos pacientes era um aumento da ereção peniana. "Não deu outra: em algum tempo o uso principal foi deixado de lado e o Viagra virou a sensação das farmácias por seu efeito, até então secundário, contra a disfunção erétil."

Indicação de Victoza como emagrecedor merece cautela

Para a coordenadora do curso de Farmácia da Pontifícia Uni­ver­si­dade Católica do Paraná (PUCPR), Cyn­­thia Bordin, a palavra de or­­dem quanto ao Victoza é cautela. Segundo ela, fica clara a necessidade de mais testes para dar segurança à prescrição para perda de peso.

"Por ser um medicamento no­­vo, não sabemos ao certo qual o efeito colateral em pacientes diabéticos que o usam por muito tempo. Nos casos de pessoas sem a doen­­­ça que o utilizam, o conhecimento é ainda menor e não fazemos a mínima ideia das implicações em longo prazo."

A presidente da Câmara Técni­ca de Medicamentos do Conselho Re­­­­gional de Medicina do Paraná (CRM-PR), Monica Kastrup, explica que o dia a dia com o medicamento não é tão agradável quanto a re­­vista Veja mostrou há algumas se­­­­manas. "Só o preço já assusta: ca­­da embalagem custa R$ 400. Além disso, ele causa náuseas, enjoo e exige cautela porque altera a quantidade de hormônios, o que pode render problemas na tireoide."

Para ela, o medicamento virou a sensação devido a uma falsa promessa "milagrosa". "Todos buscam uma fórmula mágica, mas é fantasioso achar que um medicamento vai fazer a pessoa emagrecer sem qualquer esforço." (RB)

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