Um tormento para os jovens e terror para os mais velhos. É o que entalhava “cavernas” na alma de Emily Dickinson e deixava William Blake se sentindo “privado da luz”.
A solidão, há muito tempo um dos grandes males da humanidade, é hoje cada vez mais vista como um risco sério de saúde pública. Os cientistas que identificaram relações significativas entre solidão e problemas de saúde estão agora indo atrás dos mecanismos biológicos exatos que fazem com que ela seja a ameaça que é. Indo fundo em suas análises, até o nível molecular, eles descobriram que o isolamento social é capaz de modificar o genoma humano de formas profundas e duradouras.
E não só isso, mas ainda o potencial para os danos à saúde causados por essas mudanças genéticas são comparáveis aos causados pelo tabagismo e, pior ainda, diabetes e obesidade. A conclusão dos cientistas: A solidão pode ser um perigo letal. E os Estados Unidos – que tanto prezam pela individualidade – não estão fazendo quase nada para diminuir os seus riscos.
FOME
A dor da solidão é como a dor da fome. É o sinal biológico de que algo está errado. Você come mesmo sem saber que o nível de açúcar no sangue está baixo.
“Na saúde pública, falamos o tempo inteiro da obesidade e do tabagismo e fazemos todas essas intervenções, mas não falamos nada dessas pessoas que estão solitárias e sofrendo de isolamento social”, disse Kerstin Gerst Emerson, professora-assistente do Instituto de Gerontologia da University of Georgia. “Há consequências tangíveis e terríveis, realmente. Os solitários estão morrendo, a saúde dessas pessoas está piorando, e isso traz custos para a nossa sociedade”.
O psicólogo Steve Cole, que estuda como os ambientes sociais afetam a expressão genética, diz que pesquisadores há anos sabem que solitários estão sujeitos a um risco maior de ataque cardíaco, câncer metastático, mal de Alzheimer e outras doenças. “Mas ainda não compreendemos o porquê”, ele afirmou.
Então, no ano passado, Cole e seus colegas da Faculdade de Medicina da UCLA, junto com colaboradores da University of Califórnia em Davis e da University of Chicago, encontraram, no organismo de pessoas solitárias, respostas complexas do sistema imunológico à solidão. Eles descobriram que a isolação social aumenta a atividade dos genes responsáveis pela inflamação e reduz a atividade dos genes que produzem anticorpos para combater infecções.
Essas anomalias foram descobertas em monócitos, um tipo de glóbulo branco produzido na medula, que sofre mudanças dramáticas em pessoas em condição de isolamento social. Os monócitos têm um papel especial no sistema imunológico e são umas das primeiras linhas de defesa contra infecções. No entanto, quando imaturos, eles causam inflamação e reduzem a proteção dos anticorpos. E é o que se prolifera no sangue dos solitários.
Essas mudanças celulares, diz John Cacioppo, neurocientista social da University of Chicago, são um subproduto da evolução humana.
Antigamente, quando a cooperação e a comunicação eram cruciais para a sobrevivência, o isolamento social era um risco imenso. Por isso, a evolução moldou o cérebro humano primitivo para que ele desejasse e precisasse de interação social do mesmo modo que o moldou para desejar e precisar ser alimentado.
A dor da solidão é como a dor da fome – é o sinal biológico de que algo está errado.
“Quando você está com fome, você pode não ter consciência de que os níveis de açúcar no seu sangue estão diminuindo, mas, se você estiver na estrada e enxergar um McDonald’s, você vai parar para comer”, disse Cacioppo.
O isolamento social é muitas vezes uma parte inevitável do estilo de vida atual. Mas ele submete o corpo a um estado de alerta constante, no nível celular. Isso ajuda a explicar o porquê de os solitários agirem negativamente com os outros, o que, por sua vez, faz com que seja ainda mais difícil para que eles formem relacionamentos.
“Eu vejo isso nos pacientes o tempo todo”, disse a psiquiatra Jacqueline Olds, que tem um consultório particular em Cambridge, Massachusetts, e é coautora de dois livros sobre o tema. “Muitas pessoas que acabam solitárias dão sinais de que a ansiedade faz com que elas prefiram ficar sozinhas... A sensação de isolamento tem um efeito imenso em nossa psique, por conta de nossas preocupações evolutivas do tipo, ‘todos os outros irão sobreviver, menos nós’”.
A definição mais amplamente aceita de solidão é o sofrimento causado quando a realidade não dá conta dos ideais de relacionamento social das pessoas. Solidão não é sinônimo de estar sozinho. Muitas pessoas vivem sozinhas, mas não são solitárias. Ao mesmo tempo, estar cercado de outras pessoas não é garantia de não sentir solidão.
Solidão também não é o mesmo que depressão, ainda que uma coisa muitas vezes acompanhe a outra. A primeira, relacionada à necessidade de pertencimento, é motivacional. A outra, um sentimento mais difuso de tristeza ou desesperança, não.
Na University of Georgia, Gerst e o economista da saúde Jayani Jayawardhana queriam observar o quão generalizado era o problema da solidão. Para isso, eles analisaram dados longitudinais retirados de dois estudos conduzidos nacionalmente em 2008 e 2012 sobre saúde e aposentadoria. Com as respostas dadas por 7.060 indivíduos com 60 anos de idade ou mais, os pesquisadores concluíram que a solidão crônica era “um problema significativo para a saúde pública”, que “contribui para um ciclo de adoecimento e uso do sistema de saúde”.
Entre as descobertas mais inusitadas está a de que, mesmo quando é feito o controle para observar apenas quando há aumento nas visitas aos médicos por motivo de doença, a solidão pareceu ser um fator importante de previsão para essas visitas. A relação médico-paciente aparentemente fornecia uma das poucas oportunidades de contato social para os isolados.
Matt Lundquist, psicoterapeuta e diretor da TriBeCa Therapy em Nova York, se tornou especialista em solidão. Não passa uma semana, diz ele, sem que um de seus pacientes expresse sentir “agonia” com algo que viu no Facebook. “Serve para reforçar que todo mundo tem essas conexões, mas essas pessoas não”, ele afirmou na última sexta-feira.
Lundquist se diz “chocado que não haja maior discussão” sobre o isolamento social nos círculos de saúde pública. “A solidão é um problema brutal”.
Um estudo publicado online no mês passado na Proceedings of the National Academy of Sciences sugere que há também um efeito paralelo entre saúde e solidão. A cada aumento positivo nas relações sociais, os pesquisadores da Carolina do Norte e da China observaram melhorias em indicadores fisiológicos específicos como pressão sanguínea e Índice de Massa Corporal.
Os maiores efeitos positivos estavam associados aos pacientes que tinham uma variedade de relacionamentos, tais como amigos, parceiros e colegas de trabalho.
“Cada um desses elos pode fornecer oportunidades distintas em potencial para causar um impacto na saúde”, disse Julianne Holt-Lunstad, psicóloga da Brigham Young University, que analisou recentemente 70 estudos diferentes sobre solidão feitos em todo o mundo, cobrindo mais de 3,4 milhões de participantes ao longo de um período de 35 anos.
Muitos pesquisadores acreditam que os EUA não estão fazendo o suficiente para tratar da solidão como um risco à saúde pública, o que eles contrastam com os esforços do Reino Unido, que iniciou, em 2011, uma campanha nacional chamada Campaign to End Loneliness, mobilizando cinco agências de assistência social e cerca de 2.500 organizações menores, todas trabalhando para aumentar a conscientização do público em relação à solidão.
“Muito do nosso tempo é ocupado com a campanha: nos comunicando com e convencendo as pessoas que tomam as decisões no orçamento para a saúde, para que elas tratem do combate à solidão”, disse Kellie Payne em e-mail, a diretora de aprendizado e pesquisa da campanha.
A psicanalista alemã Frieda Fromm-Reichmann poderia ter previsto a discussão há mais de meio século. Pioneira na pesquisa do isolamento social a partir de uma perspectiva empírica, ela escreveu que “o horror exposto” da solidão eclipsa as nossas vidas porque o anseio pela intimidade está sempre conosco.
“Não há ser humano que não se sinta ameaçado de perdê-la”.
Tradução: Adriano Scandolari