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Sexo sem preservativo causa polêmica

O novo consenso terapêutico para aids, em discussão no Ministério da Saúde, aborda também a questão dos direitos reprodutivos dos soropositivos. Será discutida a polêmica possibilidade, para casais sorodiscordantes (formados por um soropositivo em tratamento e uma pessoa sem o vírus) que queiram ter filhos, de ter relações sexuais sem preservativo. O fato de ser soropositivo geralmente é um critério de exclusão em clínicas e programas de reprodução assistida, o que deixa esses casais sem alternativa, já que pelos meios naturais haveria o risco de contaminação.

Para o bioeticista Mario Sanches, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, é preciso cautela ao analisar a medida. "Não podemos transformar o direito reprodutivo em um direto absoluto. Ele precisa ser relativo ao direito do outro, uma vez que passa pelo risco de outra pessoa se infectar ou de o próprio bebê ser contaminado", afirma.

O que está em pauta é a antecipação do início da terapia, já que estudos internacionais mostram que pacientes em tratamento têm um risco pequeno de transmitir o vírus por meio de relações sexuais. No entanto, existe a preocupação de que, com o tratamento antecipado, ocorram mais falhas na adesão e maior risco de resistência do vírus.

O Ministério da Saúde deu início essa semana às reuniões para definir as atualizações no consenso terapêutico para aids adotado no país. Estão em estudo medidas como a antecipação do início do tratamento em soropositivos para reduzir a chance de transmissão a parceiros sem o vírus e a indicação dos antirretrovirais após a exposição a alguma situação de risco, como uma relação sexual sem proteção. Uma das discussões mais polêmicas envolve indicações para casais que desejam ter filhos e em que pelo menos um dos parceiros é soropositivo. As medidas serão discutidas e avaliadas por um comitê de especialistas que deve apresentar o documento com as novas diretrizes no fim do mês.

Embora ainda estejam em estudo, as medidas já levantam a discussão sobre o risco de serem mal interpretadas. Há quem questione que, ao ofertar a possibilidade de tratamento profilático a quem tem uma relação sem camisinha, o governo estaria de certa forma incentivando o comportamento de risco. Ronaldo Hallal, assessor técnico do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Mi­­nis­tério da Saúde, reconhece o risco de banalização do HIV, mas assegura que não é essa a intenção. "Seria uma medida complementar; de maneira nenhuma significa que as pessoas devam abandonar o uso do preservativo", afirma, acrescentando que a camisinha é um método seguro, barato e sem contraindicações, enquanto os antirretrovirais podem causar uma série de efeitos colaterais e têm um custo elevado.

O governo ainda não avaliou o impacto da adoção das novas diretrizes no orçamento, mas elas representariam um acréscimo nos gastos do programa de DST/aids. Atualmente, cerca de 200 mil pessoas no país usam esses medicamentos. Somente em 2009, 29 mil novos pacientes foram inscritos no programa.

Critérios

Ainda não estão definidos critérios para a indicação e formas de evitar que a profilaxia se torne algo habitual, mas, segundo Hallal, uma possibilidade seria excluir do protocolo pessoas que procurassem o acesso à medicação com frequência. O consenso aprovado em 2006 já previa o uso preventivo de antirretrovirais em algumas situações específicas, como para vítimas de estupro ou quando um profissional de saúde tem contato com sangue de um paciente soropositivo. Nesses casos, assim como está sendo sugerido para quem teve sexo desprotegido, a medicação é administrada por 28 dias. "Acredito que, no caso de uma exposição acidental e eventual, a medida é válida", defende o infectologista do Hos­pital de Clínicas de Porto Alegre Eduardo Sprinz.

Para Rosana Camargo, diretora técnica do Hospital Oswaldo Cruz e professora de Infectologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, é preciso ficar claro que, mesmo com a medicação, o risco de se contaminar existe. "Vai de­­pender do tempo que passa até a pessoa receber a medicação, da carga viral a que ela foi exposta e se ela faz o tratamento corretamente", afirma. Segundo a médica, além dos efeitos colaterais e repercussões no organismo – como anemia severa, hepatite medicamentosa, alterações na função renal e no sistema nervoso – causados pelos antirretrovirais, a prescrição profilática pode induzir a resistência. "A pessoa não vai dar continuidade ao tratamento, vai tomar por 28 dias e parar; se eventualmente no futuro ela se contaminar, pode ser que já não responda à aquela medicação", explica.

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