Foto: Fernanda Arruda/Foco Estudio / Divulgação
Prático não é; fácil também não. Mas em nome de diversos motivos, que vão de uma forma singela de demonstrar igualdade ao desejo de compartilhar mais do que a vida em comum, mais homens têm optado por adotar o sobrenome das esposas depois do casamento no país. Trata-se de uma mudança de costume possibilitada pela atualização do Código Civil em 2002. Foi quando a lei brasileira passou a permitir a possibilidade de o casal suprimir ou adotar os nomes um do outro. Entre 1916 e 1977, a legislação foi unilateral: a mulher era obrigada a acrescentar ao seu nome o sobrenome do marido.
No hiato entre os anos 1970 e os 2000, a única forma de o casal tentar conseguir isso era por via judicial. Ou seja, buscando convencer um juiz de que o caso se encaixaria nas rígidas regras sobre mudança de nome no país, uma tarefa quase impossível. A facilitação desse processo contribuiu para motivar casais, seja qual for a intenção deles — romântica ou burocrática. Hoje quem se casa no cartório e manifesta o desejo de mudar o nome por causa disso, em geral apenas recebe do escrivão um papel e uma orientação: “escreva como quer que o seu nome fique”.
Passados mais de dez anos, a situação ainda intriga quem trabalha em cartório. Afinal, já que a lei agora o permite, por que não optar pelo mais prático, mantendo os documentos de solteiro? “Perguntei recentemente a uma menina que estava se casando em Curitiba o porquê de ela e o marido terem escolhido adotar o sobrenome um do outro. Ela disse que era para simbolizar união, para compartilhar o casamento em todas as possibilidades”, conta Ricardo Leão, titular de cartório na capital e diretor de registro de imóveis da Associação de Notários e Registradores do Paraná (Anoreg-PR). “Ocorre, mas acho que é raro. O mais comum ainda é a mulher adotar o sobrenome do marido, talvez porque somos oriundos de uma sociedade paternalista”.
Faltam dados nacionais e no Paraná, mas uma olhada nos únicos números disponíveis no Brasil – compilados por cartórios paulistas — dão uma luz sobre o assunto. Comparando os anos de 2004 e de 2014, o porcentual dos casamentos em que o marido adotou o sobrenome da mulher passou de 16% para quase 22%. A troca é a situação mais comum – ocorre em 20% do total de casamentos. Manter o nome de solteiro cresceu de 6,6% dos casamentos para 12%. No restante das situações, a mulher adotou o sobrenome do marido (cerca de 66% no ano passado).
Igualdade
Especialistas em relacionamentos amorosos avaliam que o fato de a troca de sobrenomes estar ficando mais rotineira pode significar alterações na dinâmica dos casais. Para o psiquiatra Luiz Cuschnir, autor de livros como Ainda Vale a Pena, a decisão pode significar um interesse maior do casal em formar vínculos. “Essa troca de identidade civil reflete um comprometimento que indica uma proposta de entrega dessa maneira específica, mas que claramente não é a única”, acredita. “O fato de o homem trocar o sobrenome mostra um desapego de formalidades sociais ou até uma excentricidade que, sem dúvida, mostra o desejo de que o relacionamento tenha sucesso”.
Para Cuschnir, nomes ainda têm impacto relevante na vida das pessoas (e para o casal), ainda que os significados possam ser diferentes para cada indivíduo. “Sem juízo de valor, tanto para homens quanto para mulheres ter o mesmo sobrenome modifica o estado civil e psicológico de ambos. O que não quer dizer que quem não muda o sobrenome não consiga estabelecer um casamento. O que um espera do outro é o que vai interferir nisso”, explica. “Se um quer ou não quer que o outro assuma o sobrenome, esse desejo indicará uma série de interpretações. Para um, pode significar distanciamento e, para o outro, preservação e respeito pela história anterior que teve”.
Liberdade
Mudar o nome também teve impacto na vida da psicanalista e escritora Regina Navarro Lins. Ela lembra do desconforto que sentiu ao ser obrigada pela lei a adotar, em 1971, o sobrenome do primeiro marido. “Foi horroroso não só pela trabalheira depois do divórcio [na época, desquite], mas pela perda de identidade”, recorda-se. Para ela, na época já autora de livros, ser “chamada de forma diferente do que sempre foi a vida inteira” foi um incômodo pessoal. Portanto, considera que ter escolha é um avanço. “Pensando em identidade, acho legal que as pessoas continuem com seus nomes, mas é questão de mentalidade”, admite.
Regina ressalta que leis como as que regeram o Brasil de 1916 a 1977 tinham base em um sistema de sociedade no qual a mulher, ao se casar, se tornava “propriedade” do marido, com o papel de ser a genitora da mão de obra da família. “A questão sempre teve base econômica”, avalia. Ainda assim, para ela há sinais de quebra desse padrão patriarcal quando o homem adota o sobrenome da mulher. “Caminhamos para uma sociedade de parceria e me parece haver menos dominação em relações assim”.
* Colaborou Jonathan Seronato
Ele cozinha, ela lava
O designer Gilberto Alves Junior Leal, 33 anos, é taxativo sobre o motivo que o fez trocar de sobrenome com a mulher, a coordenadora de projetos Flávia Leal Alves, 26. “Acreditamos que o casamento não é só a mulher entrando para a família do homem, como se pensava no passado. São duas pessoas inteiras que vão compartilhar uma vida formando uma família nova. Então faz todo o sentido porque acreditamos em igualdade de gênero”. O casal se conheceu por frequentarem uma igreja batista na capital paulista; Flavia é de Alagoas, morou em Curitiba, mas os dois hoje vivem em Porto Alegre. A igualdade se repete no dia a dia do casal, diz Flavia. “Ele cozinha, eu lavo a louça, e dividimos o resto da limpeza da casa”. A família apoiou a opção deles, o que não impede certas brincadeiras. “Quando eu e meu irmão discutimos, ele me chama de Leal”, brinca Gilberto.
Apreço pela família do outro
Namorados havia dez anos, desde quando eram parceiros de dança, Isabel, 29 anos, e Arthur, 32, se casaram em 2014 em Curitiba. Ambos funcionários públicos prestes a serem nomeados, queriam aproveitar a lei federal que permite ao servidor que precisa mudar de cidade levar o cônjuge junto. Já a troca de sobrenomes – ambos agora são Karasek Belaguarda – foi para demonstrar apreço pela família um do outro. “Falei para ele: ou a gente não coloca sobrenome ou colocamos os dos dois. Como eu gostava do sobrenome dele e ele do meu, trocamos. A ordem foi questão de sonoridade”, conta Isabel.
Arthur também tinha o desejo de homenagear a mãe de Isabel (dona do Karasek), falecida pouco antes do casamento. “Apenas a Isabel adotar o meu sobrenome nunca foi opção, achamos machismo”, conta ele, que reconhece ter penado para mudar os documentos. O casal desconhece outros que tenham feito o mesmo. “Talvez ninguém tinha se tocado. O que faz sentido para o casal agrega no relacionamento”, diz Isabel.
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