O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) uniu empresários e políticos contra a medida provisória que limitou o uso os créditos de PIS/Cofins pelas empresas, que, por causa do forte impacto sobre os setores atingidos, ganhou o apelido de "MP do Fim do Mundo".
Um grupo de aproximadamente 70 entidades empresariais, incluindo dos setores de mineração, petróleo e gás, agronegócio e exportadoras, reagiu forte e rapidamente para pressionar o Congresso Nacional a derrubar a MP.
Para isso, contou com o empenho de 27 Frentes Parlamentares que também condenaram o envio da medida pelo governo sem qualquer consulta ou negociação previa com as Casas Legislativas.
O ministro Fernando Haddad, da Fazenda, que retornou ao país na sexta-feira (7), já admite negociar o assunto, mas o impacto da medida – anunciada na terça-feira (4) pelo secretário da pasta, Dario Durigan – foi suficiente para azedar as relações do Executivo com o setor produtivo e Congresso.
Pela MP 1.227/2024, os créditos de PIS/Cofins só poderão ser utilizados para abater o próprio imposto. Atualmente, eles são usados para descontos de outros tributos devidos à União, num mecanismo conhecido como "compensação cruzada".
Além disso, a MP acaba com o ressarcimento em dinheiro do uso de crédito presumido de PIS/Cofins, espécie de benefício fiscal para fomentar algumas atividades.
Na prática, portanto, o governo passou a bloquear – de uma hora para outra – o uso de boa parte dos créditos e o ressarcimento de valores devidos às empresas.
A Fazenda diz que leis recentes já vedam o ressarcimento em dinheiro, impedindo a “tributação negativa” ou “subvenção financeira” para alguns setores. A MP, no entanto, estende essa vedação para casos pleiteados em 2023, que somam R$ 20 bilhões.
A ideia do governo com a MP é compensar o efeito fiscal da renúncia tributária com a desoneração da folha de pagamento de empresas de 17 setores, além de municípios com menos de 156 mil habitantes.
Mas, na prática, a medida promove aumento disfarçado de imposto. A desoneração custará R$ 26,3 bilhões aos cofres públicos neste ano, enquanto a limitação poderá resultar em até R$ 29,2 bilhões para os cofres do governo.
Parlamentares reagem à MP que limita créditos de PIS/Cofins
No Congresso, a reação foi imediata. Poucas horas após o anúncio, o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Pedro Lupion (PP-PR), declarou que a MP gera “preocupação gigantesca” ao setor e demonstra uma “sanha arrecadatória” do governo Lula.
A ex-ministra da Agricultura no governo Jair Bolsonaro (PL), senadora Teresa Cristina (PP-MS), destacou que a medida vai afetar os investimentos no país. Segundo analistas, o agronegócio é o setor mais fortemente afetado pela medida.
Em nota, as frentes representantes do empresariado pediram a devolução imediata da MP pelo Legislativo, um gesto considerado duro que aconteceu apenas cinco vezes desde os anos 1980. E classificaram a iniciava como "apropriação indébita".
"A criação de normas que limitam a compensação tributária resulta em uma arrecadação ilícita do Estado, configurando uma apropriação indébita do dinheiro do contribuinte pelo Poder Público. A mudança abrupta nas regras tributárias, sem uma consulta prévia com a sociedade e os setores afetados, criou um ambiente de incertezas e insegurança jurídica e política", diz a nota.
Presidente da CNI abandona comitiva do governo em protesto
Do lado empresarial, os sinais foram ainda mais contundentes. O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o empresário Ricardo Alban abandonou, na quarta-feira (5), a comitiva do vice-presidente Geraldo Alckmin e ministros palacianos na China e retornou ao Brasil em protesto à publicação da medida no Diário Oficial.
"Chegamos ao nosso limite. Nós somos um vetor fundamental para o desenvolvimento do país e vamos às últimas consequências jurídicas e políticas para defender a indústria no Brasil", declarou Alban. "Não adianta ter uma nova e robusta política industrial de um lado se, do outro, vemos esse ataque à nossa competitividade."
A CNI estima que o impacto somente nas indústrias será de R$ 29,2 bilhões nos sete meses de vigência da medida neste ano, chegando a R$ 60,8 bilhões em 2025. “A MP 1.227, apresentada ontem pelo Ministério da Fazenda, onera ainda mais a já sobretaxada indústria brasileira”, disse a entidade em nota.
A Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG) alertou, na sexta-feira (7), para o aumento de preços ao consumidor. “A medida representa grave retrocesso, causando um aumento do custo da produção e, consequentemente, um aumento no preço dos produtos. Os consumidores serão novamente prejudicados”, afirmou o presidente da FIEMG, Flávio Roscoe.
O aumento de preços também é esperado no setor de combustíveis. Segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), o impacto da medida será de pelo menos R$ 10 bilhões, e o aumento no preço da gasolina pode chegar a 7%. No diesel, o impacto seria de até 4%, segundo o instituto.
A consequência já era prevista. Segundo o economista Alexandre Espírito Santo, a MP é potencialmente inflacionária. “O resultado é que, muito provavelmente, teremos problemas também de preços. Essa medida é potencialmente inflacionária porque teremos, pelos meus cálculos, alta nos preços dos combustíveis, como gasolina e óleo diesel”, disse o economista neste domingo (9) à CNN Brasil.
Exportações são diretamente atingidas medida que restringe créditos
O setor exportador é outro em destaque no ranking dos mais impactados. Eles são isentos da cobrança de PIS e Cofins, mas recebem créditos gerados por essas contribuições ao longo da cadeia e não mais poderão utilizá-los. O presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, classificou como “MP do Fim do Mundo”.
“Ninguém esperava isso, por mais pessimista que fosse. Toda empresa hoje tem créditos de PIS/Cofins que ela sempre compensou com os outros impostos federais, afinal o governo é um só", disse Castro ao Poder 360 na quarta-feira (5). "As empresas vão começar a demitir pessoas e reduzir a produtividade. Reduzindo a produtividade, cai a arrecadação, o que o governo quer aumentar."
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), que reúne exportadoras de minério de ferro, também registrou a preocupação com o aumento do desemprego no país. “A MP 1.227 terá efeito contrário ao pretendido com a desoneração da folha de pagamentos, podendo acarretar na perda de empregos de vários setores da economia, inclusive daqueles que não são beneficiados pela desoneração”, disse em nota.
No sábado (8), foi vez do empresário Rubens Ometto, controlador da Cosan, maior exportadora individual de cana-de-açúcar no país, subir o tom. “Estão mordendo pelas bordas, mudando as normas para arrecadar mais”, afirmou durante evento do Esfera Brasil. Ometto doou R$ 1 milhão ao PT durante a eleição presidencial de 2022.
Uso de PIS/Cofins para compensar desoneração da folha foi medida "desastrosa", diz Maílson
Também no sábado, o ex-ministro da Fazenda e consultor Maílson da Nóbrega destacou a impropriedade da medida. "As exportações não pagam imposto não porque é um incentivo fiscal. É um mandamento constitucional, se chama imunidade tributária", destacou.
Maílson classificou a medida de "desastrosa". "Os exportadores têm o direito garantido pela constituição e pela lei de ser desonerados de tributos nas suas exportações. Então o que eles [o governo] fizeram? Atingiram o setor mais dinâmico da economia, que é o setor exportador. E mais ainda, o agronegócio. Então eu acho que isso foi uma decisão desastrosa", disse em entrevista à CNN Brasil.
O argumento dos exportadores tem sido reconhecido pelo governo. A procuradora-geral da Fazenda Nacional, Anelize de Almeida, em entrevista ao jornal "O Estado de S. Paulo" que pode ser feita uma revisão. “Talvez a gente tenha de fazer outra alteração no sistema tributário das exportadoras”, afirmou.
Maílson também criticou a "enorme" insegurança jurídica promovida. "Como pode, as empresas estão planejando exportar e, de um dia para o outro, o governo diz que o benefício não vale mais?", questionou. "Embora o governo esteja certo em buscar a compensação [para a desoneração da folha de pagamentos], eu acho que ele fez isso da forma mais desastrada possível, que é usar o PIS/Cofins", afirmou.
Haddad atribui reações a "mal-entendido"
As reações de setores da economia contra MP foram criticadas por Haddad e são fruto, segundo ele, de um “mal-entendido”. “Às vezes a pessoa nem leu a medida provisória e está tirando medidas antecipadas sobre isso”, declarou a jornalistas no escritório do Ministério da Fazenda em São Paulo no sábado (7). "Isso tudo tem muito do calor do momento."
O ministro justificou que a subvenção de empresas por meio dos créditos do PIS/Cofins passou de R$ 5 bilhões para R$ 22 bilhões em 3 anos. “ [A reação] vai se dissipando à medida que as pessoas compreenderem o objetivo de reduzir um gasto tributário que em 3 anos foi de R$ 5 bilhões para R$ 22 bilhões. Isso não tem cabimento, um gasto tributário específico de crédito presumido”, disse.
Haddad também negou os impactos às empresas de exportação e às indústrias e minimizou a reação das entidades do setor. “Lembra da MP 1.185? Era a ‘MP do fim do mundo’ também. Depois, a 1.202 era a MP do fim do mundo’ também. Depois, a MP do Carf [Conselho de Administração de Recursos Fiscais] era a MP do fim do mundo’. Depois, a dos fundos e fechados offshores", elencou.
O assunto vai ser discutido essa semana no Congresso. "Precisamos saber o que está acontecendo, mas nós vamos sentar com os líderes, como sempre fizemos, em busca de uma compensação para a desoneração”, disse Haddad.
Como nas MPs anteriores, citadas pelo ministro, o governo vai tentar tirar do Legislativo uma solução negociada. A estratégia, no entanto, tem contribuído para o desgaste do governo.
Na MP 1.202, que extinguia a desoneração dos 17 setores, o governo contou com a ajuda do Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Cristiano Zanin deu uma liminar exigindo o estabelecimento de uma fonte de compensação para a renúncia tributária.
Com a MP do PIS/Cofins, o governo conseguiu amplificar o imbróglio. Não será uma tarefa fácil conseguir os 26 bilhões necessários à compensação da desoneração da folha de pagamentos.