Se tem uma coisa que incomoda este colunista, é afetação. Principalmente quando acomete produtos culturais. Um dos casos clássicos é Quentin Tarantino. Fez uns dois ou três filmes sensacionais cheios de referências pop, sangue e diálogos bem construídos. Crítica e público amaram. A inspiração dele acabou e o transformou num pastiche de si mesmo. Assistir Bastardos Inglórios ou À prova de Morte é um experiência árdua que exige que o público aceite as firulas de um diretor que tenta emular a si mesmo. Lollipop Chainsaw, recém-lançado para Playstation 3 e Xbox 360, mostra que os autores de jogos eletrônicos também podem cair na armadilha da autorreferência em jornadas ególatras.
Suda 51 é o Tarantino dos games, só que japonês e deveras muito mais bizarro. Ficou mundialmente conhecido por Killer 7 (PS2 e Gamecube) e No More Heroes (Wii e PS3). No primeiro título, o protagonista era um serial killer cadeirante dos anos 60. Já o segundo abusava do estilo cyberpunk em lutas com espadas de luz (tipo Star Wars) e motocicletas.
Os dois cheios de sacadinhas descoladas e visual extravagante. Suda 51 se tornou um ícone do "jogo de autor". E foi fácil identificar, já no primeiro trailer divulgado, que Lollipop Chainsaw era dele.
Vejamos um breve descritivo da trama. A linda Juliet é uma líder de torcida e, por suas características físicas, chama a atenção por onde passa. As roupas curtas que deixam sobressair polpas por cada curva também ajudam. Juliet tem três paixões: o namorado, pirulitos e serras-elétricas. No dia em que completa 18 anos, uma infestação zumbi toma conta da cidade onde mora. O namorado dela é atacado e infectado.
Para salvá-lo, a protagonista não titubeia em cortar a cabeça dele que, nas mãos dela, se transforma num chaveiro gigante que ficará preso à cintura. É com ele que Juliet conversará durante quase todo o jogo. Uma bela desculpa que o criador encontrou para focalizar as nádegas digitais da moça. Ah, sim. Juliet também faz parte de uma família caçadora de zumbis e, por isso, não pensa duas vezes antes de partir para a aniquilação total das criaturas das trevas. E basicamente é isso. Uma garota seminua com uma motosserra na mão, uma cabeça acoplada no traseiro e muita vontade de matar mortos-vivos enquanto faz algumas acrobacias sacanas e cheias de charme. Este é Suda 51.
Lollipop Chainsaw esbanja cores e tem momentos de inspiração ímpar.
Como quando Juliet utiliza técnicas de pole dance para girar num mastro e fatiar ao meio uma dúzia de monstrengos. Ao jogador, é só ficar apertando o botão e ver a moça rodando numa coreografia sanguinolenta. Lembra Kill Bill. Principalmente na quantidade de sangue e de palavrões que jorram na tela. O que torna o jogo não recomendado para menores de idade.
O grande problema de Lollipop Chainsaw acaba sendo a repetição na jogabilidade, baseada quase que estritamente em massacrar o joystick.
Há poucas variação de golpes. Basicamente pode-se usar pompons e a serra elétrica. Mas esqueça os pompons. Pelo cenário há máquinas de conveniência que permitem trocar a roupa do personagem e adicionar alguns combos, que ampliam um pouco a variedade de golpes. É só, no entanto.
Em 2009, a Sega lançou Bayonetta, que poderia ser considerado um dos marcos dos jogos do absurdo. A mistura de elementos, incluídos aí os de conotação sexual, resultava numa experiência única, bizarra e que discutia os paradigmas dos games. Lollipop Chainsaw tentou seguir o mesmo caminho, mas acabou esbarrando apenas nos paradigmas de seu próprio autor, que aparentemente também perdeu a inspiração e acabou fazendo uma paródia involuntária do próprio trabalho.