Overgame
O Brasil está na moda e os videogames não poderiam passar batido. Com uma indústria pouco desenvolvida para contar sua própria história, uma das mais respeitadas produtoras de games no mundo, a Rockstar Games, decidiu lançar uma de suas mais famosas séries com ambientação baseada numa São Paulo tomada por uma grande variedade de referências locais, principalmente cariocas (?). Explicitamente inspirada no longa-metragem Tropa de Elite, a maior cidade brasileira ganha favelas, morros, bailes funk e milícias em Max Payne 3. Mas mantém suas características próprias positivas e negativas: tráfego intenso, helicópteros recortando o céu, facção criminosa comandada de dentro dos presídios e baladas exclusivas para aqueles que chupavam mamadeira de leite com pera. OK, só citei as negativas.
"Mas quem é este tal de Max Payne?", me pergunta um leitor imaginário. Um sujeito nascido e criado numa metrópole norte-americana.
Sujeito-homem que escolheu a profissão de policial para tentar colocar as coisas em ordem. O que ele não esperava era que traficantes adentrassem seu domicílio para executar sua família. Revoltado, vai para o Departamento de Narcóticos de Nova York e passa a entender que bandido bom é bandido morto, como Dalborga costumava dizer. Agora, Payne é um segurança particular pago para proteger algum barão paulista e sua família peculiarmente rica. Payne, um cara calado, mas tagarela nos pensamentos o jogador é brindado com horas e horas de reflexões profundas de um personagem 3D com texto escrito por estagiários , precisa encontrar a mulher do chefe supostamente sequestrada por uma quadrilha nesta cidade tão cheia de almas tão vazias. Esta é a nossa SP.
A jogabilidade evoluiu perante seus antecessores. Max Payne 3 usa um sistema de tiro em terceira pessoa levemente copiado de Gears of War. O jogador precisa se esconder, mirar, atirar e avançar. Durante horas, é basicamente isso que precisa ser feito para aniquilar meia torcida do Corinthians, aqui representada pelo Galatians. Um dos diferenciais foi a manutenção de uma ideia original da série, o efeito "bullet time", estilo "Matrix", que permite ao jogador usar efeitos de câmera lenta em momentos em que a ação desenfreada pode custar algumas cuecas danificadas.
Max Payne 3, no conjunto da obra, se repete do começo ao fim, com o tiroteio apenas mudando de cenário, como favelas, discotecas ou mansões de luxo. O interessante é justamente a aproximação com o público brasileiro e com o cuidado na representação do tema. Escutar um "queima, viado", como grita um dos bandidos em determinado momento, não soa apenas como uma agressão preconceituosa em que, como o leitor imaginário deve ter pensado, não ataca a opção sexual da vítima como objetivo fim. Significa que tem alguém num momento periclitante um pouco pior, como estar envolto em pneus com a pele ardendo em chamas.
Uma cena que remete às notícias policiais e nem o mais esquerdista dos sociólogos poderia afirmar se tratar de uma generalização preconceituosa. O vocabulário das ruas está presente intensamente, em português, durante todo a ação. Tipo Tropa de Elite, com seu batalhão de bocas sujas. A música também ajuda no contexto. Há funk, samba e hip-hop numa seleção bem dosada como a Rockstar costuma fazer.
Muitos críticos reclamaram, indevidamente, como lhes é peculiar, sobre a falta de fidelidade na representação. Não entenderam que a São Paulo do jogo é um estereótipo bem feito de uma visão estrangeira sobre os brasileiros. Assim como o protagonista é a representação popular brasileira do turista gringo: barba por fazer, óculos escuros e uma linda e reluzente camisa florida para disfarçar a falta de cabelo numa careca que também reluz. Nada a reclamar.