A cena já é bem conhecida. Assim que se chega para comer em um bar ou restaurante, a primeira coisa a fazer é tirar o celular da bolsa ou do bolso e colocá-lo sob a mesa, seja para ficar com o aparelho mais à mão ou para impressionar os demais. Algumas empresas de tecnologia, porém, querem mudar essa atitude típica. E fazer com que você mantenha seu smartphone guardado.
A alternativa? Os chamados relógios inteligentes, também denominados pela indústria pelo palavrão wearables (em bom português,“vestíveis”). A intenção é trazer para o pulso do usuário as funcionalidades comuns em celulares conectados à internet, como notificações de redes sociais e e-mails, agendas de reuniões e recursos que medem milimetricamente cada passo dado durante o dia e calorias perdidas. E, inclusive, permitir efetuar e receber ligações.
A Apple lançará sua primeira empreitada neste mercado no dia 10 de abril, com o Apple Watch, que sairá nos Estados Unidos a partir de US$ 349. O relógio disputará interesse (se é que há) com produtos de outras marcas que já chegaram às lojas nos últimos anos, mas que ainda não se tornaram relevantes. Entre os principais aparelhos já disponíveis está o Gear S, da Samsung, que chegou ao Brasil no fim do ano passado.
O Gear S, que foi utilizado pela reportagem durante cerca de duas semanas, é um exemplo interessante para se falar sobre os dilemas que cercam fabricantes e usuários quanto a este novo mercado. O relógio tenta ser um produto autônomo, de uso independente, mas ainda permanece preso às amarras de funcionar como um acessório de luxo para smartphones.
Navegando no relógio
A limitação vem à tona logo no início. Assim que ligado pela primeira vez, só é possível acessar as funções do relógio se ele for pareado com um smartphone da Samsung – e não são todos os celulares da marca que são compatíveis (veja box ao lado). Enfim conectado ao celular via Bluetooth, o relógio então passa a mostrar todas as suas funcionalidades.
De fato, o Gear S vai muito mais além de mostrar as horas. O relógio tem uma tela curva Super Amoled de 2 polegadas, sensível ao toque. Há apenas um botão na tela, que serve para ligar e desligar o aparelho. O uso é fácil, embora distante da praticidade de um celular: basta deslizar o dedo para cima ou para baixo e para os lados para navegar pelas telas e acessar os aplicativos.
Conectado a um celular, o Gear S passa a avisar os usuários das mais variadas notificações, desde marcações no Facebook, passando por mensagens no WhatsApp e e-mails. Aí vem o porém: é possível visualizar o conteúdo dessas mensagens, mas, para respondê-las, só recorrendo ao smartphone.
O recurso é útil para demandas que não exijam uma resposta imediata. Durante uma reunião, por exemplo, basta dar uma olhadela discreta no relógio para saber o que anda rolando por aí. Ou enquanto se caminha, sendo necessário apenas levantar o braço para visualizar a notificação sem precisar tirar o celular do bolso.
Há de se reconhecer que a Samsung tentou dar o passo adiante. O Gear S aceita um chip de celular, permitindo que sejam feitas ou recebidas ligações diretamente do aparelho. Também é possível encaminhar SMS – o problema é se acostumar ao teclado minúsculo. Para ajudar, há o recurso de identificação de voz, o S Voice, mas que só funciona se o aparelho estiver conectado à internet. Ao menos, o fato do aparelho ter conexão 3G permite que o usuário se conecte por meio dos dados móveis.
Personal trainner
O relógio também pode ser um bom aliado para quem quer controlar com exatidão o desempenho em exercícios físicos. O Gear S possui em sua traseira um sensor que monitora em tempo real, durante corridas, por exemplo, o número de batimentos cardíacos do usuário. No dia a dia, sem que seja necessário acessar qualquer aplicativo, o aparelho registra o número de passos dados pelo usuário e o total de calorias perdidas.
É possível também fazer o monitoramento da qualidade do sono – antes de dormir, liga-se a função, que capta os momentos em que o usuário se movimentou durante a noite. Todos esses dados captados são transmitidos de forma automática para o celular assim que ocorre a conexão bluetooth entre os aparelhos.
Falando em caminhada, o relógio vem com GPS e um aplicativo de mapas próprio – é possível baixar os mapas para que eles sejam visualizados offline. No entanto, este é mais um recurso que funciona de forma mais prática e abrangente em qualquer smartphone.
Samsung tenta levar smartphones para o pulso com novo relógio inteligente
Gear S, lançado no Brasil no fim do ano passado, pode ser usado de maneira independente do celular, embora funcione melhor como acessório.
+ VÍDEOSNada discreto
De forma geral, o relógio é confortável e não pesa tanto quanto parece, embora exija um tempo para que o usuário se acostume a andar com ele 24 horas no pulso. O aparelho tem um visual clean, mas que chama a atenção de longe, mesmo que a tela esteja desligada – pense duas vezes em andar com ele por aí nas ruas de madrugada. A tela é totalmente customizável e pode-se usar tanto um discreto visor digital quanto ponteiros arrojados (e de gosto duvidoso).
Um ponto positivo é que não é preciso tirar ele do pulso com frequência para recarregar o aparelho. Em uso ocasional (sem que se esteja fuçando no relógio o dia inteiro), a bateria aguenta um dia e meio de uso.
Vale a pena?
O Gear S poderia sim ser um acessório interessante, prático e útil, mesmo que usado de forma ocasional. Mas, para variar, o preço surge como principal barreira. O aparelho foi lançado pela Samsung com o preço sugerido de R$ 1.499 – é possível encontrá-lo na internet por valores na faixa dos R$ 1,3 mil.
Mesmo assim, o relógio é mais caro do que muitos bons smartphones. O Moto X, da Motorola, por exemplo, sai pelo mesmo preço, R$ 1.499. Como não é possível usar só o relógio, o consumidor precisará arcar com o custo extra do celular, jogando a conta mais pra cima.
E, neste sentido, surge a questão fundamental: você realmente precisa de um relógio inteligente? Por enquanto, tanto em relação ao Gear S quanto a outros produtos semelhantes, nenhum relógio apresenta recursos exclusivos, que não podem ser acessados por um smartphone. Manter o celular no bolso pode ser prático em algumas situações, mas sempre será inevitável recorrer ao celular para ter uma melhor experiência de navegação.
O mercado de relógios inteligentes é promissor e certamente oferece possibilidades diversas. Mas estes aparelhos ainda estão longe de se mostrarem relevantes e indispensáveis para o usuário. Por enquanto, ainda são brinquedos de luxo.