Quando uma bateria de cigarro eletrônico começou a queimar lentamente em um voo para Los Angeles, em julho de 2017, uma comissária da companha aérea SkyWest a colocou em um balde de gelo antes de, rapidamente, jogá-la em uma bolsa de contenção de incêndio. Em Denver, dois meses depois, uma bagagem de mão contendo quatro baterias de um vape pegou fogo na área de embarque do aeroporto e os bombeiros foram chamados, evitando maiores danos. Os acidentes foram reportados pela Federal Aviation Administration (FAA), agência reguladora da aviação nos EUA, semelhante à Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) do Brasil.
Esses não foram os únicos acidentes reportados nos últimos anos. Em março deste ano, os funcionários da Southwest Airlines retiraram uma bagagem contendo baterias de cigarro eletrônico do compartimento de carga de um avião em San Diego, com um incêndio já em andamento. O avião ficou temporariamente fora de serviço, ainda segundo a agência reguladora americana.
De acordo com a FAA, os cigarros eletrônicos e as baterias recarregáveis de íon-lítio que os alimentam causaram incidentes de fumaça ou incêndio em aviões ou aeroportos mais de 30 vezes em três anos, o que levanta a questão sobre a segurança de transportar esse tipo de equipamento.
Os cigarros eletrônicos, no entanto, fazem parte de um problema maior, conforme mostram os dados da própria FAA. Os passageiros nos Estados Unidos transportam cerca de 2,3 bilhões de dispositivos eletrônicos em aviões a cada ano. Especialistas em segurança dizem que os órgãos reguladores federais têm se esforçado para acompanhar esse movimento, muitas vezes recorrendo às companhias aéreas para gerenciar possíveis perigos.
O perigo está no ar
Além dos incidentes com cigarros eletrônicos, a FAA registrou mais de 65 outros casos de fumaça, faíscas e baterias de íons de lítio em laptops, tablets, telefones e outros dispositivos. Os dados foram analisados pelo Washington Post de acordo com os registros repassados pela FAA, mas a própria agência reconheceu que as informações estão incompletas e quem todos os incidentes são registrados.
"Achamos que é uma ameaça bastante significativa", disse Mark Millam, vice-presidente de programas técnicos da Flight Safety Foundation e ex-chefe de segurança da Northwest Airlines. "Passou de um para vários dispositivos que a maioria dos passageiros carrega. Você não sabe de onde vêm esse material, o que há nele e se são originais".
A análise do Post abrange o período de três anos até 1º de agosto de 2019, os dados mais recentes disponíveis. A FAA chegou a proibir smartphones Samsung Galaxy Note 7 propensos a incêndios em 15 de outubro de 2016 e de lá para cá tem feito alertas recorrentes sobre materiais específicos durantes voos. Neste ano, por exemplo, proibiu o embarque de uma série de um computador da Apple por risco de explosão da bateria. A decisão foi estendida para outros países, como o Brasil.
Risco iminente?
Especialistas em riscos em aviação informaram que a orientação da FAA para tripulações no combate a incêndios causados por dispositivos eletrônicos é "inadequada e desatualizada" e que é necessário um melhor treinamento para gerenciar as ameaças da explosão de baterias, incluindo gases e fumaça potencialmente tóxicos e inflamáveis que podem prejudicar a visão dos pilotos nas aeronaves.
"Até agora, tivemos a sorte de nada ter acontecido", disse Charles Leocha, presidente do grupo de advocacia Travelers United. "Eu simplesmente não acho que a FAA esteja dando atenção a essa ameaça", ressaltou.
"A regulamentação sobre materiais perigosos proíbem os passageiros de trazer baterias e carregadores que possam criar faíscas ou gerar uma evolução perigosa de calor, a menos que embalados de uma maneira que impeça tal ocorrência", informou a agência em comunicado.
"Cabe a cada companhia aérea determinar se é provável que um dispositivo 'crie faíscas ou gere um princípio de incêndio' e informar aos seus passageiros", disse a FAA, acrescentando: "Devido à grande variedade dos problemas de bateria que podem ocorrer, é importante que as companhias aéreas tenham flexibilidade para avaliar e lidar com os riscos envolvidos em cada situação ".
Como identificar um princípio de incêndio
Muitos dos incidentes com baterias queimadas ocorreram antes do avião decolar, como quando uma mulher saiu da aeronave, em Oakland, porque um cigarro eletrônico queimava em sua na bolsa. Em outro acidente, um vape entrou em combustão no bolso de um passageiro em Las Vegas, chegando a deixar o homem ferido.
Porém, cerca de um quarto dos incidentes envolvendo cigarros eletrônicos e metade dos que envolvem outros eletrônicos acontecem no ar, como mostram os dados da FAA, aumentando ainda mais as preocupações com a segurança.
Para reduzir o risco de "danos graves aos passageiros", o Departamento de Transporte proibiu cigarros eletrônicos de malas despachadas em 2015 "porque os dispositivos são capazes de gerar calor extremo e um incidente pode resultar na ignição de conteúdos próximos".
Mas a fiscalização não tem sido suficiente e os passageiros continuam a desconsiderar a proibição de bagagem despachada, como mostram os relatórios de incidentes.
A FAA informou que está trabalhando para atualizar as orientações e espera divulgar novas regras até o início de 2020. “Isso se for constatado que os cigarros eletrônicos apresentam uma maior probabilidade de incêndio em comparação com outros eletrônicos”, informou a FAA.
Segundo a agência, "a proibição de cigarros eletrônicos em cabines poderia fazer com que os passageiros despachassem o equipamento nas malas, dificultando que as tripulações sejam e possam realizar medidas de segurança.
No Brasil
A Gazeta do Povo enviou uma solicitação para Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) questionando sobre a regulamentação do transporte dos cigarros eletrônicos na bagagem de mão e/ou despachada nos voos do Brasil, mas até a publicação dessa reportagem, não obteve retorno.
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