O açougueiro local, observado pela filha de pé ao lado dele, vende frango assado inteiro e filés de carne recém-fatiados a fregueses que fazem seus pedidos com um simples aceno de cabeça ao entrar na loja, cena que se repete há décadas em Melides, pequenino vilarejo localizado na encosta de um morro na região rural de Portugal.
A apenas um quarteirão de distância, turistas franceses entram e saem das novas lojas recém-inauguradas que vendem vestidos e biquínis de grife, ao lado do local onde o designer francês de sapatos Christian Louboutin se prepara para construir o primeiro hotel do lugar. É um presságio dos dois mundos que se fundiram nessa cidade costeira.
Melides está em transformação desde que uma enxurrada de europeus super-ricos – artistas, banqueiros, atores e estrelas do esporte – descobriu esse belo lugar encrustado no meio de uma faixa de 60 quilômetros de praias praticamente virgens do Oceano Atlântico e à beira de centenas de quilômetros quadrados de campos de sobreiros, vinhedos e arrozais.
A região do Alentejo, como a área é conhecida, tem a última faixa de costa intocada do Oceano Atlântico no sul da Europa. Melides e o restante da costa do Alentejo começam aproximadamente uma hora ao sul de Lisboa e se estendem por cerca de 145 quilômetros até a cidade de Odeceixe, no sudoeste de Portugal.
O próprio Louboutin tem uma casa de praia aqui. Tem como vizinha Noemi Marone Cinzano, uma condessa e produtora de vinho cuja família era proprietária da famosa marca italiana de vermute. "Viajei minha vida inteira e não encontrei nenhum lugar na Europa tão preservado", contou Cinzano, que construiu sua casa de praia em estilo rústico aqui.
Escolha de celebridades
Outras celebridades também possuem imóveis no local, entre elas Philippe Starck, decorador de interiores e projetista de hotéis; Anselm Kiefer, artista alemão; e Jason Martin, pintor abstrato britânico, que transformou uma antiga casa noturna com aparência de caverna em seu estúdio, além de ter construído uma casa na encosta vizinha, onde ele também produz vinho.
Não há nada de extravagante em Melides – os moradores se reúnem na praça da cidade para jogar cartas ou conversar efusivamente. A eles se misturam visitantes de capitais internacionais. Minha família e eu desembarcamos aqui no verão deste ano quase por acidente.
A TAP, a companhia aérea nacional de Portugal, normalmente oferece voos mais baratos para Lisboa a partir de cidades que servem como porta de entrada nos Estados Unidos, como Nova York e Washington. Compramos um desses voos sem fazer nenhum outro plano.
Foi então que lemos sobre a faixa de praias ininterruptas do Oceano Atlântico aqui e decidimos reservar um chalé modesto à beira-mar, com três quartos, nessa cidade que mal podíamos localizar no mapa (alugamos de um casal que vive em Lisboa por meio do booking.com, pagando 192 dólares por noite, inclusive as taxas).
Celeiro de Portugal
A região do Alentejo há muito tempo é conhecida como uma das partes mais pobres e menos povoadas da Europa Ocidental, apesar do solo fértil e arenoso. Uva, arroz, trigo, aveia, azeitona, mel, aspargo, nozes, frutas silvestres, trufa, cogumelo e muitas outras coisas nascem ou são produzidas na região que é conhecida como o celeiro de Portugal.
O interior do Alentejo – com suas cidades históricas e vinhedos – já atrai estrangeiros há algum tempo, mas a costa foi uma adição recente ao mapa do turismo mundial, que passou a atrair visitantes afluentes a partir de 2000, aproximadamente, quando muitos deles iam para o vilarejo costeiro de Comporta, próximo de Melides.
A terra daquela área, que já chegou a pertencer ao rei de Portugal, em 1950 passou para as mãos da família Espírito Santo, que, desde a década de 1990, começou a convidar os amigos para visitá-los, incluindo a princesa Caroline e o príncipe Albert de Mônaco.
Para todos os gostos
Comporta ainda é um lugar que atrai o turismo, com praia própria nos arredores e ótimos lugares para comer, como a Cavalarica Comporta, além de uma cena noturna bastante animada. Há também uma oferta crescente de hotéis butique próximos, como o Quinta da Comporta e o Sublime Comporta.
Carros luxuosos enchem as ruas movimentadas, casais com trajes em estilo boêmio andam por entre as galerias de arte, lojas de utensílios domésticos, casas noturnas e bares com mesas ao ar livre. (O número de mosquitos à noite é impressionante, já que o vilarejo foi construído à beira de um arrozal.)
Por isso, fiquei feliz de termos parado um pouco mais ao sul, perto de Melides, uma cidade simples com aproximadamente 1,5 mil habitantes, mais ou menos quatro restaurantes, uma igreja, poucas lojas e um supermercado.
Na praça central de Melides, há uma agência de correio, um pequeno café, uma banca de jornal, uma casa funerária e um açougue, além de um aglomerado de mesinhas onde os moradores se reúnem para passar o tempo.
A casa que alugamos ficava a aproximadamente 15 minutos de Melides e a apenas dois quarteirões do que é, sem sombra de dúvida, a faixa de praia mais extraordinária que já vi em qualquer lugar do mundo, a Praia da Galé.
Você anda por um longo caminho em direção à vastidão do Atlântico. Em seguida, precisa descer uma escadaria precária, talhada no penhasco de pedra, antes de ter acesso à praia. No caminho, passa por uma coleção deslumbrante de arenitos avermelhados que, devido à ação do tempo, parecem esculturas abstratas. Essas formações têm aproximadamente cinco milhões de anos e se erguem a 40 metros do chão; na base delas, há um tapete de flores selvagens e amarelas chamadas chorão das praias.
Finalmente, não há mais nada, a não ser uma imensidão de praia vazia e o pescador ocasional com a vara presa na areia ou algumas famílias e seus guarda-sóis. Poucas pessoas frequentam partes dessa praia cuja areia é como uma crosta que os pés quebram a cada passo.
No horizonte, o nada
Quilômetro após quilômetro, é possível caminhar sem ser interrompido. Nenhum hotel ou resort, apenas o eventual quiosque que vende comidinhas e, durante o dia, alguns salva-vidas fornecidos pela administração regional.
Longas faixas dessa costa estão permanentemente sob proteção e gozam do status de parque nacional. Em outras áreas, há restrições que proíbem qualquer nova construção perto da praia. Mesmo longe da costa, qualquer pessoa que compre uma terra produtiva deve se comprometer a manter algum tipo de agricultura.
Não nos surpreendemos de encontrar um cardápio com todo tipo de atividade ao ar livre. A mais simples é a extensa rede das chamadas trilhas dos pescadores, que se estendem por 450 quilômetros para dentro do continente e ao longo do Atlântico, a chamada Rota Vicentina.
Você pode também fazer passeios a cavalo, ter aulas de surfe, ver golfinhos, pescar, andar de bicicleta, caiaque e até de balão. Em muitas das praias, incluindo uma área chamada Santo André, há piscinas naturais, com águas calmas e rasas que são seguras para as crianças pequenas. Santo André é também uma reserva natural que abriga mais de 240 espécies de pássaros e centenas de tipos de borboletas.
Melides também nos serviu como um ótimo ponto de partida para passeios de um dia pela região do Alentejo, incluindo Comporta.
Vegetação e história
Dos campos de sobreiro, do qual se extrai a cortiça, chegamos à cidade perfeita de Évora, construída pelos romanos e depois dominada pelos mouros. Lá, é possível ver um templo romano do século II e a maior catedral medieval de Portugal, além de restaurantes, bares e lojas.
Évora é listada como Patrimônio da Humanidade pela Organização das Nações Unidas, que classificou o lugar como "o melhor exemplo de uma cidade da era de ouro de Portugal após a destruição de Lisboa pelo terremoto de 1755". Esse foi o passeio mais turístico que fizemos na semana, mas valeu a pena.
Passamos a tarde em uma grande fazenda orgânica, a Herdade Aberta Nova, que recebe visitantes (incluindo famílias com crianças pequenas) e tem uma variada criação de animais, como pavão, porco, cavalo, burro, galinha e cabra, entre outros.
O mais longe que chegamos foi até Zambujeira do Mar, um vilarejo costeiro perto da base do Alentejo. À primeira vista, nos pareceu um local sem atrativos, mas, no início de agosto, ele abriga um grande festival de música, o Meo Sudoeste, que atrai multidões de mochileiros, a maioria de Portugal e da Espanha, que acampam em barracas perto da área do festival.
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