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Nesta segunda-feira (24), o ex-ministro da Justiça no governo Bolsonaro e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, Anderson Torres, completou 100 dias preso por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, em inquérito que apura suposta “omissão imprópria” de autoridades de Estado.
Torres foi preso preventivamente no dia 14 de janeiro por suposta omissão no desempenho de suas funções frente aos ataques aos prédios dos Três Poderes no dia 8 de janeiro, bem como por possível inação quanto à desmobilização do acampamento montado em frente ao Quartel-General do Exército, situado em Brasília, onde estavam reunidos manifestantes que pediam a intervenção das Forças Armadas contra a eleição de Lula (PT).
Na época dos ataques, o ex-ministro ocupava o cargo de secretário de segurança pública do Distrito Federal e estava de férias, em viagem com a família nos Estados Unidos. Além dele, outras autoridades foram alvo de medidas judiciais determinadas por Moraes: o então comandante-geral da Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF), Fabio Vieira, também foi preso por suposta omissão, mas foi solto no início de fevereiro sob o entendimento de que ele não foi diretamente responsável pela falha das ações de segurança que resultaram nos atos criminosos.
Já o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, que também por suposta omissão foi afastado do cargo por 90 dias por ordem de Moraes, teve seu afastamento revogado no dia 15 de março. Centenas de outros investigados pelos ataques também já foram soltos e respondem em liberdade. O mesmo não ocorreu com Anderson Torres.
Nos últimos dias, a pressão por sua soltura aumentou em decorrência da decisão de Moraes de não determinar nenhuma medida mais incisiva contra o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Lula, que apareceu em novas imagens vazadas à imprensa circulando entre manifestantes que invadiram o Palácio do Planalto no dia 8 de janeiro sem tomar medidas incisivas para impedir os atos de violência.
O duplo padrão nas decisões do ministro do STF tem gerado uma série de críticas por parte de aliados de Jair Bolsonaro (PL), que avaliam que o prolongamento da prisão tem relação com o fato de Torres ser aliado e ex-ministro de Bolsonaro, que coleciona episódios de desentendimentos com Moraes.
Mesmo com aval da PGR, Moraes nega revogação da prisão
No dia 10 de abril, a defesa já tinha requisitado a soltura ou substituição da prisão por outras medidas cautelares sob a alegação de que não há prova da existência de crime e indício de autoria, sequer perigo gerado pelo estado de liberdade do ex-ministro.
A defesa argumenta que não houve omissão, já que antes de sair de férias Torres deixou um plano de operações e procedimentos a ser seguido pelos órgãos de segurança do DF, que compreendia a proteção de toda a área próxima à Praça dos Três Poderes. “Cabia, portanto, aos órgãos responsáveis o cumprimento ou execução das diretrizes elaboradas em cada evento”, destaca a defesa.
Dias depois, o Ministério Público Federal (MPF), por meio do Subprocurador-Geral da República Carlos Frederico Santos, manifestou-se favorável à revogação da prisão. Apesar disso, Moraes negou o pedido e decidiu manter Torres em prisão preventiva.
O ministro do STF sustenta que a manutenção da prisão tem a ver com “indícios da participação do requerente na elaboração de uma suposta ‘minuta golpista’ e em uma ‘operação golpista’ da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para tentar subverter a legítima participação popular no 2º Turno das eleições presidenciais de 2022”.
A Polícia Federal investiga se quando Torres era ministro houve uso dos efetivos da PF e PRF para dificultar votos de eleitores da região nordeste, reduto de Lula, no dia da votação, já que houve maior número de ordens de parada e revista a ônibus com eleitores naquela região. A justificativa apresentada por Torres para as deliberações foi a necessidade de as corporações coibirem crimes eleitorais, como compra de votos.
Nesta quarta-feira (26), a defesa de Anderson Torres apresentou um novo pedido de soltura pelo estado de saúde do ex-ministro, agora alegando risco de suicídio (leia mais abaixo).
Tratamento dado por Moraes a ex-ministro de Lula flagrado conversando com invasores motiva críticas ao ministro
Nomeado por Lula, o ex-ministro do GSI era homem de confiança do petista e já havia chefiado a segurança do presidente nos dois mandatos anteriores. Sob a gestão de Dilma Rousseff (PT) na presidência, Gonçalves Dias comandou o GSI. A revelação das novas imagens motivou a exoneração do general e criou uma crise no governo por suposta leniência de aliados de Lula aos atos de vandalismo. No entanto, em decisão bastante destoante das anteriores, Moraes ordenou apenas que o general fosse ouvido pela Polícia Federal.
A forma como o ministro do Supremo lidou com o caso gera estranheza, uma vez que Moraes fundamentou a ordem de prisão das demais autoridades em suposta “omissão e conivência” mesmo que Torres não estivesse no local e que o comandante-geral da PM-DF tivesse agido de forma contundente para impedir os atos, inclusive sendo ferido por manifestantes. Já Gonçalves Dias estava presente no local no momento dos ataques apresentou-se pouco combativo frente à gravidade dos acontecimentos, além de manter diálogos com os criminosos que, ao menos em análise inicial das imagens, aparentam ser bastante cordiais.
Com esposa com câncer e sem ver filhas menores de idade há meses, Torres apresenta quadro emocional sensível
Nesta segunda-feira (24), Torres seria ouvido pela PF em depoimento sobre as operações policiais realizadas nas estradas no segundo turno das eleições de 2022. Seus advogados, entretanto, pediram que o depoimento fosse adiado por complicações no estado de saúde do ex-ministro. De acordo com o ofício assinado pelo advogado Eumar Novacki e encaminhado à Gazeta do Povo, Torres foi atendido por uma psiquiatra da Secretaria de Saúde do Distrito Federal no sábado (22), que atestou a impossibilidade de “comparecer a qualquer audiência no momento por questões médicas (ajuste medicamentoso) durante uma semana”.
O estado de saúde teria se agravado após a negativa por parte de Alexandre de Moraes ao pedido de revogação da prisão preventiva, na última quinta-feira (20). “Ocorre que, após ter ciência do indeferimento do pedido de revogação de sua prisão preventiva, o estado emocional e cognitivo do requerente, que já era periclitante, sofreu uma drástica piora”, dizem os advogados.
Anderson Torres é pai de três filhas menores de idade – de 9, 11 e 13 anos –, as quais não vê desde que foi preso. "Após a decretação da custódia cautelar do requerente, suas filhas, infelizmente, passaram a receber acompanhamento psicológico, com prejuízo de frequentarem regularmente a escola”, prossegue a defesa.
O fato de sua esposa estar com câncer é outro agravante. Segundo seus advogados, o ex-ministro tem sofrido problemas psicológicos desde que foi preso. "Ele entrou em um estado de tristeza profunda, chora constantemente, mal se alimenta e já perdeu 12 quilos", diz a defesa.
Há evidências claras de perseguição jurídico-política a Anderson Torres, afirma jurista
Para o especialista em Direito Constitucional Aécio Flávio Palmeira Fernandes, há irregularidades e desproporcionalidade na forma como o ministro Alexandre de Moraes tem conduzido suas decisões em relação a Torres. Como ele explica, a Constituição estabelece o princípio da presunção de inocência, e o Código de Processo Penal (CPP) é taxativo ao enumerar as hipóteses em que a prisão preventiva é cabível, e nenhuma delas se aplica no caso do ex-ministro.
“A prisão preventiva é irregular quando não se presta a cumprir as finalidades do artigo 312 do CPP, que indica o instituto quando necessária e indispensável à garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado”.
Para Fernandes, há evidências de perseguição de cunho político na situação jurídica de Torres da mesma forma que ocorreu com outras pessoas que foram presas no acampamento montado em Brasília no dia seguinte aos ataques mesmo sem provas de participação dos atos. “Pessoas foram presas sem ao menos terem estado presentes na invasão. É uma clara e escancarada perseguição jurídico-política, onde a lei é um mero detalhe que pode ou não ser parâmetro legal – desde que o infrator seja de viés político contrário”, diz.