Deputado quer estabelecer perda de direito
Impedir o cidadão que teve a Carteira Nacional de Habilitação suspensa de realizar algumas ações, relacionando com algum documento. É essa a intenção do deputado federal Marcelo Almeida (PMDB). Almeida garante estar estudando a fundo o Código de Trânsito Brasileiro para alterá-lo visando a criação de entraves que obriguem a procura do Detran. "É preciso criar um mecanismo para que essa pessoa fique impedida, para que perca algum direito. É a única forma de obrigá-lo a devolver a CNH", diz o deputado.
Desde a implantação do Código de Trânsito Brasileiro, em 22 de janeiro de 1998, mais de 284 mil condutores tiveram a habilitação cancelada no Paraná por ultrapassar o limite de 20 pontos ou por suspensão direta. Desse total, 39% mais de 112 mil motoristas estão irregulares porque não entregaram a habilitação ao Detran, situação semelhante à do deputado estadual Fernando Ribas Carli Filho (PSB), que se envolveu em umacidente que vitimou dois jovens na madrugada da última quinta-feira. Outras 32 mil habilitações estão em fase de recurso. Nesses casos, não há necessidade de devolução até o fim do trâmite do processo, mas o motorista segue impedido de dirigir.
Considerando todos os tipos de habilitação, há atualmente no Paraná 3,9 milhões de condutores habilitados. O número de CNHs suspensas representa 7% desse total. Presidente da Associação Nacional dos Detrans, Mônica Melo afirma que os índices paranaenses se repetem na maior parte dos outros estados do Brasil. De acordo com o advogado e professor de Direito de Trânsito do Centro Universitário Curitiba (UniCuritiba) Marcelo Araújo, a condição de Carli Filho e de outros 112 mil motoristas ilustra a falta de funcionalidade da legislação. "Não adianta existir penalidade se ela não é aplicada. É como se um juiz determinasse cadeia para alguém, mas a pessoa fica em casa, aguardando expirar o tempo da pena", diz. "Nesses casos, a lei acaba se tornando uma figura decorativa."
A percepção da falta de aplicação da lei, para Araújo, é responsável pelo aumento no índice de habilitações que deixaram de ser entregues ao Detran. "Há alguns anos, o índice de não devoluções ficava entre 10 e 20%. Agora, o número quase dobrou", diz. Araújo explica que a função da legislação é pedagógica. Como boa parte não se submete à pena, existe grande probabilidade de os motoristas que não entregam as habilitações repetirem as mesmas infrações responsáveis pela suspensão da CNH.
Caso o motorista não tome a decisão de entregar a habilitação ao órgão responsável, há duas formas de ser encontrado: blitz das polícias ou agentes do Detran (nos estados em que os oficiais cumprem essa função) e em tentativas de regularização da habilitação (renovação da CNH, mudança de categoria ou transferência). "Não é função da autoridade pública Detran ficar perseguindo essas pessoas. É necessário um sentimento de consciência do cidadão", afirma Cyro Vidal, presidente da Comissão de Trânsito da OAB-SP e um dos autores do Código de Trânsito Brasileiro em vigência.
Araújo discorda e enxerga falta de interesse do órgão executivo em tentar coibir esse tipo de infração. "Não existe uma ação pró-ativa de ir atrás e criar uma condição, ainda que judicial, para que o condutor cumpra a sua penalidade. Isso implica, apenas, no investimento de dinheiro", argumenta.
A presidente da Associação Nacional dos Detrans, Mônica Melo, defende que a falta de rigor da lei impede uma atuação mais efetiva. "Não devolveu a habilitação? O que se pode fazer? Alguns Detrans estão encaminhando para o Ministério Público, que pode entrar com ação criminal. Mas não existe uma orientação formal nesse sentido", diz. "A carteira de motorista não é um direito adquirido, mas uma permissão para trafegar."
Curso
Depois de cumprir o prazo estipulado pela suspensão (que pode variar de um mês a dois anos), o condutor precisa participar de um curso de reciclagem, com 30 horas/aula. Ontem, no Detran da João Negrão, uma turma com cerca de 40 condutores participava do terceiro dia de aula.
Um dos alunos é o empresário Marcio Lessa, que perdeu a habilitação por superar o limite de 20 pontos com infrações por excesso de velocidade. Lessa afirma que, ao fazer a reciclagem, o condutor tem tempo de planejar uma mudança de hábitos. "Não é pelo dinheiro gasto, mas pelo tempo perdido. Tive que cancelar uma série de coisas, mudar minha rotina para poder me adequar à lei", diz. "A maior parte do que se ensina no curso a gente sabe, mas coloca panos quentes em cima."
O bancário João Cereda argumenta que os pontos de sua carteira apareceram por uma confusão. "Eu estava com a minha esposa e nem passei próximo ao local onde surgiram as três multas", diz. No entanto, Cereda ressalta a importância de estar de acordo com a lei. "O risco que se corre é muito maior do que o incômodo de fazer o curso. Se for pego em uma blitz, as sanções são maiores", opina. "Não faz mal a ninguém relembrar aquilo que esquecemos com o passar do tempo". A dona de táxi Marlene Salete resume a situação: "O que está previsto na lei deve ser cumprido, não se pode passar por cima", diz.
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Interatividade
Os motoristas em situação irregular deveriam ser obrigados, de alguma forma, a cumprir as sanções previstas na lei?
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