Entre janeiro e julho deste ano, 6.331 direitos garantidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foram violados em Curitiba. No Paraná, no mesmo período, foram 21.701 direitos descumpridos, o equivalente a uma média de 120 violações por dia. Os números levantados por meio do Sistema de Informação para a Infância e Adolescência (Sipia), ainda que subnotificados, revelam a deficiência de políticas públicas voltadas ao setor - considerada por dez entre dez conselheiros o maior desafio do órgão.
Estrutura deficiente desafia conselheiros e compromete atuação
Leia a matéria completaOs dados indicam que milhares de crianças e adolescentes paranaenses enfrentam dificuldades para conseguir o básico, como vagas em creches e escolas, tratamentos médicos e inserção em programas sociais e de proteção. Também denunciam que muitos vivem situações de negligência familiar, imposição ao trabalho e violência sexual enquanto aguardam assistência.
Confira gráfico sobre as violações de direitos
“Os conselheiros verificam a necessidade do menor e requisitam apoio ao poder público, mas a eficácia da ação emperra na falta de políticas. Essa é a maior angústia dos conselheiros”, destaca João Carlos Pires de Camargo, do Conselho Tutelar da Regional do Cajuru.
Déficits
Além da já clássica falta de vagas em escolas, soma-se a dificuldade em conseguir atendimento médico especializado, em particular para assistência à drogadição. A mudança contínua de bairros entre a população mais vulnerável também preocupa, pois costuma provocar evasão escolar. Há falta de Centros de Atendimento Psicossocial (Caps) em cada uma das regionais. Os conselheiros reclamam que os Caps avaliam os pedidos feitos pelo conselho e negam vagas a adolescentes, alegando que eles “não têm perfil” para o atendimento. Diante das seguidas negativas ou da dificuldade para usufruir de um atendimento conseguido via conselho tutelar, muitas famílias desistem.
Diagnóstico
Instituídos em 1991 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), os conselhos tutelares constituíram-se mediadores entre a família e o poder público no que tange aos direitos e garantias de crianças e adolescentes. Desde que foram criados, são mantidos pelos municípios e regidos por dispositivos municipais – daí a dificuldade de precisar um diagnóstico unificado sobre o funcionamento, a efetividade e a formação dos conselheiros, uma vez que as realidades locais são variadas e os levantamentos, falhos.
No Paraná há 419 Conselhos Tutelares para 399 municípios (apenas Curitiba, São José dos Pinhais, Cascavel, Londrina, Maringá e Ponta Grossa possuem mais de um CT estruturado) e todos os municípios possuem pelo menos um CT.
O primeiro Cadastro Nacional dos Conselhos Tutelares (2013), organizado pela Secretaria de Desenvolvimento Humano (SDH), revelou alguns números importantes:
45% dos conselhos do Paraná mudaram de endereço pelo menos uma vez nos últimos quatro anos, sendo que 10% mudaram mais de uma vez; 21% não possuem celular de plantão e apenas 31% contam com pessoal de apoio. Por outro lado, quase a totalidade dos CTs paranaenses possui acesso à internet, telefone fixo e veículo de uso exclusivo.
“Há casos em que o adolescente precisa de um atendimento especializado, mas a vaga fica em uma unidade muito distante de onde a família mora. Como faltam médicos e as consultas são rápidas, os resultados demoram a aparecer. Depois de dois, três meses levando o filho para os atendimentos, os pais abandonam o tratamento. Entendem que o Caps é longe, o que torna custoso, e os resultados não aparecem”, lamentam conselheiros da Regional do Cajuru.
Uma das competências do conselho tutelar é encaminhar à autoridade judiciária os casos de descumprimento das deliberações legais. É o que os conselheiros fazem diante das devolutivas de instituições de ensino, alegando a impossibilidade de atender aos pedidos por vagas. Todas as negativas são encaminhadas ao Ministério Público do Paraná (MP), autor de uma ação civil pública contra a prefeitura de Curitiba, na qual são cobradas soluções para o déficit na educação infantil.
“Infelizmente, enquanto o Executivo e o MP lidam com números, no conselho tutelar nós trabalhamos com casos individuais, com famílias que batem na porta pedindo por uma vaga. Uma vaga nunca é apenas uma vaga – é também uma criança sem direito à educação; uma mãe desempregada que não pode procurar emprego porque não tem com quem deixar os filhos; é uma criança negligenciada durante o dia porque essa mãe, única provedora do lar, tem de trabalhar e é obrigada a deixar o filho sozinho”, avalia Jaber Geraldo Gonçalves Pinto, conselheiro da Regional Santa Felicidade e presidente dos Conselhos Tutelares de Curitiba.
Rede de apoio não acompanha demandas
- Carolina Pompeo
Os conselheiros tutelares enfrentam uma prova de obstáculos para garantir à infância e à adolescência o que lhe é de direito. A origem dessa dificuldade está na deficiência de políticas adequadas e de equipamentos públicos – universo que extrapola a competência dos conselhos. Esses órgãos instituídos pelo ECA não têm autoridade para criar vagas ou unidades de atendimento. A ampliação desse conjunto de políticas, por sua vez, esbarra nas limitações orçamentárias dos municípios.
Hoje, os conselhos tutelares de Curitiba podem contar com uma rede de apoio à infância composta por 1.109 instituições públicas e conveniadas. A conta inclui também unidades que não são especializadas no atendimento à infância e adolescência. Mesmo assim, não é o suficiente. De acordo com Jucimeri Silveira, superintendente de Planejamento da Fundação de Ação Social (FAS), órgão ao qual os conselhos estavam subordinados até bem recentemente, é preciso pensar em responsabilidade compartilhada entre os governos estadual e federal.
“A rede que atende à criança e ao adolescente, e à qual os conselhos recorrem na sua atuação diária, precisa ser ampliada. Curitiba cumpre parte de uma responsabilidade que, no aspecto social, depende da cooperação das demais esferas de governo. Os serviços na área aumentaram muito, mas os recursos municipais não acompanham a demanda.”
Sem informação
Há ainda um outro entrave: a falta de controle sobre quais requisições são atendidas pelo poder público e quais não são. Os conselheiros possuem registro dos pedidos que fazem, mas não sobre o que acontece depois. A FAS também não tem essas informações. Sem números oficiais, fica ainda mais complicado pleitear junto ao Executivo mais planos e programas de atendimento à infância e juventude.
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