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Saúde

16 cidades ficam com 99% das verbas de alto custo

José Gustavo, de 8 anos, e a mãe Anelise Oliveira: moradores de Ventania, eles terão de se mudar para continuar o tratamento de uma doença rara no coração do menino | Hugo Harada/ Gazeta do Povo
José Gustavo, de 8 anos, e a mãe Anelise Oliveira: moradores de Ventania, eles terão de se mudar para continuar o tratamento de uma doença rara no coração do menino (Foto: Hugo Harada/ Gazeta do Povo)
Veja a concentração dos repasses |

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Veja a concentração dos repasses

Apenas 16 dos 399 municípios do Paraná receberam 98,7% do total de recursos repassados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para atendimentos de média e alta complexidade. Os repasses totalizaram R$ 821,5 milhões, desde o início do ano. As cidades que ficaram com a maior fatia do bolo integram dez das 22 regionais de saúde estabelecidas pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa). Na prática, a centralização dos atendimentos demonstra um cenário comum no Paraná: pacientes fazendo longas viagens para receber tratamento adequado, que, muitas vezes, poderia ser feito no próprio município de origem. Os chamados "gargalos da saúde" são visíveis principalmente em Curitiba, cidade que sozinha recebeu 69% dos recursos. Considerando a natureza do Hospital de Clínicas (HC) da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que é referência para cirurgias e tratamentos de alto risco e alto custo no estado, o total recebido não traz surpresas. A maior parte da demanda, po­­rém, é formada por atendimentos de média complexidade, contrariando a própria vocação da instituição hospitalar junto ao SUS: de janeiro a abril, foram 5.158 internações para cirurgias e tratamentos deste tipo. En­­quanto isso, ocorreram 833 procedimentos de alta complexidade no hospital, como neurocirurgias, transplantes de órgãos e operações do coração.

"O HC está inserido no sistema SUS para receber casos de alta complexidade. O problema é que cirurgias mais simples, como de amígdala, acabam sendo feitas aqui, principalmente por pacientes da região metropolitana. Isso acaba gerando uma concorrência por leitos que deveriam ser ocupados prioritariamente para cirurgias de risco", explica a diretora de Assistência do HC, Mariangela Honório Pedrozo.

Deficiência

A própria Secretaria da Saúde reconhece que a falta de estrutura em unidades hospitalares no interior do estado acaba por gerar uma pressão excessiva em poucos municípios, que, além de atender os pacientes locais, são obrigados a receber moradores de regiões próximas.

"Hoje, recebemos em Curitiba pacientes vindos do interior do Paraná para fazer cirurgias de varizes e de hérnia, o que não tem sentido algum. Isso ocorre porque, às vezes, no município de origem faltam equipamentos, estrutura adequada e leitos. Existe muito hospital no Paraná que tem nome de hospital, mas, se for ver dentro, não tem as mínimas condições de ser nem sequer um posto de saúde", diz a superintendente de Gestão de Sistemas de Saúde da Sesa, Márcia Cecília Huçulak.

Atendimento

Mesmo com a falta de hospitais para atendimentos de alta complexidade, profissionais da área e governo do estado concordam que as alternativas para amenizar esse gargalo não passam pela criação de novas unidades para realizar cirurgias de alto risco nos municípios do interior. Segundo o diretor do Hospital Evangélico de Londrina, Luiz Soares Koury, é preciso implantar, antes de tudo, um sistema eficaz de triagem dos pacientes e qualificar a atenção básica nos municípios. "Nós [o hospital] vivemos superlotados porque o sistema público não tem uma hierarquia de atendimento que funcione. Você vai no posto de saúde e não tem médico. Aí o usuário corre para o hospital, muitas vezes sem precisar", afirma Koury.

Para o médico, outra alternativa seria estabelecer nos municípios hospitais de retaguarda, que poderiam receber os pacientes que passaram por cirurgias de alta complexidade em outras cidades. Disponibilizando, assim, leitos para as cirurgias mais complexas nos hospitais de referência.

Para a superintendente de Gestão de Sistemas de Saúde do Paraná, a centralização dos atendimentos de alta complexidade é uma realidade difícil de ser mudada. "Hoje, a estrutura para se manter um centro cirúrgico na área de cardiologia, por exemplo, é muito grande e cara. Saúde não tem preço, mas tem custo de manutenção. A tendência é que tenhamos que centralizar esses atendimentos pra termos um sistema de qualidade", afirma Márcia.

Em busca de tratamento, garoto vira "curitibano"

Há três meses, José Gustavo, de 8 anos, está de casa nova. A residência improvisada, porém, se limita a uma cama em um quarto compartilhado com outras crianças no Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba. Morador de Ventania, município vizinho a Telêmaco Borba, distante 236 quilômetros da capital, José Gustavo vive hoje com a mãe longe da família e do sítio em que cresceu. Sem atendimento especializado na região, os dois se mudaram provisoriamente para Curitiba, onde devem ficar ainda mais alguns dias.

O garoto tem uma doença rara no coração, que prejudica o bombeamento de sangue por meio do órgão. Chegou a ficar internado na cidade de Campo Largo, mas a complexidade da cirurgia que teria de fazer motivou seu encaminhamento ao Pequeno Prín­cipe, referência na área de pediatria em todo o país. Ali, mesmo ainda criança, teve de passar por privações de gente grande: durante a cirurgia, sofreu três paradas cardíacas e ficou, depois, oito dias em coma. Mas ele se recuperou.

O sorriso fácil e a disposição escancarada do garoto, porém, não deixam a mãe Anelise Aparecida Sutil de Oliveira menos preocupada. Mesmo com a cirurgia bem-sucedida, José Gustavo terá de continuar usando medicamentos e há risco de complicações. Ou seja: daqui para a frente, exames e tratamentos auxiliares serão recorrentes.

"Vou ter que me mudar para Castro porque minha mãe mora lá e fica mais perto de Curitiba, se ele precisar de ajuda. Em Ventania, não temos como garantir que ele seja atendido se acontecer algo", relata Anelise.

A mudança, dessa vez definitiva, deve trazer algum alento aos dois. Apesar do Pequeno Príncipe ter prestado toda a assistência possível, mãe e filho não escondem a apreensão de viver em uma cidade estranha, dentro de um hospital, longe dos parentes e conhecidos. "Estamos aqui [em Curitiba] desde antes da Páscoa. Acabamos perdendo a noção de tempo. Não tenho parentes nem ninguém aqui. Estou usando roupas de doação", diz a mãe.

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Interatividade

O que fazer para levar o atendimento de média e alta complexidade para o interior?

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