No ano de 1976, em menos de quatro meses, o Brasil perdeu dois de seus mais populares ex-presidentes, em circunstâncias dramáticas. O mistério envolvendo as mortes de Juscelino Kubitschek, o JK, em 22 de agosto daquele ano, e João Goulart, o Jango, em 6 de dezembro, motivou a Comissão Nacional da Verdade (CNV) criada pelo governo federal a revisar os dois casos. O trabalho realizado até agora não permite concluir que as mortes tenham sido planejadas, mas a comissão já acumula provas suficientes de que Jango tinha seus passos monitorados pela ditadura militar e suspeita de que o mesmo tenha acontecido com JK.
Segundo a versão oficial, Juscelino morreu na Rodovia Presidente Dutra, nas proximidades de Resende, no Rio de Janeiro, vítima de uma colisão acidental do veículo em que estava. Quanto a Jango, sofreu um ataque cardíaco que o levou à morte durante o exílio na Argentina.
Em paralelo, há suspeitas de que os dois tenham sido assassinados pela chamada Operação Condor nome dado a uma coalizão entre governos militares sul-americanos e a Presidência dos Estados Unidos, com o objetivo de eliminar os opositores das ditaduras.
Em revisão
O historiador gaúcho Jair Krischke, fundador do Movimento Justiça e Direitos Humanos, afirma que a revisão dos dois casos é fundamental. E que pode haver alguma uma ligação entre as mortes. Lembra que poucos anos antes entre 1966 e 1968 Juscelino e Jango compuseram a chamada Frente Ampla, grupo de oposição ao regime militar, juntamente com Carlos Lacerda, ex-governador da Guanabara e que havia sido adversário de ambos.
Mesmo com a proibição do funcionamento da Frente Ampla, em 1968, Juscelino e Jango ainda eram considerados ameaça à continuidade dos militares no poder.
"O ano de 1976, em que os dois ex-presidentes morreram, também é o ano em que ocorreu a ascensão do democrata Jimmy Carter, nos EUA. Antes mesmo de se tornar presidente, o que aconteceria no ano seguinte, Carter já assustava os ditadores ao discursar em favor dos direitos humanos e ao defender o fim do apoio norte-americano aos regimes militares sul-americanos. É muita coincidência as mortes de JK e Jango, opositores da ditadura, acontecerem num intervalo tão curto e justamente nesse cenário político desfavorável ao regime", analisa Krischke.
O pesquisador acrescenta que, em setembro 1976, o diplomata e ativista chileno Orlando Letelier feroz opositor de Augusto Pinochet, no Chile foi assassinado em Washington por agentes do serviço secreto norte-americano. Segundo Krischke, o fato só aumenta as suspeitas de um possível planejamento das mortes de JK e Jango.
Novas investigações
"Nós realizamos [em novembro deste ano] a exumação do corpo do João Goulart, mas os resultados das perícias devem levar pelo menos seis meses para ficarem prontos. No caso do Juscelino, não estamos considerando a exumação, por enquanto", afirma a integrante da Comissão da Verdade, Rosa Cardoso, coordenadora dos grupos de trabalho que estudam o golpe de 1964 e a Operação Condor. "Também estamos em negociações com o Senado dos EUA para obter alguns documentos que nos ajudem a compreender melhor as mortes dos dois ex-presidentes e de outras pessoas que sofreram perseguição política durante a ditadura", complementa.
O ataque de um coração "subversivo"
No dia 6 de dezembro de 1976, o ex-presidente João Goulart morre numa fazenda na cidade de Mercedes, na Argentina. A versão oficial informa que Jango morreu de um ataque cardíaco. "Ele realmente tinha problemas de coração. No entanto, existe uma suspeita de que alguns remédios entregues a João Goulart tenham sido adulterados", afirma Rosa Cardoso, da Comissão da Verdade.
Segundo ela, ainda não é possível provar que essa adulteração realmente tenha ocorrido. A comissão, porém, já tem certeza de que a ditadura acompanhava de perto a vida de Jango no exílio. No último dia 19, o grupo trouxe a público um desses documentos. Expedido pelo 3.º Exército de Cascavel, Oeste do Paraná, o ofício confidencial solicitava que o governo argentino monitorasse 90 exilados tratados no texto como "subversivos" que viviam naquele país, inclusive o ex-presidente.
"Bem antes de morrer, ele já se deslocava muito, principalmente entre a Argentina e o Uruguai, até para não manter uma rotina que o deixasse vulnerável", comenta Rosa.