Corpo de Jango foi exumado e novamente sepultado, agora com honras militares: caudilho em ascensão| Foto: Arquivo

Perícia

A curva perigosa da "Presidente Dutra"

Por volta das 18 horas do dia 22 de agosto de 1976, o ex-presidente Juscelino Kubitschek deixa uma fazenda em Resende, RJ, junto com seu motorista, Geraldo Ribeiro. Passados poucos minutos, o carro fica desgovernado e – ao invés de fazer a curva – atravessa para a outra pista da Rodovia Presidente Dutra, colidindo contra uma carreta com placa de Santa Catarina. A perícia concluiu que Ribeiro perdeu o controle do Chevrolet Opala porque o veículo fora atingido, na traseira, por um ônibus da Viação Cometa.

Além da investigação pela comissão nacional, a Comissão Municipal da Verdade "Vladimir Herzog", da Câmara de São Paulo, também se debruçou sobre o caso. "Nossa comissão está convicta de que Juscelino foi assassinado", afirma o vereador Gilberto Natalini (PV-SP), que presidiu os trabalhos. Em relatório divulgado no dia 10 de dezembro deste ano, a comissão arrola 90 indícios que apontam para uma possível premeditação do acidente que matou JK.

O documento faz menção, inclusive, a uma suposta adulteração das provas. "Trabalhamos neste caso desde março deste ano, levantando toda a documentação das investigações de 1976 e de 1996, quando o ‘Caso JK’ foi reaberto. A análise desse material aponta uma série de contradições graves", sustenta Natalini. Segundo a comissão paulistana, há indícios de que o motorista de JK eria sido atingido, na cabeça, por um tiro disparado de dentro de outro carro.

Perito contesta

O perito Sérgio de Souza Leite, que investigou as circunstâncias do ocorrido em 1976 junto ao Instituto de Criminalística Carlos Éboli, nega que tenha havido qualquer fraude no levantamento das informações. "Se essa comissão queria esclarecer, de fato, o que ocorreu, deveria ter ouvido o meu depoimento e de outras pessoas que trabalharam na investigação na época. Mas nós nem fomos chamados", protesta.

Leite não tem dúvidas de que o Opala só se desgovernou porque foi atingido pelo ônibus. "Os exames que fizemos na lataria dos dois veículos provam cabalmente que eles se chocaram", afirma. O perito lembra ainda que no ano de 2001, uma comissão da Câmara dos Deputados referendou os resultados da perícia feita em 1976.

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Versão oficial da morte de JK fala em colisão na
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No ano de 1976, em menos de quatro meses, o Brasil perdeu dois de seus mais popula­res ex-presidentes, em circunstâncias dramáticas. O mis­té­rio envolvendo as mortes de Juscelino Kubitschek, o JK, em 22 de agosto daquele ano, e João Goulart, o Jango, em 6 de dezembro, motivou a Co­missão Nacional da Verdade (CNV) – criada pelo governo fe­deral – a revisar os dois casos. O trabalho realizado até agora não permite concluir que as mortes tenham sido planejadas, mas a comissão já acumula provas suficientes de que Jango tinha seus passos monitorados pela ditadura militar e suspeita de que o mesmo tenha acontecido com JK.

Segundo a versão oficial, Juscelino morreu na Rodovia Presidente Dutra, nas proximidades de Resende, no Rio de Janeiro, vítima de uma colisão acidental do veículo em que estava. Quanto a Jango, sofreu um ataque cardíaco que o levou à morte durante o exílio na Argentina.

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Em paralelo, há suspeitas de que os dois tenham sido assassinados pela chamada Operação Condor – nome da­do a uma coalizão entre governos militares sul-americanos e a Presidência dos Estados Unidos, com o objetivo de eliminar os opositores das ditaduras.

Em revisão

O historiador gaúcho Jair Krischke, fundador do Mo­vimento Justiça e Direitos Humanos, afirma que a revisão dos dois casos é fundamental. E que pode haver alguma uma ligação entre as mortes. Lembra que poucos anos antes – entre 1966 e 1968 – Juscelino e Jango compuseram a chamada Frente Ampla, grupo de oposição ao regime militar, juntamente com Carlos Lacerda, ex-governador da Guanabara e que havia sido adversário de ambos.

Mesmo com a proibição do funcionamento da Frente Ampla, em 1968, Juscelino e Jango ainda eram considerados ameaça à continuidade dos militares no poder.

"O ano de 1976, em que os dois ex-presidentes morreram, também é o ano em que ocorreu a ascensão do democrata Jimmy Carter, nos EUA. Antes mesmo de se tornar presidente, o que aconteceria no ano seguinte, Carter já assustava os ditadores ao discursar em favor dos direitos humanos e ao defender o fim do apoio norte-americano aos regimes militares sul-americanos. É muita coincidência as mortes de JK e Jango, opositores da ditadura, acontecerem num intervalo tão curto e justamente nesse cenário político desfavorável ao regime", analisa Krischke.

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O pesquisador acrescenta que, em setembro 1976, o diplomata e ativista chileno Orlando Letelier – feroz opositor de Augusto Pinochet, no Chile – foi assassinado em Washington por agentes do serviço secreto norte-americano. Segundo Krischke, o fato só aumenta as suspeitas de um possível planejamento das mortes de JK e Jango.

Novas investigações

"Nós realizamos [em novembro deste ano] a exumação do corpo do João Goulart, mas os resultados das perícias devem levar pelo menos seis meses para ficarem prontos. No caso do Juscelino, não estamos considerando a exumação, por enquanto", afirma a integrante da Comissão da Verdade, Rosa Cardoso, coordenadora dos grupos de trabalho que estudam o golpe de 1964 e a Operação Condor. "Também estamos em negociações com o Senado dos EUA para obter alguns documentos que nos ajudem a compreender melhor as mortes dos dois ex-presidentes e de outras pessoas que sofreram perseguição política durante a ditadura", complementa.

O ataque de um coração "subversivo"

No dia 6 de dezembro de 1976, o ex-presidente João Goulart morre numa fazenda na cidade de Mercedes, na Argentina. A versão oficial informa que Jango morreu de um ataque cardíaco. "Ele realmente tinha problemas de coração. No entanto, existe uma suspeita de que alguns remédios entregues a João Goulart tenham sido adulterados", afirma Rosa Cardoso, da Comissão da Verdade.

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Segundo ela, ainda não é possível provar que essa adulteração realmente tenha ocorrido. A comissão, porém, já tem certeza de que a ditadura acompanhava de perto a vida de Jango no exílio. No último dia 19, o grupo trouxe a público um desses documentos. Expedido pelo 3.º Exército de Cascavel, Oeste do Paraná, o ofício confidencial solicitava que o governo argentino monitorasse 90 exilados – tratados no texto como "subversivos" – que viviam naquele país, inclusive o ex-presidente.

"Bem antes de morrer, ele já se deslocava muito, principalmente entre a Argentina e o Uruguai, até para não manter uma rotina que o deixasse vulnerável", comenta Rosa.