Pesquisa feita por uma equipe de cientistas brasileiros e publicada na revista The Lancet mostra que o diagnóstico de microcefalia não pode ter como alvo apenas o perímetro cefálico da criança. O trabalho revela que um em cada cinco casos de bebês com a contaminação por zika durante a gestação e com sintomas de danos neurológicos apresentavam uma circunferência da cabeça nos padrões considerados normais.
“Os resultados mostram que nas gestações afetadas pela infecção por zika, alguns fetos terão alterações cerebrais e microcefalia, outros terão alterações cerebrais e perímetro cefálico normal e outros não serão afetados”, afirmou o coordenador do trabalho, o professor da Universidade Federal de Pelotas, Cesar Victora.
“Isso demonstra o quanto as equipes precisam estar atentas. Não apenas durante o parto ou logo depois do nascimento, mas durante o crescimento do bebê”, afirmou o diretor de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Eduardo Hage, e também integrante do estudo.
O trabalho, o maior estudo de série de casos de suspeita por infecção de zika realizado até o momento, reuniu informações de 5.909 casos suspeitos de microcefalia notificados no País até fevereiro. A partir dos registros, várias características foram analisadas: sexo, idade gestacional, exames de imagem, histórico da mãe e mortalidade.
Desse número geral, foram analisados 1.501 casos suspeitos. “A avaliação não foi feita apenas na classificação de casos descartados ou confirmados. Incluímos na análise casos considerados de contaminação muito provável, moderadamente provável e pouco provável”, conta Victora.
O professor afirma que uma das principais conclusões do estudo se deve pela estratégia adotada pelo Ministério da Saúde, no início da epidemia, de fazer uma classificação de casos muito rigorosa. Eram considerados casos suspeitos de microcefalia por zika todo bebê que nascesse com perímetro cefálico menor do que 33 centímetros. Não importava o sexo ou se o bebê nascia de forma prematura. Passado o primeiro período, o padrão foi reduzido para 32 centímetros. Agora, a recomendação da Organização Mundial da Saúde e sugerida pelo Ministério da Saúde é de que sejam avaliados também o sexo e em que semana da gestação o parto ocorreu.
“Os critérios mais rígidos do início tornaram o sistema muito sensível e nos permitiu avaliar bebês com perímetros cefálicos maiores e que foi constatado depois, com danos neurológicos provocados.” Para Victora, o resultado não significa que parâmetros para classificação de bebês com microcefalia devem voltar ao patamar anterior. “O que é preciso é chamar a atenção de equipes de saúde para que todos os sinais sejam levados em conta. Não basta apenas se fiar por uma medida”, disse o professor.
Primeira fase
O diretor de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, Eduardo Hage, observa que a infecção por zika durante a gestação pode afetar o desenvolvimento do cérebro do bebê e trazer consequências que, nesta primeira fase, ainda não são conhecidas. “Hoje assistimos relatos de problemas de visão. É preciso que a atenção seja redobrada para saber qual será o impacto da ação do vírus no organismo dos bebês, com o passar do tempo.”
Outro ponto considerado de grande relevância por Hage no estudo publicado por seu grupo é a mortalidade. “Verificamos que a taxa de mortalidade de bebês infectados por zika é quatro vezes maior do que das demais crianças”, disse.
O trabalho indica ainda que os efeitos do zika não ocorrem apenas quando a infecção acontece nos primeiros três meses de gestação. “O trabalho identificou efeitos da infecção em gestações mais avançadas”, observa Victora. Para ele, isso lança uma dúvida sobre as infecções que ocorrem logo após o nascimento do bebê. “O cérebro continua se desenvolvendo mesmo depois do parto. Não sabemos ao certo quais são os efeitos do zika, quando a doença ocorre logo após o nascimento”, observa o pesquisador. “Estamos ainda no campo da especulação, mas acho que é o caso de começar a pensar também em estratégias de prevenção para bebês logo depois do nascimento.”
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