A decisão do corregedor e ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Benedito Gonçalves, confirmada por 4 votos a 3 pelo plenário da Corte nesta quinta-feira (18), de impedir o lançamento do documentário "Quem mandou matar Jair Bolsonaro", da Brasil Paralelo, desmonetizar canais e bloquear perfis de apoiadores do presidente não tem fundamentação legal, afirmam juristas.
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Ao atender ao pedido do PT, juristas apontam que o TSE impôs a censura prévia - vedada pela Constituição Federal – e atuou de forma parcial ao proibir perfis e portais de publicar fatos verídicos pelo risco que essas informações "possam prejudicar a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva".
Abaixo, confira três pontos preocupantes da decisão dos ministros do TSE:
1. Censura Prévia
A liberdade de expressão e de imprensa são direitos garantidos na Constituição Federal. Em decisões recentes no Supremo Tribunal Federal (STF), a Corte recordou que o inciso IV do artigo 5º da Constituição Federal, que diz que "é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato", lido em conjunto com o artigo 220, que diz que "[a] manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição" veda "toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística", não permitindo a existência de censura prévia no Brasil.
Ao atender o pedido de suspensão temporária, até 31 de outubro, o corregedor Benedito Gonçalves negou que estivesse fazendo algum tipo de censura. "A semana de adiamento não caracteriza censura. Apenas evita que tema reiteradamente explorado pelo candidato em sua campanha receba exponencial alcance". A multa diária imposta, caso a Brasil Paralelo desobedeça à determinação, é de R$ 500 mil.
A tese de Benedito, no entanto, não corresponde ao que diz a legislação. O fato foi apontado por outro ministro do TSE, que teve seu voto vencido pela maioria. Em seu pronunciamento, Carlos Horbarch afirmou que impedir o lançamento do documentário, sem investigação ou conhecimento do conteúdo, estaria em "em aparente contraste com o artigo 220 a Constituição Federal". "A petição inicial [do PT], com 153 laudas, enfrenta a questão do documentário em um único parágrafo. Com essa limitada análise, conclui com a suposição de que o documentário, cujo conteúdo se desconhece, será prejudicial à campanha do candidato e que, por isso, não pode ser veiculado, em aparente contraste com o artigo 220 a Constituição Federal", disse. Ele acrescentou que a atuação da Justiça Eleitoral deve ser com a "menor interferência possível no debate democrático".
"Trata-se de censura, sem dúvida alguma, uma vez que houve ordem coercitiva do Estado visando a impedir a transmissão de um conteúdo. A decisão é absolutamente nula. Mas normas nulas podem ser eficazes até que órgãos com competência reconheçam sua nulidade", lamentou André Uliano, procurador da República e professor de Direito Constitucional.
André Fernandes, professor de filosofia do Direito e pós-doutor em Antropologia Filosófica, também considerou a decisão como "um caso pragmático de censura prévia travestido de uma decisão judicial autoritária e abusiva". "Embora tenha a forma legal a motivação fere a liberdade de expressão e está desamparada de qualquer documentação sólida que permita a interpretação de abuso", disse.
2. Desmonetização não consta no pedido do PT
Outro ponto de alerta da decisão é o fato de o corregedor impor uma penalidade sem estar mencionada no pedido inicial do PT. Benedito determinou a desmonetização de perfis no YouTube (os canais não podem mais gerar receita de publicidade na plataforma) por considerar que essas empresas estariam abusando do seu poder econômico para interferir na eleição.
Além da iniciativa (o juiz, pela legislação brasileira, não pode agir sem ser provocado), não houve investigação ou espaço para ampla defesa. Gonçalves determinou ao YouTube a desmonetização, até o dia 31 de outubro, dos canais da Brasil Paralelo, da Foco do Brasil e da Folha Política, sob pena de multa diária de R$ 20.000. Além disso, o magistrado proibiu os três canais de impulsionarem "conteúdos político-eleitorais" envolvendo o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Juristas veem na ação um claro exemplo de "ativismo judicial". Pela Lei Complementar nº 64 de 1990, compete ao corregedor apenas apurar, mediante investigações jurisdicionais, as transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários e abuso de poder econômico ou político; assim como promover investigações judiciais, com a finalidade de apurar uso indevido, desvio ou abuso de poder econômico ou de autoridade.
Para o advogado Geraldino Santos Nunes Júnior, conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal , o corregedor "extrapolou na decisão" e agiu com "parcialidade". "É um corregedor que deveria investigar, mas ele simplesmente aceitou como verdade a tese do PT e extrapolou na decisão, não houve pedido de desmonetização e ele se antecipou. Sendo, além disso, um ministro indicado pelo PT, seria suspeito para tais atitudes, não dá pra admitir essa decisão", afirmou.
O procurador Uliano também destacou a irregularidade de o corregedor dar uma decisão acima do pedido inicial. "O juiz está submetido ao princípio da inércia e a atuação de ofício ofende a imparcialidade da justiça", insistiu.
3. Desordem informacional
O termo "desordem informacional", inaugurado em outros julgamentos no TSE para falar de fatos verídicos que, em seu conjunto, possam prejudicar Lula, foi mencionado mais de cinco vezes no pedido da coligação petista e citado como "caos informacional" na decisão do corregedor eleitoral.
Segundo o procurador Uliano, o conceito usado para definir uma série de informações cuja veracidade é incontestável, mas que levam a conclusões indesejadas, causa "insegurança jurídica" por "não constar na legislação nem de qualquer regulamentação". "Trata-se de uma das decisões mais infundadas da história da Justiça Eleitoral", disse.
"Como é inviável definir com segurança quando a ‘desordem informacional’ se configura, os juízes podem utilizá-la de modo voluntarista e arbitrário, derrubando ou mantendo conteúdos a partir de suas opiniões subjetivas, ferindo direitos constitucionais", explicou Uliano.
Para Fernandes, o TSE parece querer ser um substituto da consciência do eleitor, para influenciar que informações ele deve ter acesso ou não. "A expressão ‘desordem informacional’ é um constructo, um artifício que não tem nenhuma adesão à realidade do conhecimento das coisas práticas. E por não ter amparo na realidade é uma inverdade", disse.
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