"Tenho medo até da sombra", conta vítima de assalto
Em setembro, a professora Jordana Moreno Pimentel (foto), de 21 anos, pedalava em direção à escola onde dá aulas de inglês, no bairro Mercês. No caminho, foi interceptada por outros dois ciclistas. Teve uma faca apontada contra seu corpo. No assalto, levaram seu dinheiro e celular. Em razão do incidente, mudou hábitos e se sente mais insegura.
"Hoje em dia, sou do tipo de pessoa que tem medo até da sombra. Não ando sozinha à noite e tenho medo de sair à rua", diz.
De acordo com a pesquisa da Brain, 35% dos entrevistados foram assaltados ou tiveram algum parente próximo roubado no último ano. No total, 80% conhecem alguém que foi vítima de ladrões.
Até o fim do terceiro trimestre do ano passado, Curitiba tinha uma média de 178 roubos ou furtos por dia, registrados oficialmente. Mas as autoridades acreditam que o índice seja bem maior, já que muitas vítimas não comunicam os crimes. "Na região em que trabalho, tem assalto todo dia. Minha mãe já foi assaltada, minha amiga. O difícil é alguém que não conheça ninguém que tenha sido assaltado", diz Jordana.
Na última semana, a cartorária aposentada Carmen (que não quis revelar o sobrenome) também foi vítima de bandidos. Ela estava em um ônibus no Centro, quando alguém lhe furtou a carteira. "De um tempo pra cá, eu evito sair na rua, porque está muito perigoso. Parece que a violência está em toda parte", diz.
A violência parece estar cada vez mais próxima. Ao menos, essa é a percepção dos curitibanos. Uma pesquisa realizada pela Brain Inteligência de Mercado e Pesquisa Estratégica a pedido da Gazeta do Povo revelou que 44% dos entrevistados se sentem "mais inseguros" do que há 12 meses. Os principais temores dizem respeito a crimes que atentem contra a integridade física, além de furtos e roubos.
INFOGRÁFICO: Confira o resultado da pesquisa
Para sociólogos e especialistas em segurança pública, casos de grande repercussão têm ocorrido cada vez mais perto das pessoas, à luz do dia e em locais de grande movimentação. Só no início de janeiro deste ano, por exemplo, quatro tiroteios em locais de grande movimentação como avenidas, praças e estacionamento de supermercado perturbaram a paz do curitibano. Isso, avaliam os especialistas, tende a propagar a cultura do medo.
"Esses casos tendem a gerar um temor nas pessoas. O cidadão sente como se a violência estivesse batendo à sua porta", diz o delegado Osmar Dechiche, chefe da Delegacia de Furtos e Roubos (DFR) de Curitiba. "Só vamos diminuir esses índices e a sensação de insegurança trabalhando com inteligência, nos antecipando aos acontecimentos. O Estado precisa agir", completa.
Além disso, ao longo do período eleitoral, o tema segurança pública foi trazido para o centro do debate. Desta forma, as pessoas foram levadas a refletir mais sobre o fenômeno. "O próprio debate, em si, trouxe uma espécie de consciência da vulnerabilidade social em que vivemos. É um ponto ao qual as pessoas têm dado maior importância", observa o sociólogo Lindomar Bonetti, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
A pesquisa revelou que 86% dos curitibanos se classificam como "extremamente preocupados" em relação à própria segurança física. Em seguida, o crime que mais assusta os entrevistados é o furto e roubo de veículos (80% se disseram "extremamente preocupados" em relação a isso).
Em relação aos crimes que mais provocam insegurança, foram mencionados a ameaça (com 23%) e o furto (com 18%). Para os especialistas, estes delitos foram os mais lembrados porque são os tipos a que as pessoas estão mais suscetíveis.
A socióloga Valéria Pilão, professora da Universidade Tuiuti, lembra que a violência também se esgueira para além dos grandes centros e aponta que a sensação de medo também avança no interior. "Outras regiões também constam nas estatísticas, como demonstram estudos do Mapa da Violência. Os crescentes índices, nas suas mais diversas facetas, fazem com que a população se sinta vulnerável", diz.
Para enfrentar a violência
Os especialistas consultados pela Gazeta do Povo entendem que, para minimizar a sensação de insegurança, é preciso que as políticas públicas envolvam, necessariamente, a comunidade.
"O autoencarceramento dos cidadãos em condomínios fechados não resolve. Não é por aí. É preciso que polícia e sociedade ajam em conjunto. A comunidade tem que ocupar os espaços públicos", avalia o sociólogo Lindomar Bonetti .
É preciso, ainda, que o Estado pense políticas de forma integrada, envolvendo, principalmente, segurança pública, educação, infraestrutura e planejamento. A socióloga Valéria Pilão observa que as ações devem ser inclusivas e não, meramente repressivas.
"Não podem ser geradoras de mais violência, com mais segregação social e criminalização de grupos sociais. Tem de ser respostas que permitam a humanização do indivíduo e que tragam resultados a longo prazo na sua formação", destaca.
Causas
Para o delegado Osmar Dechiche, a sensação de insegurança é reflexo de uma falha do Estado, ao longo de décadas. "Quando entrei na polícia, eu perguntava aos presos qual era a ocupação do pai deles. Sempre havia uma profissão. Hoje, na maioria das vezes, os presos me respondem que o pai está preso. Ou seja, estamos na segunda geração de bandidos. O Estado não acompanhou a evolução da sociedade e agora precisa se readequar", disse.
Outro delegado que pediu para não ser identificado avalia que a violência é reflexo da falta de rigor do Estado para com os autores de crimes graves. "A nossa política criminal é garantista, mais preocupada com as garantias dos bandidos do que da sociedade. Mais de 90% dos crimes são afiançáveis. Uma pessoa que rouba um carro vai para o regime semiaberto e continua sendo bandido", diz.
Ele defende também investimentos maciços em todas as esferas da persecução criminal da polícia à justiça. "Muito se fala da política Tolerância Zero, em Nova Iorque. Lá, foram investidos US$ 1 bilhão em quatro anos. E aqui? Se todo o sistema não estiver funcionando bem não adianta", diz.
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