Para 67% da população mundial, não é possível expressar a própria religiosidade de forma plena. Três fatores, em especial, limitam a liberdade: governos autoritários (que atuam em 43 países e afetam 2,9 bilhões de pessoas), extremistas islâmicos (com impacto em 26 países e 1,2 bilhão de pessoas) e nacionalistas radicais (atingindo 4 países e 1,6 bilhão de pessoas, sendo que muitas vítimas são pressionadas por diferentes ameaças, que se sobrepõem).
Essas são as principais conclusões da 15ª edição do Relatório de Liberdade Religiosa no Mundo. Bienal, publicado pela primeira vez em 1999, o trabalho analisa até que ponto o direito humano fundamental à liberdade religiosa, protegido pelo artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é respeitado por todas as religiões dos 196 países do mundo.
“No mundo, 84% dos seres humanos se dizem praticantes de uma religião. Esse é um direito básico”, afirma Valter Callegari, diretor-executivo da ACN Brasil, a entidade responsável pelo levantamento. Criada em 1947, a fundação pontifícia Aid to the Church in Need (ACN), ou Ajuda à Igreja que Sofre, auxilia a Igreja Católica por meio de informações, orações e projetos de ajuda a pessoas ou grupos que sofrem perseguição e opressão religiosa e social ou que estejam em necessidade.
Grupos jihadistas
O levantamento identificou que, entre 2018 e 2020, o direito fundamental à liberdade religiosa não foi respeitado em 62 nações, 31,6% do total, abarcando 5,2 bilhões de cidadãos. O relatório diferencia as nações em que existe perseguição declarada – são 26, e em 95% delas a situação piorou nos últimos dois anos – daqueles 36 locais onde se observa discriminação social.
Nove países aparecem na lista de perseguidores declarados pela primeira vez, sendo sete deles na África. As áreas subsaariana e oriental do continente vêm observando um aumento expressivo dos grupos jihadistas, partindo de nações africanas na direção da Ásia, em especial o Oceano Índico, as Filipinas e o Mar do Sul da China, com o objetivo de criar um chamado califado transcontinental.
“Na África, há um crescimento da área total controlada por radicais islâmicos, com o objetivo de formar um califado. Vimos isso em Moçambique, onde houve uma série de ataques que, a princípio, pareciam não ter um objetivo claro, e depois se percebeu que eram conduzidos por extremistas religiosos. Nesses locais, vem acontecendo um aliciamento de jovens”, afirma Valter Callegari.
Perseguição com câmeras
Já na China, o mecanismo de controle da população se estende à religião, incluindo a construção de “campos de reeducação” para uigures. “O Partido Comunista Chinês tem oprimido grupos religiosos com a ajuda de 626 milhões de câmeras de vigilância aprimoradas em IA e scanners de smartphones”, informa o diretor-executivo da ACN Brasil.
O relatório denuncia também o aumento da violência sexual usada como arma contra minorias religiosas – crimes contra mulheres e meninas que são sequestradas, estupradas e forçadas a se converter. “No Paquistão, por exemplo, uma menina de 15 anos pode ser sequestrada, e a Justiça tende a ficar ao lado do criminoso, alegando que ele conseguiu a conversão da vítima”, diz Callegari.
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Liberdade religiosa no Ocidente: situação estável, com "perseguição educada"
No Ocidente, o relatório aponta que há um aumento da “perseguição educada”, termo criado pelo Papa Francisco para descrever como novas normas e valores culturais entram em conflito com os direitos individuais à liberdade de consciência. E assim a religião acaba sendo confinada “aos distritos fechados de igrejas, sinagogas ou mesquitas”.
Na América Latina, o relatório aponta três países em que a discriminação religiosa é explícita: Cuba, Venezuela e Nicarágua. Mas também considera alarmantes os assassinatos de padres, no México, por denunciar a ação de traficantes. No Brasil, a situação é estável desde o início do século.
“Os casos de agressão motivada por intolerância são pontuais e o total não se altera de forma substantiva ao longo dos anos”, explica o diretor-executivo da ACN Brasil. “Muda o alvo. Alguns anos atrás, eram prioritariamente mesquitas, agora são os espaços utilizados pelas religiões afro-brasileiras. Ainda assim, em termos globais, consideramos que existe, no Brasil, liberdade de expressão religiosa”.
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