Maria da Conceição Camargo não sabe o que é morar e trabalhar na mesma cidade. Desde o primeiro emprego, o destino da moradora de Almirante Tamandaré sempre foi o Centro de Curitiba. Ela está entre os 7,4 milhões de brasileiros que se deslocam da cidade onde moram para trabalhar ou estudar no município próximo. Esse movimento pendular foi base para o mapeamento do IBGE divulgado na quarta-feira (25). O estudo constatou a existência de 294 arranjos populacionais formados por 938 municípios no país. Os dados são de 2010, ano do último Censo.
O núcleo do maior dos arranjos populacionais do Brasil é a cidade de São Paulo. Nesse caso, 36 municípios (incluindo a capital) e 1,7 milhão de pessoas que saem da cidade onde moram para trabalhar ou estudar formam uma grande concentração urbana. Em todo o país, há mais 25 delas. Curitiba aparece como o núcleo da nona grande concentração. Segundo os dados do IBGE, cerca de 680,7 mil pessoas circulam pela capital paranaense e outras 17 cidades próximas para estudo e trabalho.
O IBGE não aponta qual é a periodicidade do deslocamento, mas sabe-se que, em cidades vizinhas, trabalhadores e estudantes costumam fazer o trajeto de ida e volta diariamente. Para Maria da Conceição, o percurso Curitiba/Almirante Tamandaré só não inclui sábado e domingo. Isso significa duas horas diárias dentro de um ônibus quase sempre lotado e pelo menos mais duas esperando o transporte chegar de segunda a sexta-feira.
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O quadro de desconforto e atrasos enfrentado por Maria diariamente é o mesmo que diversos brasileiros encaram. Para a pós-doutoranda em Geografia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Marlei Deschamps, o transporte é o principal nó a ser desatado pelas concentrações urbanas do país.
“A dinâmica da atividade econômica tende à concentração em alguns locais. Isso é um fato no mundo inteiro. Mas o que tem em outros países e não há no Brasil é um sistema de transporte eficaz. O que temos hoje é a população pobre morando cada vez mais longe, e com cada vez mais dificuldade para se locomover”, diz Marlei, que é servidora aposentada do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes).
A pesquisadora do IBGE Monica O’Neill também aponta para a necessidade de um investimento maior em transporte. “Vemos os problemas relacionados à mobilidade urbana, e acredito que estas imagens podem auxiliar [novos projetos]”, destaca.
Marlei vê com preocupação a situação atual da Rede Integrada de Transporte (RIT). Em fevereiro, a integração financeira da rede acabou, o que gerou mudanças nas linhas metropolitanas. O diretor-presidente da Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba, Omar Akel, afirma que as mudanças são necessárias para manter a possibilidade do pagamento de uma única tarifa para quem se desloca da RMC para Curitiba e vice-versa.
A assistente financeira Camila Chesco viu o tempo para sair de São José dos Pinhais e chegar à capital dobrar depois das mudanças no sistema. “O fim da integração tornou a minha viagem ainda mais demorada”, diz. Para Marlei, esse quadro de precarização da RIT pode ter uma série de consequências, como uma busca maior por emprego no próprio município. Isso, porém, só saberemos nos próximos estudos.
O levantamento divulgado ontem pelo IBGE é o primeiro feito nesse sentido no país. A ideia é que a pesquisa seja realizada a cada dez anos, depois dos Censos, para acompanhar a evolução dos arranjos populacionais e das concentrações urbanas de todo o Brasil.