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Entrevista

80% do inquérito do mensalão está em segredo, diz procurador

Guaratuba – Se depender da quantidade de informações que ainda estão para ser expostas, o mensalão ainda vai dar muito o que falar. De acordo com o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, 80% do que foi apurado pelo Ministério Público Federal estão sob sigilo quase total – ele é um dos poucos conhecedores do processo todo. E completa: todos, contra os quais houver provas, vão ser denunciados. "Não vou manchar minha biografia para preservar ninguém", afirmou ele, em entrevista exclusiva concedida em seu apartamento de Guaratuba, onde passa férias.

Desde que assumiu o cargo, em julho passado, Souza e outros três colegas do MPF trabalham para descobrir a origem do dinheiro que resultou numa das maiores crises políticas do Brasil desde a redemocratização. "Eu gostaria muito de terminar [o inquérito] em maio ou junho, para não coincidir com a época das eleições", diz o procurador.

Souza é cearense de nascimento e paranaense de criação – veio para o Paraná com 2 anos, se formou em Direito na UFPR e e fez carreira no estado. Do cargo em que ocupa (um dos mais importantes da República), pode mover uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (as poderosas Adins), além de ações penais para denunciar autoridades como o presidente da República, senadores, deputados federais e ministros de Estado. Apesar do poder do cargo, mantém uma característica bem pessoal, a discrição. Sobre a possibilidade de adiantar alguns dos segredos do mensalão, é categórico: "Vou fazer um juízo só, no momento final".

Em que fase está o inquérito do mensalão?

Já no primeiro dia em que eu assumi a Procuradoria eu falei que seria um inquérito demorado e trabalhoso. Estou fazendo todo o possível para apressar. Existem provas policiais que são demoradíssimas. As informações que os bancos prestam são informações brutas, números. Você tem de analisar os números e fazer a conexão dos lançamentos com eventuais envolvidos. Tem sido trabalhoso. A gente completou seis meses e meio de inquérito. É um prazo razoável para esse tipo de investigação, que tem muita gente envolvida. Uma coisa eu posso garantir, o inquérito está sob sigilo de Justiça e os fatos e os acontecimentos não são divulgados, mas está sendo feito muita coisa, muita coisa mesmo.

Já há pessoas que podem ser denunciadas?

Não faço nenhum juízo assim, porque eu vou fazer um juízo só, no momento final. Às vezes a gente chega ao final de uma linha de investigação e não produz resultado útil algum. Outras produzem. Só na hora que estiver tudo pronto é que a gente pode tomar uma posição. Ninguém deixará de ser denunciado se tiver prova contra ele. Agora, ninguém será denunciado se não houver provas.

O senhor não vai concluir nada sem ter certeza de onde veio o dinheiro, mesmo que demore?

É decisivo saber de onde vem o dinheiro. Há uma afirmação de que foi um empréstimo [do esquema de Marcos Valério para o PT]. Se eu acreditasse nisso, não tinha razão para fazer mais nada. Eu sempre pus em dúvida isso. Se não houver dinheiro público não haveria razão para se fazer nada. A investigação é exatamente para procurar de onde vem o dinheiro.

Então, a investigação não pára enquanto não se achar a origem?

Exato.

O senhor tem conversado com o presidente Lula sobre o inquérito?

Não. O meu trabalho não depende de conversar com ele. Ele nunca me pediu nada e eu também nunca fui pedir nada a ele.

Como o senhor analisa a possibilidade de vários deputados ligados ao governo perderem seus mandatos? Isso é indício de que houve corrupção em uma parte da base de apoio do governo?

A CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) faz um juízo não necessariamente baseado em provas controversas. Eu só posso fazer uma acusação quando tiver elementos comprovatórios fortes. O fato de alguém não ter sido punido na CPI não quer dizer que ele não possa ser denunciado. E da mesma forma alguém que perca o mandato não necessariamente vai ser denunciado. Não há essa relação necessária.

O senhor frisa bastante que não pode apresentar um resultado das investigações porque não existem provas concretas...

Não, não, não. Não é que não existe. O inquérito está em sigilo ainda. Ninguém deve se preocupar porque ninguém está escondendo nada. Eu principalmente não estou deixando de fazer nada, porque a responsabilidade é minha. Não vou manchar minha biografia para salvar ninguém. E no momento em que o inquérito se tornar público, todo mundo vai poder ver o que foi feito. Acho que poucas vezes se fez um inquérito tão detalhado. Tudo está sendo feito com muito sigilo e o resultado está aparecendo.

Por que a PGR nunca pediu a prisão preventiva de Marcos Valério, mesmo ele tendo destruído supostas provas?

A partir do momento em que há um réu preso os prazos se reduzem sensivelmente. Essa investigação tem uma dimensão que desde o primeiro momento eu sabia que não tinha solução em menos de 10 ou 12 meses. Quer dizer, nessa investigação há uma referência ao Marcos Valério, mas ele não é a única pessoa. Então, você acha que toda essa investigação pode acabar na prisão de uma pessoa? Será que seria razoável isso? (risos). Não seria meio frustrante? Então deixa eu caminhar mais um pouquinho aí para ver todo mundo que está envolvido. Pode ter certeza de que não está havendo risco algum para a investigação o fato de ele não estar preso.

Quantos membros têm a equipe que está trabalhando no inquérito do mensalão?

Tem mais três pessoas. Tudo para não vazar informação. É uma sub-procuradora, um procurador regional, um procurador da República e eu. Se colocar muita gente, não tem jeito, não tem como segurar as informações.

E o sigilo tem sido mantido?

Ninguém sabe de cerca de 80% das informações desse inquérito.

Quando vier o relatório final podemos aguardar surpresas?

Bom ou ruim, vai aparecer o que foi apurado.

O senhor tem um prazo para terminar o inquérito?

Não. Mas eu gostaria muito de terminar em maio ou junho. Mas é interessante para não desviar a atenção, por causa das eleições. Só vai ser feita a denúncia quando concluirmos toda a investigação.

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