Polonaises
A cultura polonesa é íntima a qualquer paranaense. Difícil que não tenha um parente ou um amigo na etnia. Daí a simpatia que a Coração Nativo desperta em qualquer ambiente.O jornalista Ulisses Iarochinski autor do estudo A saga dos polacos figura entre os entusiastas do fenômeno Coração Nativo. A aceitação do público ao tirar fotos com a plaqueta 100% polaco lava a alma do pesquisador, que lançou seu livro em dois bailões animados pela banda. É um refresco: nem sempre tudo correu bem para Iarochinski em sessões de autógrafos. Os descendentes mais velhos rejeitam a troca que ele fez de "polonês" por "polaco".
Se no livro a palavra talvez soe agressivo, no show ganha tom afetivo, tal como nas famílias. "Ninguém fala polonezinho. Fala polaquinho. A música deles se aproxima desse cotidiano", arrisca Ulisses. Essa discussão bizantina, aliás, não deve fazer muito sentido para os mais jovens, que não veem conflito entre misturar estilos, quanto mais em se intitularem "polacos".
O empreendedor
O empresário Otacílio Drutchaiki, 42 anos, foi crooner da Coração Nativo por quase metade da existência da banda. Natural de Inácio Martins, Centro Sul do Paraná, provou pouco do contato com a cultura polonesa. Mas tinha o "jeitão". Sua performance no palco agradava. E ele não tardou em sonhar com a projeção do grupo. Singrou o interior, colônia por colônia, vendendo os CDs. "Ele tem sotaque carregado. Dava ao grupo ares de banda polaca. E inventou o Pierogi com pinhão", elogia o pesquisador Ulisses Iarochinski. A parceria com a banda acabou, a amizade continua. Otacílio agora anda às voltas com os filhos adolescentes, que criaram uma banda de rock. "Minha vida é correr atrás de disco de vinil". Em tempo ele assegura que tem bons rocks na Polônia.
"Meu nome é João Cezar... vou ter de soletrar o resto: JASZCZERSKI", apresenta-se o vendedor de 39 anos, líder da banda curitibana Coração Nativo Polscy Muzykanci, a única no Brasil especializada, claro, em música polonesa. A originalidade não é o único mérito do grupo. São 20 anos de atuação, uma proeza em se tratando de um repertório tão específico. Onze músicos que não faltam ao serviço. Três CDs gravados (Polsky Festywal 1 e 2 e Witamy) e algo como 20 mil cópias vendidas. Público fiel em antigas colônias hoje bairros; cidades da região metropolitana, e redutos eslavos em Santa Catarina e Rio Grande. Em São Mateus do Sul (PR), por exemplo, a banda é presença obrigatória no Baile do Pierogi e no Baile da Rainha Tradycje Polskie.
SLIDESHOW: Veja algumas imagens do Coração Nativo
A conta não é exata, mas a Coração Nativo promove míni Oktober Fests eslavas aqui e ali, sem que nenhuma mídia noticie o feito. Atinge uma média de 30 mil pessoas por ano. Trabalha todos os sábados, com exceção dos que caem na Quaresma, nos quais não saem para tocar nem por decreto. Todos os "nativenses" são católicos o contrário disso é que seria o espanto.
Um fim de semana pode ter festa de casamento no Abranches ou no Santa Cândida, para mais de 500 pessoas; festa para mais de mil em paróquias, ou para mais de 3 mil em algum bailão de Araucária, onde João Cezar Jaszcerski e seus artistas são recebidos com gritos de "toca Sokola", o hit da banda. Caso alguém duvide das cifras, que pelo menos considere que a alma festeira dos poloneses três dias corridos é mundial e sem concorrência.
O alvoroço começa já na chegada da Coração Nativo, quando os músicos aparecem a bordo da Scania Diplomata 1983. A inscrição "movido a vodka", na lataria, não deixa dúvidas. São eles. "O momento antes do show é que a gente mais gosta", contam João e o engenheiro civil Clemerson Belinovski, 34, o Clemer do contrabaixo. No palco, repetem a dose de diversão. Brincam com a plateia. Os mais velhos são brindados com joias do folclore polonês "chegadas aqui nos navios da imigração", como gosta de lembrar Clemer ao falar das polcas imemoriais. A moçada é agradada com fusions das marchas polonesas com o sertanejo e até bordões de arquibancada. "Ah, eu tô maluco" pode virar "ah, eu sou polaco". Agrada. A turma dança. "Tem quem chegue na festa tocando alto nosso CD no carro", festeja Clemer.
É ou não é?
Um dos ápices da apresentação é a distribuição da plaquinha "100% Polaco" entre os convidados. "Nessa hora, a pessoa tem de decidir: é polaco ou não?", contam. Raro quem não aceite o mimo e se deixe fotografar com os dizeres decalcados do santinho de um político de São Bento do Sul (SC). Foi só tirar a cara do candidato e pronto. Até japonês topa um retrato, garantem.
"Não é preciso ser polonês de sangue para se assumir polaco. Basta simpatizar", explica João, por acaso polonês até a medula. Sua casa no bairro Orleans é um festival de cores vivas, uma pequena Cracóvia. A mulher, Rita, dispensa passaporte: nasceu na Colônia Dom Pedro II, em Campo Largo um pedaço da Polônia. Os olhos azuis transparentes de João e a cabeleira loira se encarregam do resto.
Entre os demais músicos, há variações para o tema. "Sou polaco preto", define-se Clemer Belinovski. Emerson Bento e Vinícius Franco "são polacos de mãe", avisam. Wellington Przepiura, Marcus Jacob, Joel Deringue e Fernando Cristopoliski, "pelo menos de pai". E Eduardo Fregonesi, nascido de outras cepas, criou-se em Araucária, o que explica ter sido cooptado: "Mesmo sem ser, é o mais polaco de todos nós", atestam os colegas, lembrando que assim como o japonês do baile, na banda também se pode ser polonês por adesão.
No público, a misturança é mais ou menos a mesma calcula-se haver perto de 900 mil descendentes no estado. Tem quem seja polonês ortodoxo, parente distante, casado com polaquinhas e simpatizantes. Os próprios músicos se surpreenderam com a facilidade com que a plateia se admite "100% polaco", até porque a palavra "polaco" é malvista pelos decanos da comunidade, que a consideram pejorativa. Os guris buscam explicações para o fenômeno.
"Houve um hiato cultural. Esse repertório estava esquecido. Tinha quem gostava, mas esnobava. Trouxemos isso de volta. A discussão sobre ser polaco e ser polonês não atrapalha nosso trabalho", comenta Clemer, referindo-se ao gosto irrestrito por canções como Miala baba koguta ou Beczka piwa. "Acho que as pessoas se encantam com as músicas, em nos ver cantar na língua dos nossos avós. E embarcam na conversa", aposta João.
Gaúchos?
Essa história toda começa no Órleans dos anos 1990, com João e seu irmão Ivan Jaszczerski. Os dois decidiram criar um grupo gauchesco para animar bailinhos do grupo de jovem da Igreja e festa junina. Fizeram "um barulho", lembram, um na bateria, outro no acordeão, acreditem. Com a influência paroquiana da mãe, foram convidados para tocar numa festa da Colônia Cristina, em Araucária. "Mande os piás virem", teria dito o festeiro, sem imaginar que estava lançando a Coração Nativo ao estrelato regional. O resto foi acontecendo inclusive se dar conta de que os veteranos estavam indo para os braços da Virgem de Chestokova, carregando consigo o registro das canções polonesas.
Tinham de se mexer. Inventaram de aprendê-las, primeiro apenas para instrumental, depois com vocal, o que exigiu a contratação de professora de polonês. Mexeram nos arranjos, deixando-os bem elaborados, com sopro e tal. Rara a apresentação que alguém não bata nas costas de um dos músicos e diga: "Vocês têm de se apresentar na Polônia".
Bem que chegaram a sonhar com o retorno glorioso. Há casos de bandas pequenas da França e dos EUA que se profissionalizaram. "Mas nenhum de nós nasceu em berço de ouro", constata Clemer, sobre a difícil equação entre contas a pagar e os cachês nanicos. Deixaram o assunto para lá estão de olho é nos bailes da redondeza, onde são amados. O grupo é um folguedo bom, só isso. Depois da Quaresma, a Coração Nativo estará a bordo de seu velho bus, numa colônia pertinho de você. Bardzo dziekuje (muito obrigado).
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