A exposição Bárbaras Garotas, instalada desde 13 de julho no bar Era Só o Que Faltava, na Água Verde, em Curitiba, corre o risco de não chegar à data do encerramento, em 30 de setembro. A mostra com 11 fotografias manipuladas em computador tem como modelo ninguém menos do que um dos maiores ícones da indústria no século 20, a boneca Barbie, colocada em situações sensuais e homoeróticas. Foi o princípio da confusão. A designer e artista plástica curitibana Karin Schwarz, 32 anos, autora das obras, recebeu na quinta-feira da semana passada uma notificação extrajudicial dos representantes brasileiros da indústria de brinquedos Mattel, com sede na Califórnia, nos Estados Unidos, pedindo que encerre em cinco dias o expediente no bar e retire as imagens do site em que abriga seu trabalho, o karuska.com.br.
A reportagem da Gazeta do Povo não teve acesso ao documento nem à identidade dos advogados. Mas, segundo Karin Schwarz e sua advogada, Silene Hirata, a alegação da Mattel é de que a Barbie é um produto para crianças. A maneira como está retratada na mostra, em tese, estaria ferindo os princípios de proteção à infância. O texto não fala, mas, na opinião do artista, o que teria desagradado não foi o uso da imagem, mas a alusão ao homossexualismo. Silene Hirata, que trabalha para o Grupo Dignidade, ONG voltada para a defesa dos direitos dos gays, lésbicas e simpatizantes, acha que é cedo para interpretar as motivações da empresa.
Para Silene, o momento é de se blindar para que a Mattel, caso entre na Justiça com uma liminar, a partir de amanhã, quando se encerra o prazo que deu a Karin Schwarz, não tenha o direito de confiscar as obras, o que seria muito mais traumático. Outro passo é entender porque a Mattel alegou crime contra direitos autorais, que combate a apropriação indevida de obras de arte, como peças de teatro e romances, áreas em que a Barbie não se aventurou. O caso das Barbies teria mais a ver com a Lei de Patentes e com propriedade intelectual. Como Karin não vende bonecas, nem as falsifica no fundo do quintal, mas faz uso delas para uma atividade criativa, a ação seria tempo perdido.
O advogado Sérgio Said Staut Júnior, 29 anos, especializado em direitos autorais, explica que se trata de um hard case como são chamados os casos em que princípios jurídicos entram em curto-circuito. Tanto a Constituição quanto a Lei de Direitos Autorais reconhecem a liberdade de expressão e a abordagem crítica de obras e produtos que tenham significado para a sociedade. A Barbie ícone da magreza e da beldade, logo passível de ser objeto da arte e do intelecto é o caso. Mas o juiz pode entender que a apropriação extrapolou os limites do aceitável, causando danos à empresa, que faltou pedir autorização aos interessados ou que se trata de um dano moral. "Ele vai ter de aplicar o princípio da razoabilidade", explica.
Staut Júnior não viu as fotografias manipuladas, mas admite estranhar a estratégia adotada para o caso. A Mattel não produz as imagens que Karin faz em seu laboratório. Logo, não é dona das obras. "A artista deu uma outra leitura à boneca, o que descarta apropriação indevida. A preocupação deve ser com possíveis danos patrimoniais à empresa", comenta. O fato de ser um atentado à infância também não procede, pois cabe ao Ministério Público a aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Brigas como a da Barbie pipocam por aí, a exemplo do livro Estrela Solitária, biografia de Garrincha, escrita pelo jornalista Ruy Castro. As cópias foram retiradas das livrarias até que a briga entre o autor e a família do jogador seja resolvida. Outro exemplo é o filme Supersize Me, de Morgan Spurlock, que metralhou as redes de fast-food. Silene Hirata, inclusive, teme que essa discussão se estenda por meses e cause danos financeiros a sua cliente, caso a ação seja julgada de forma conservadora.
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