A realidade do médico está bem distante do clichê estigmatizado de profissional bem-sucedido financeiramente. Segundo boa parte dos médicos ouvidos pela reportagem, o batente pesado só serve para sucatear o atendimento e gerar dados equivocados, como o da pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro, que aponta a Medicina como carreira top, oferecendo salários de R$ 8,9 mil.
Um mar de rosas. Não para veteranos, como o chefe da Obstetrícia do HC, Mauri Piazza, com 40 anos de profissão, mestrado, doutorado, atuação de risco com vítimas da aids e hipertensas e salário de R$ 3,8 mil.
Médicos como Piazza não sabem se choram, riem ou se sacodem diante de cifras que colocam a Medicina no topo, reforçando o estereótipo. Os números da FGV não refletem a realidade, alegam, com quatro pedras nas mãos: uma para o piso da categoria, outra para os convênios, uma terceira para os hospitais do interior e a derradeira para as novas regras da administração hospitalar. De acordo com o Conselho Regional de Medicina (CRM), o piso, em torno de R$ 3,6 mil, pode ser para lá de bom, mas muito difícil de ser regra. Editais de concurso confirmam há valores de tudo o que é natureza, principalmente na faixa dos R$ 2 mil. Os convênios, por sua vez, pagam entre R$ 15 e R$ 50 a consulta, mas com desconto de 27% de imposto. O interior oferece salários entre R$ 5 mil e R$ 9 mil mas, a depender do hospital, é arriscar o próprio pêlo e o dos pacientes. Finalmente, sobra para os centros de saúde, que cada vez mais funcionam como empresas. Produtividade, vigilância, avaliação, resultado e pais filmando o parto! Não há Cristo que resista. A secretária bem que avisou: "O doutor não anda passando muito bem."
Na última década, o hospital deixou de ser lugar só de internamento. Adotou regras de hotelaria e de marketing. A propaganda das instituições quase nunca recai sobre os médicos, mas na parafernália de última geração. "A operadora de saúde ficou entre o médico e o paciente", comenta Élcio Bertolozzi Soares, 61 anos, presidente do CRM.
A medicina encareceu constata o médico José Fernando Macedo, presidente da Associação Médica do Paraná (AMP). "Temos uma profissão humanitária e de repente nos vimos numa roda-viva de finanças. Fomos pegos de surpresa", compara. Segundo Macedo, os reajustes dos convênios não foram repassados e os procedimentos se tornaram onerosos, pulverizando a divisão dos recursos. "A tecnologia melhorou, mas o profissional é calculado como mais um custo", diz.
A nova ordem das coisas talvez explique um dos números estarrecedores da pesquisa do CFM. Até 61,9% dos médicos se sentem inseguros quanto ao futuro da profissão. Entre 45,7% e 48,1% são pessimistas.
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