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Nem o desejo de prazer, nem a vontade de poder: o que move o homem é a busca de um sentido para sua vida. Essa é a ideia central do médico e psiquiatra austríaco Viktor Emil Frankl (1905-1997). Judeu vienense e sobrevivente de campos de concentração nazistas, Frankl desenvolveu a Logoterapia, que busca não reduzir o ser humano a uma ou outra dimensão, mas entendê-lo de forma mais ampla, ressaltando a capacidade de aperfeiçoamento. A psicóloga Izar Xausa conheceu Frankl pessoalmente e foi uma das pioneiras na divulgação de seu trabalho no Brasil. Presidente do Centro Viktor Frankl de Logoterapia, professora universitária e autora de três livros sobre o assunto (um deles ainda não lançado), ela estará em Curitiba no fim desta semana para divulgar o trabalho do psiquiatra austríaco. De Porto Alegre, onde mantém um consultório, ela concedeu a seguinte entrevista, por telefone, à Gazeta do Povo:

O que caracteriza o pensamento de Viktor Frankl sobre o ser humano?

Frankl foi aluno tanto de Freud quanto de Adler. Enquanto o primeiro dizia que tudo se dirige ao princípio do prazer, e o segundo afirmava que é o poder que mobiliza o psiquismo, Frankl contestou ambos. Para ele, esses impulsos realmente existem, mas não explicam a natureza humana. O principal, o que mantém o ser humano, é a busca pelo sentido da vida e por realizar esse sentido. Frankl descobriu isso não apenas nos seus pacientes, mas na própria vida, especialmente durante sua experiência nos campos de concentração. Os prisioneiros que não viam um sentido na vida sucumbiam; os que tinham essa consciência de sentido tinham força para continuar vivos. Não falo apenas daquela esperança de um dia sair daquele inferno, de rever os parentes, até porque lá dentro era impossível saber quando isso aconteceria. Frankl, por exemplo, se dispôs, dentro do campo, a ajudar os outros a encontrar significado para suas vidas. Quando estava sozinho, elaborava o que viriam a ser seus livros e recordava as alegrias vividas ao lado da mulher. Ter um sentido para a vida o manteve firme e psicologicamente sadio.

Mas nem todos passam por si­­tuações extremas que permitam essa tomada de consciência. Como encontrar o sentido da vida no dia a dia?

A própria pessoa deve descobrir qual o sentido para sua vida, ele não pode ser imposto. E são as circunstâncias da vida que ajudam cada um a descobrir qual é esse sentido. Os valores são uma peça fundamental nesse trabalho de descoberta: os valores simples, transcendentais, éticos, estéticos, o amor, é através desses valores que se descobre o sentido da vida. Para cada um esses valores têm uma nuance específica. Infeliz­mente, quando as pessoas não se importam com os valores, acabam caindo em comportamentos que até podem se parecer com uma busca de sentido, mas são apenas sucedâneos.

Que comportamentos seriam esses?

Um exemplo é o hedonismo, a busca desenfreada por prazer. Para outras pessoas, pode ser o consumismo, a tentativa de realização pela posse de bens materiais. Outros ainda se afundam no trabalho pelo trabalho, de forma mecânica, sem ver na atividade profissional um serviço que prestam a si mesmos e à sociedade. As pessoas podem até pensar que o sentido da vida está aí, mas isso não é busca de sentido – é busca de satisfação. E aí estamos num plano inferior. E uma prova de que há diferença entre essas duas buscas é que o hedonista, o consumista, o workaholic pode até experimentar alegrias efêmeras, mas acabam no vazio existencial. Ter um sentido na vida é diferente de ter um objetivo. A noção de sentido é mais ampla e inclui valores éticos. Não basta estudar, trabalhar, sem mobilizar ideais.

Qual a importância do desenvolvimento pessoal no pensamento de Viktor Frankl?

Frankl tinha uma visão completa da pessoa humana. As teorias anteriores falavam em mecanismos psíquicos, que realmente existem, mas reduziam o homem a esses mecanismos, e isso é reduzi-lo a um plano meramente animal. A educação, dentro dessa mentalidade, vira treinamento. O desenvolvimento pessoal é importante dentro do pensamento de Frankl porque ele parte do princípio de que as pessoas podem e devem se aperfeiçoar ao buscar e cumprir o sentido de suas vidas. Ele não queria que as pessoas fossem vistas como máquinas; ele queria ativar nos outros o que eles têm de melhor. Frankl ressaltava a necessidade da dimensão espiritual do ser humano, que não necessariamente significa vivência religiosa: essa dimensão está presente também na arte, na criatividade, na cultura, em tudo que é elevado. Reconhecer essa possibilidade de aperfeiçoamento leva a reconhecer a dignidade do ser humano, do colega, do paciente, da criança, da família. Um exemplo que Frankl admirava era o de Maximiliano Kolbe, um padre polonês que, num campo de concentração, se ofereceu para morrer no lugar de um pai de família. Kolbe acabou canonizado pela Igreja Católica.

Uma vez, Frankl sugeriu que, para fazer par com a Estátua da Liberdade, na costa leste norte-americana, deveria haver uma Estátua da Responsabilidade na costa oeste. Como os conceitos de liberdade e responsabilidade se integram para Frankl?

A liberdade deve gerar responsabilidade. A liberdade envolve uma questão de preposição. Não é uma liberdade de fazer o que vem à cabeça – mas é esse o conceito mais popular hoje, especialmente entre os jovens. Uma liberdade educacional que rejeita as influências e valores da família; uma liberdade sexual que parece não estar trazendo felicidade nem no namoro, nem no casamento; uma liberdade política que transforma a democracia em anarquia e está na raiz de tantos escândalos que vemos hoje. Isso, no fundo, em vez de liberdade é libertinagem. A boa liberdade é a liberdade para obter a realização do sentido da vida. Nesse processo a responsabilidade surge naturalmente. Por isso Frankl fez aquela sugestão aos Estados Unidos, e a repetiu no Brasil. Aqui em Porto Alegre a ideia parou na Câmara Municipal.

A senhora conheceu Frankl pessoalmente. Que memórias tem dele?

Eu convivi com ele no Brasil, quando ele visitou o país a meu convite, e também em Viena, onde passei alguns dias. Além disso, mantive uma correspondência de 10 anos com ele, que ainda pretendo publicar na íntegra. Apesar do pouco tempo, posso dizer que pude conhecê-lo profundamente, e todos os que tiveram contato com ele sabem que, apesar de ser um gênio, um autor importante, Frankl sempre se manteve muito humano e afetivo. Quando ele completou 90 anos, houve uma grande festa em Viena, com convidados do mundo inteiro. Por mais badalação que houvesse em torno da sua pessoa e do aniversário, ele me disse "90 anos não são nada. O que interessa é o que eu faço diariamente." Desde então eu me pergunto todo dia, ao acordar, o que farei com sentido; e, ao dormir, o que fiz com sentido naquele dia. É uma grande lição que aprendi dele.

Serviço:

A doutora Izar Xausa fará uma palestra e dará um seminário em Curitiba. A palestra "A visão de homem na Psicologia moderna: de Freud a Frankl" ocorre hoje, às 18h30, no Prédio Histórico da UFPR (Praça Santos Andrade), 2º andar, sala 207. A entrada é franca e não é preciso fazer inscrição. O seminário "O sentido dos sonhos na terapia de Viktor Frankl" dura dois dias (amanhã e sábado), das 8 às 18 horas, e custa R$ 150 para profissionais e R$ 100 para estudantes. Informações e inscrições pelo telefone (41) 3223-9101.

Leia mais:

Associação de Logoterapia Viktor Emil Frank: www.logoterapiaonline.com.br.

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