Operações
A corrupção policial nas estradas do Oeste paranaense é recorrente. Foz do Iguaçu, por exemplo, já foi palco de diversas ações na qual a polícia prendeu polícia:
12 mar 2003 A Operação Sucuri prende 23 policiais federais, três fiscais da Receita Federal e dois policiais rodoviários federais sob acusação de receber propina para liberar a passagem de carros com contrabando na Ponte da Amizade. Outros nove contrabandistas também foram detidos. Os policiais foram condenados pela Justiça, mas recorreram. Hoje, exercem funções administrativas.
9 dez 2003 A Operação Trânsito Livre detém 38 agentes da Polícia Rodoviária Federal, um policial federal, um policial civil e outras dez pessoas. Os servidores recebiam dinheiro para liberar da fiscalização ônibus que carregavam mercadorias contrabandeadas do Paraguai. As prisões foram feitas por cerca de 200 policiais federais que chegaram a Foz do Iguaçu na noite anterior em um avião Hercules.
16 abril 2010 A Operação Desvio, desencadeada pelo Gaeco, resulta na prisão de 28 pessoas, incluindo 13 policiais civis e um guarda municipal.
7 jun 2011 Dois policiais rodoviários estaduais são presos no Paraná na Operação Loki por suspeita de receber dinheiro para facilitar a passagem de veículos contrabandeados na Região Sudoeste. Outros cinco agentes são detidos em Santa Catarina.
Opinião
Baixo salário não justifica corrupção policial
Luís Antonio Fancisco de Souza, coordenador do Observatório de Segurança Pública da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp)
A corrupção é um problema crônico no Brasil em várias instituições. Embora haja até um anedotário em torno da corruptibilidade do policial em razão dos baixos salários, não creio que esta seja uma explicação satisfatória. Em geral, a corrupção ocorre pela certeza da impunidade. Manifesta-se em instituições que têm tradição em não responsabilizar seus funcionários por este tipo de comportamento, o que provoca uma espécie de cultura da corrupção. Sem culpabilização e com a aceitabilidade tácita deste tipo de comportamento, tudo isto aliado à vulnerabilidade das vítimas - que não denunciam em razão de estarem já na ilegalidade - temos este quadro danoso. O problema é que a corrupção forma um círculo vicioso do crime que se alimenta do crime.
O combate à corrupção deve ser feito em várias frentes: jurídica, política, social, institucional e cultural. Jurídica no sentido de que os aparelhos policiais têm que criar e fortalecer as corregedorias e ouvidorias. O Ministério Público e o poder Judiciário precisam ser efetivos na persecução criminal dos responsáveis.
Na esfera política porque não é necessário apenas leis mais duras contra a corrupção. A classe política precisa dar o bom exemplo - infelizmente estamos longe disto no Brasil.
Na frente social em razão da necessidade de mostrar os custos sociais da corrupção e sobretudo porque a corrupção é mão de muitos outros vícios.
A corrupção também precisa ser combatida institucionalmente porque é preciso criar mecanismos que estimulem o bom comportamento e responsabilizem as faltas. Nem sempre as nossas instituições fazem isto, certo?
É necessário combater a corrupção no âmbito cultural. Neste aspecto, é preciso aumentar a consciência do problema e dar um basta à cultura do jeitinho brasileiro que se acomoda a estes tipos de comportamentos e os normaliza. Ou seja, a tarefa não é fácil, sobretudo porque quem se corrompe é exatamente quem precisa aplicar a lei e as instituições de aplicação da lei são as mais corruptíveis.
Foz do Iguaçu - Rota do transporte de mercadorias do Paraguai, as estradas do Oeste do Paraná tornaram-se chamariz para a corrupção policial. Nos últimos oito anos, a região foi palco da maior parte das prisões de agentes envolvidos com o crime de contrabando e descaminho no estado. Somadas, as detenções de policiais federais, rodoviários federais, civis, militares e guardas municipais, desde 2003, passam de 150. Isso equivale a dizer que a cada 20 dias um policial é preso no estado em investigações de contrabando.
Na maior parte das situações, os policiais, pagos para evitar a entrada de mercadorias ilegais no país, foram surpreendidos ao receber dinheiro para fazer o contrário. Eles liberavam carros de passeio e ônibus com produtos que entraram no Brasil sem o pagamento do imposto devido crime de descaminho ou carregados de mercadorias com entrada proibida no Brasil, o que caracteriza contrabando, como é o caso do cigarro.
Na Polícia Federal (PF) foram 28 agentes presos no estado por envolvimento com os crimes de contrabando e descaminho. Destes, 23 em uma só ação, a Operação Sucuri, há oito anos, em Foz do Iguaçu. Na Polícia Rodoviária Federal (PRF), esse número chega a cinco nos últimos cinco anos. Mas, em 2003, um grupo de 38 agentes da corporação foi detido na Operação Trânsito Livre, também em Foz. Eles foram acusados de receber propina para liberar ônibus de sacoleiros que transitavam pela BR-277 (leia box nesta página).
Na esfera estadual, a maior parte das ações é feita pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público. Desde que começou a atuar, em 2003, o Gaeco já processou e prendeu cerca de 170 policiais militares, civis e guardas municipais na região de Foz do Iguaçu. Pelo menos 85 deles estavam envolvidos em casos de contrabando.
Cenário favorável
As infrações envolvendo policiais na Região Oeste ocorrem em um cenário que predispõe a atividade ilícita. Conforme a Receita Federal (RF), hoje um carro de passeio é apreendido com uma média de R$ 15 mil em mercadorias contrabandeadas, embora possa levar uma quantidade maior em valores, conforme o tipo de produto. Um ônibus fretado transporta de R$ 50 mil a R$ 200 mil.
Os contrabandistas não atuam na fronteira com cargas inferiores a R$ 10 mil. Por isso, para não perder as mercadorias, sai muito mais barato pagar propina aos policiais, diz Rudi Rigo Burkle, promotor do Gaeco.
Com base nas investigações e prisões feitas pelo Gaeco na região de Foz, o envolvimento dos policiais com o crime ocorre de duas formas. Eles recebem dinheiro para liberar as cargas ou ficam com parte da mercadoria.
Burkle diz que muitas vezes quem está fazendo o transporte da mercadoria não é o proprietário, mas sim um "laranja" a pessoa contratada para fazer o serviço. Em certas ocasiões o laranja não dispõe de dinheiro, por isso cede parte da mercadoria aos policiais para evitar a apreensão total dos produtos.
A outra modalidade de corrupção, a mais comum, envolve pagamentos semanais ou mensais feitos pelos contrabandistas aos policiais em determinados pontos de estradas rurais, usadas como rota de desvio de alguns postos de fiscalização policial na BR-277.
Esse foi um dos esquemas desmontados durante a Operação Desvio, em abril de 2010. A ação resultou na prisão de 30 pessoas, incluindo 13 policiais civis e um guarda municipal.
A facilidade de praticar atos ilícitos na fronteira causa cobiça entre os servidores. Segundo o Gaeco, um dos policiais presos na Operação Desvio pagava outro servidor para substitui-lo na escala de serviço de outra cidade paranaense, onde estava lotado para poder vir a Foz do Iguaçu participar do esquema de corrupção.
Dificuldade para obter provas contra a polícia
Os processos contra policiais corruptos esbarram na dificuldade de colher provas e depoimentos que os incriminem. "Se ficar só na palavra dos contrabandistas envolvidos, você não consegue condenar. É preciso buscar outros elementos porque as pessoas voltam atrás nos depoimentos", diz o promotor do Gaeco Rudi Rigo Burkle. Os criminosos relutam em denunciar os policiais porque sofrem represálias mais tarde e porque podem agravar a própria situação, sendo processados por corromper os agentes de segurança. Outro complicador é a Lei 12.403, que em breve entrará em vigor e dificultará as prisões. Pela lei, qualquer crime cuja pena máxima seja de quatro anos passa a ser passível de fiança na delegacia, como é o caso do contrabando.
Mesmo diante do combate ostensivo à corrupção, há casos de reincidência. Em Foz do Iguaçu, um mesmo policial já foi detido em mais de três operações do Gaeco. Isso ocorre porque a maior parte dos policiais presos acaba voltando ao trabalho. Segundo os promotores do Gaeco, todas as medidas preliminares à condenação são de difícil manutenção em razão do princípio da presunção da inocência. Normalmente, o servidor é afastado e transferido para o trabalho administrativo interno. A situação perdura por tempo limitado e o policial acaba voltando para a rua em razão do déficit existente nas corporações.
Para o coronel da reserva e ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo, Rui César Melo, é preciso estabelecer medidas práticas para evitar a corrupção. Ele defende a realização de rodízios para o policial não ficar mais de dois anos na mesma função. "Um policial que trabalha nessa área de fronteira não deveria ficar mais que dois anos em um serviço como este", diz.
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