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Fronteira

A cada 20 dias, um policial é preso por contrabando no PR

Barco com cigarro contrabandeado apreendido em Santa Helena, na Costa Oeste: pagamento de propina seduz policiais no estado | Christian Rizzi/ Gazeta do Povo
Barco com cigarro contrabandeado apreendido em Santa Helena, na Costa Oeste: pagamento de propina seduz policiais no estado (Foto: Christian Rizzi/ Gazeta do Povo)

Foz do Iguaçu - Rota do transporte de mercadorias do Paraguai, as estradas do Oeste do Paraná tornaram-se chamariz para a corrupção policial. Nos últimos oito anos, a região foi palco da maior parte das prisões de agentes envolvidos com o crime de contrabando e descaminho no estado. Somadas, as detenções de policiais federais, rodoviários federais, civis, militares e guardas municipais, desde 2003, passam de 150. Isso equivale a dizer que a cada 20 dias um policial é preso no estado em investigações de contrabando.

Na maior parte das situações, os policiais, pagos para evitar a entrada de mercadorias ilegais no país, foram surpreendidos ao receber dinheiro para fazer o contrário. Eles liberavam carros de passeio e ônibus com produtos que entraram no Brasil sem o pagamento do imposto devido – crime de descaminho – ou carregados de mercadorias com entrada proibida no Brasil, o que caracteriza contrabando, como é o caso do cigarro.

Na Polícia Federal (PF) foram 28 agentes presos no estado por envolvimento com os crimes de contrabando e descaminho. Destes, 23 em uma só ação, a Operação Sucuri, há oito anos, em Foz do Iguaçu. Na Polícia Rodoviária Federal (PRF), esse número chega a cinco nos últimos cinco anos. Mas, em 2003, um grupo de 38 agentes da corporação foi detido na Operação Trânsito Livre, também em Foz. Eles foram acusados de receber propina para liberar ônibus de sacoleiros que transitavam pela BR-277 (leia box nesta página).

Na esfera estadual, a maior parte das ações é feita pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público. Desde que começou a atuar, em 2003, o Gaeco já processou e prendeu cerca de 170 policiais militares, civis e guardas municipais na região de Foz do Iguaçu. Pelo menos 85 deles estavam envolvidos em casos de contrabando.

Cenário favorável

As infrações envolvendo policiais na Região Oeste ocorrem em um cenário que predispõe a atividade ilícita. Conforme a Receita Federal (RF), hoje um carro de passeio é apreendido com uma média de R$ 15 mil em mercadorias contrabandeadas, embora possa levar uma quantidade maior em valores, conforme o tipo de produto. Um ônibus fretado transporta de R$ 50 mil a R$ 200 mil.

Os contrabandistas não atuam na fronteira com cargas inferiores a R$ 10 mil. Por isso, para não perder as mercadorias, sai muito mais barato pagar propina aos policiais, diz Rudi Rigo Burkle, promotor do Gaeco.

Com base nas investigações e prisões feitas pelo Gaeco na região de Foz, o envolvimento dos policiais com o crime ocorre de duas formas. Eles recebem dinheiro para liberar as cargas ou ficam com parte da mercadoria.

Burkle diz que muitas vezes quem está fazendo o transporte da mercadoria não é o proprietário, mas sim um "laranja" – a pessoa contratada para fazer o serviço. Em certas ocasiões o laranja não dispõe de dinheiro, por isso cede parte da mercadoria aos policiais para evitar a apreensão total dos produtos.

A outra modalidade de corrupção, a mais comum, envolve pagamentos semanais ou mensais feitos pelos contrabandistas aos policiais em determinados pontos de estradas rurais, usadas como rota de desvio de alguns postos de fiscalização policial na BR-277.

Esse foi um dos esquemas desmontados durante a Operação Desvio, em abril de 2010. A ação resultou na prisão de 30 pessoas, incluindo 13 policiais civis e um guarda municipal.

A facilidade de praticar atos ilícitos na fronteira causa cobiça entre os servidores. Segundo o Gaeco, um dos policiais presos na Operação Desvio pagava outro servidor para substitui-lo na escala de serviço de outra cidade paranaense, onde estava lotado para poder vir a Foz do Iguaçu participar do esquema de corrupção.

Dificuldade para obter provas contra a polícia

Os processos contra policiais corruptos esbarram na dificuldade de colher provas e depoimentos que os incriminem. "Se ficar só na palavra dos contrabandistas envolvidos, você não consegue condenar. É preciso buscar outros elementos porque as pessoas voltam atrás nos depoimentos", diz o promotor do Gaeco Rudi Rigo Burkle. Os criminosos relutam em denunciar os policiais porque sofrem represálias mais tarde e porque podem agravar a própria situação, sendo processados por corromper os agentes de segurança. Outro complicador é a Lei 12.403, que em breve entrará em vigor e dificultará as prisões. Pela lei, qualquer crime cuja pena máxima seja de quatro anos passa a ser passível de fiança na delegacia, como é o caso do contrabando.

Mesmo diante do combate ostensivo à corrupção, há casos de reincidência. Em Foz do Iguaçu, um mesmo policial já foi detido em mais de três operações do Gaeco. Isso ocorre porque a maior parte dos policiais presos acaba voltando ao trabalho. Segundo os promotores do Gaeco, todas as medidas preliminares à condenação são de difícil manutenção em razão do princípio da presunção da inocência. Normalmente, o servidor é afastado e transferido para o trabalho administrativo interno. A situação perdura por tempo limitado e o policial acaba voltando para a rua em razão do déficit existente nas corporações.

Para o coronel da reserva e ex-comandante da Polícia Militar de São Paulo, Rui César Melo, é preciso estabelecer medidas práticas para evitar a corrupção. Ele defende a realização de rodízios para o policial não ficar mais de dois anos na mesma função. "Um policial que trabalha nessa área de fronteira não deveria ficar mais que dois anos em um serviço como este", diz.

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