Reza o senso comum que ninguém é insubstituível – mas a frase não se aplica ao fotógrafo, jornalista e colecionar Cid Destefani, morto neste sábado (12), aos 79 anos, em decorrência de um câncer. O titular da página “Nostalgia”, publicada pela Gazeta do Povo desde 1989, acumulava não só um acervo qualificado como espetacular – somando mais de 500 mil imagens. Ele arquivava pequenas e grandes histórias da cidade onde nasceu e viveu. De cor e salteado.
É tão surpreendente quanto frustrante. Se seu acervo de fotos permanece – nas fileiras de arquivos de ferro de sua propriedade – o mesmo não se pode dizer das infinitas crônicas e passagens urbanas que ele sabia de memória e com firulas. Era surpreendente. Cid Destefani se mostrava obcecado pela precisão – resultado de suas décadas de trabalho em jornais –, diferenciando-se da maioria dos historiadores amadores – ou apaixonados, como se diz – dados a mitificações e, no popular, a “chutes” e gabolices.
Na hora da despedida, amigos e parentes destacaram duas qualidades de Cid – a de salvador de milhares de imagens, que, não fosse ele, poderiam ter ido para o lixo; e a de contador de histórias capaz de unir sedução e confiabilidade numa mesma narrativa. Esse talento ficou expresso nas mais de mil edições da página “Nostalgia” e no livro Cruz do Alemão (1993), no qual narrou a trágica construção da Catedral Metropolitana.
O colecionador foi sepultado neste sábado, no final da tarde, no Cemitério São Francisco de Paula, o Municipal. Os filhos Andréa, Rodrigo, Adriane e Lia Márcia o revestiram com as comendas que recebeu – do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (medalha Romário Martins), do Museu do Expedicionário (medalha Max Wolf) e do Exército (medalha de colaborador em estudos), entre outras, sinais do reconhecimento por seu trabalho único – e que não encontrará substitutos na mesma escala. Rodrigo trouxe em mãos um trecho do livro de memórias que o pai escreveu – ainda inédito. Intitulado “Continência ruidosa” o capítulo rememora a passagem de infância em que Cid ganhou um ovo de Páscoa do governador Manoel Ribas.
O publicitário, jornalista e empresário Luiz Renato Ribas teve o privilégio te assistir ao nascimento do Cid documentador. Na década de 1960, Destefani colaborou com um dos marcos da imprensa local, a revista de bolso TV Programas, editada por Ribas. “Nós nos demos bem desde o início. Não liguei para os palavrões que ele gostava de dizer e pronto”, brinca Ribas, ao lembrar do originalíssimo colega. À época, percebeu que tinha sanha de historiador e se tornou um dos muitos “socorristas” anônimos que, ao saberem de fotos ameaçadas, enviavam para ele. Estariam bem guardadas. “Eu enchia a caixa postal dele”.
Assim como Ribas, o jornalista Paulo de Tarso Camargo conheceu Destefani na década de 1960 – num período breve em que ambos trabalhavam na Gazeta do Povo. Cid seguiu sua carreira solo. Tarso permaneceu no Grupo RPC até a década de 1980, sem perder o contato com o Cid dado a guardar fotografias. Oriundo de família tradicional – os Taborda Ribas – Paulo não deixava de reivindicar que as fotos dos seus fossem deixadas em confiança com Cid. “Uma tia minha que morava na Praça Osório tinha duas caixas de imagens no sótão. Pedi que fizesse uma seleção e repassasse para ele. Outra vez, soube de um antigo estúdio em vias de ser desativado, na Saldanha Marinho. Avisei-o”. O resgate foi feito – como era de se esperar.
Paulo lembra de uma característica do amigo – cobrava as promessas cumpridas. “Se eu dissesse que tinha numa foto para dar, tinha de comparecer”, conta. Não foi a única contribuição para a obra do colecionador. Graças a Paulo de Tarso, formou-se uma das mais belas histórias de amizade da capital – foi ele quem apresentou o ambientalista e montanhista Henrique Paulo Schmidlin, o Vitamina, a Cid Destefani. De temperamentos opostos, cruzaram meio século em absoluta harmonia. Pouco dado a rapapés, o único que se atrevia a dar feliz aniversário ao casmurro Cid era o “Vita”. Tinham em comum a fotografia – um hobby de Vitamina, que mantinha um laboratório em casa, coisa rara nos anos 1960, e Cid – que fez do resgate fotográfico um estilo de vida. O resto da tarefa completou com curiosidade.
É uma das virtudes mais lembradas do bravo Destefani. O prefeito Gustavo Fruet conheceu o fotógrafo por intermédio do pai, o político Maurício Fruet, repórter, na mocidade, em jornais como o Diário da Tarde e Última Hora. Gustavo recorda de ver Cid a postos, numa das mesas da antiga Churrascaria Parque Cruzeiro, na Avenida Batel. O local foi um dos espaços da boemia em tempos idos – e tanto Fruet pai quanto Cid batiam ponto lá. O prefeito aposta que muito do que nos foi contado nas páginas da seção Nostalgia foi ouvido por Destefani ali, na Cruzeiro. A rua e a fala das pessoas foram seu primeiro laboratório fotográfico.