Entre 1962 e 1967, algum forasteiro que abrisse os jornais da capital paranaense haveria de se impressionar com os achincalhes dedicados ao prefeito à época o engenheiro civil Ivo Arzua Pereira. Suas obras de alargamento da Rua Marechal Deodoro eram chamadas, sem pudores, de "As ruínas de Pompeia". E as tentativas de aplacar a fúria do Rio Ivo, tratadas com desdém a cada novo alagamento no Centro da cidade.
Pois para o horror dos ambientalistas de hoje, no "Ivo contra Ivo", o rio "entrou pelo cano", como se dizia. Venceu o Arzua. Trata-se de um caso típico de gestor público que enfrentou os humores da oposição, mas que caiu em graças ao fim do mandato, de uma vez para sempre. Findadas as dores de cabeça com o alargamento das "marechais" e com a agonia do rio, Arzua se tornou uma espécie de "eterno prefeito de Curitiba", título informal que honrou até as 19 horas de domingo último, quando morreu vítima de enfarte, aos 87 anos.
Sua "prefeitura" tinha até sede, em um prédio da Rua Visconde do Rio Branco, na qual atendia a quem o procurava. Passados 50 anos de sua gestão, mantinha impecáveis pastas de plástico com recortes de jornal e até um pequeno mapa da Vila Nossa Senhora da Luz a primeira Cohab do Paraná, outro feito polêmico de sua gestão. Era homem cordato, cativante, que lembrava aqueles inocentes veteranos do cinema americano. Dono de irresistível autoconfiança, tinha solução para tudo, do congestionamento à política de habitação.
Ao encanto pessoal, Arzua somou uma boa dose de sorte, tão necessária aos políticos, como frisa o cientista social Ricardo Oliveira, da UFPR. Na década de 1960, integrou o grupo de tecnocratas amealhados pelo governador Ney Braga. Há um Paraná antes e depois deles. Ligados ao Partido Democrata Cristão, o PDC, trouxeram para a administração pública a ideia de planejamento, então rara qual discos voadores. Tinham um olho na Europa, onde ideólogos mais ao centro, como o padre Debret, ofereciam soluções para acelerar o desenvolvimento mundial no pós-Guerra.
Prefeito aos 37 anos
Nas táticas políticas, a turma do Ney Braga também era arrojada. Fazia campanha política de porta em porta, em uma Curitiba de 350 mil habitantes e inchando graças às contínuas crises nas lavouras de café. Bolava slogans. Fazia plebiscitos populares, lançando mão das técnicas comuns à Ação Católica, como o "ver, julgar, agir". Foi assim que Ney chegou ao governo e que Ivo Arzua ganhou a prefeitura, aos 37 anos, com 45% dos votos válidos, logo iniciando o "bota abaixo" nos cortiços do Centro.
Mesmo dado a ouvir a população, uma raridade, não agradou. Matracas e os trombones reclamavam da balbúrdia. Rinites foram atacadas pelo pó das obras. "Criticado por sua administração, ele abriu diálogo e trabalhou com um sujeito do quilate do arquiteto Jorge Wilheim, a quem a cidade ainda deve justiça", lembra o arquiteto Key Imaguire, da UFPR. "Éramos alunos de Arquitetura e se questionava a gestão dele. Mas ele reagiu bem. Criou o órgão de urbanismo que se transformaria no Ippuc", lembra o arquiteto Manoel Coelho.
Pai das inovações
A gestão Ivo Arzua teve tamanho impacto que, anos depois, reconhecida, passou a ser apontada como legítima criadora das inovações que marcaram os anos Lerner, na década de 1970. Sim, o primeiro calçadão saiu na gestão Arzua: duas quadras da Travessa Oliveira Bello. Mas é de consenso que o grande feito do engenheiro apadrinhado por Ney Braga foi ter sido uma espécie de papa João XXIII da prefeitura. Sem que se esperasse uma revolução, soube conviver com as pessoas certas, como Wilheim, autor do plano diretor de 1965.
"O primeiro plano diretor do Arzua era uma insanidade. Previa um viaduto, um minhocão cruzando a Tiradentes, próprio da cultura engenheirística da qual saíra. Mas ele teve o mérito de deixar o caipirismo e procurar um projeto menos pobre para a cidade. Acho que ele aprendeu a ser prefeito na marra", arrisca o historiador e arquiteto Irã Dudeque.
Infelizmente, ao se tornar ministro da Agricultura, em 1967, Arzua assinou o AI-5, um ano depois. "Foi sua cota de azar. O grupo a que estava ligado, afinal, se ocupava de criar instituições de debate público e considerava que o Estado devia promover a transformação social", analisa Ricardo Oliveira. O episódio o marcou de tal forma que, acredita-se, foi o que o lançou ao ostracismo político. Mas só no mundo partidário. No afeto popular, manteve-se a postos. Antes de Ivo Arzua, o cargo de prefeito era algo insignificante. Depois dele, estar na principal cadeira de Curitiba virou um símbolo e para sempre será o trono de Ivo.
Deixa viúva Helena e quatro filhos.
De 1962 a 1967, Ivo Arzua mexeu com a rotina da cidade. Teve reconhecimento póstumo
Os anos Arzua