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Curitiba – A lista de "bagrinhos" punidos na política nacional é extensa. Dos exemplos mais recentes, como dos 46 presos no caso de superfaturamento da venda de ambulâncias pelos deputados, aos mais antigos, como o do economista e assessor José Carlos dos Alves dos Santos, detido em 1993 por envolvimento no caso dos "Anões do Orçamento", os "pistolões" tendem a sair impunes das irregularidades mais escabrosas, protegidos sob o manto sagrado do "foro privilegiado" e de um sistema judiciário há muito engessado pelo acúmulo de processos.

Entra e sai governo e a história se repete. Não é preciso ser muito esperto para descobrir porque isso acontece. O poder econômico e político tem o peso definitivo na balança. Enquanto não houver uma fiscalização consistente e mecanismos de punição severa que atinjam o primeiro escalão, restará ao cidadão sofrer as conseqüências dos desvios cada vez maiores de verbas públicas.

"Veja o caso das ambulâncias. O ministro da saúde deveria ser responsabilizado e, dependendo da investigação, até perder o cargo", diz Cláudio Abramo, da Transparência Brasil. "Mesmo que ele afirme desconhecer o caso, problema é dele. Ocorreu sob o seu guarda-chuva e deve responder por isso. Se a investigação da corrupção ocorresse assim, muita coisa se resolveria", continua. Na visão de Abramo, troca-se o curativo, mas a ferida continua. E o problema não é a legislação. "A Constituição está aí, com algumas falhas, mas com muito mais pontos positivos. O problema é que eles ficam apenas no papel", lamenta.

Eleições

O empresário Oded Grajew, do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, relata uma experiência interessante. Em outubro do ano passado participou de uma mesa-redonda com cientistas políticos no Congresso Nacional sobre Ética ao mesmo tempo que José Dirceu, ex-homem forte de Lula, tentava se explicar no Conselho de Ética da Casa – um dos poucos "pistolões" punidos na história. "Seria cômico se não fosse trágico", lembra.

Oded afirma ter falado na época que o combate ao poder "messiânico" dos pistolões deve começar na campanha eleitoral. "Os conchavos se formam nesse período com o financiamento de campanha e a estrutura de facilidades no Estado que permitem, só no Executivo, a contratação de mais de 22 mil cargos de confiança, sem falar em licitações e outras transações. Quem dá mais dinheiro, elege quem está no primeiro escalão e dita as regras. É urgente impor limites ao financiamento de campanha", diz.

Para o empresário, para acabar com a corrupção onde ela começa, é urgente implementar a reforma política. "As soluções já existem há muito tempo. O que falta é aplicar, mas os deputados que estão aí tendem a não prejudicar seus próprios interesses. Se a reforma ocorrer, 90% dos que estão no Congresso Nacional não se reelegem. E alguns ficam tentando fingir que fazem alguma coisa, como quem quer acabar com um câncer com analgésico", denuncia.

O julgamento dos figurões demora mais do que reza o espírito da Constituição de 1988. Embora se pulem etapas – quem tem foro privilegiado é julgado no Supremo Tribunal Federal –, o processo dura mais porque o Judiciário está sobrecarregado. "É um acúmulo de tarefas que inviabilizam o trabalho, com assuntos que poderiam muito bem ser resolvidos em outras instâncias e aí as causas se eternizam", reclama o procurador Nicolao Dino, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República. "E o processo chega na prescrição, que é o coroamento da impunidade, estamos atrasados um século em reforma no Judiciário", lamenta.

Mas os obstáculos não acabam apenas na necessidade de mudanças no sistema judiciário. Há outras circunstâncias que protegem os pistolões. "Uma delas é o fato de esse pessoal ter dinheiro para pagar um bom advogado, o que nem sempre ocorre com os seus assessores. E eles não têm apenas a proteção financeira, mas a proteção dos organismos de Estado, um jogo que dificulta muito o trabalho. Que dizer de uma Polícia, como fez a de São Paulo, que sonega informações ao MP ao dizer que não sabe os nomes das pessoas que morreram na onda de violências da semana passada?", questiona Abramo.

Outra dificuldade é a colheita de provas. "Como essas pessoas detém o poder político e econômico, as testemunhas sentem um constrangimento muito grande ao depor. É difícil que alguém queira falar contra um agente político de primeiro escalão porque as pessoas ficam atemorizadas com a importância da autoridade que elas estão denunciando", afirma Aírton Florentino de Barros, presidente do Movimento de Ministério Público Democrático. "E como a corrupção envolve as instituições públicas, há uma tendência a colocar empecilhos no prosseguimento das investigações", continua.

O procurador Nicolao lembra ainda o perigo da aprovação de uma medida no STF que pode livrar mais de 10 mil acusados de desvio de dinheiro público. Tramita no Tribunal o fim da possibilidade de criar uma ação de improbidade administrativa contra políticos, mecanismo que tem por objetivo conseguir de acusados o ressarcimento do dinheiro retirado de forma ilícita dos cofres públicos. "Se houver a aprovação dessa lei, teremos um golpe de morte no espírito de moralização defendido na Constituição de 88. Mais uma vez, os únicos que poderão ser processados serão apenas servidores de escalão inferior", diz.

Acabar com o "show"

Fora o Judiciário, os agentes políticos são julgados nas famosas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI), que teriam poderes para combater a corrupção, mas cedem a interesses escusos. São importantes, mas têm sido usadas como uma plataforma para conquistar votos.

"É preciso terminar com o show e investigar de verdade. E para isso, falta vontade política, é preciso votar bem. A dificuldade nessas comissões decorre de um certo espírito de corporativismo que absolve a conduta ilícita do agente político. É verdade que esse procedimento não está vinculado necessariamente ao judiciário, mas uma absolvição no Congresso não deixa de ser uma declaração pública que atrapalha", analisa Florentino de Barros.

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