Quem apostou que o Museu da Escola não ia vingar merece o corretivo de uma palmatória. O projeto anunciado em 2012 pela Secretaria de Estado de Educação (Seed), desafiou os céticos e saltou da gaveta para o papel: foi oficializado em maio de 2013. Há um ano, numa manobra bem mais difícil, ganhou uma sede. Não uma sede qualquer, mas a antiga Delegacia de Narcóticos, na Rua Bispo Dom José, 2006, da qual era inquilina.
Entre 1906 e 1927, o local – uma requintada construção neoclássica – abrigou o Grupo Escolar Cruz Machado, um dos primeiros da cidade, criado para atender operários de fábricas da região. Nos anos 1930, virou repartição e depois delegacia. O subsolo, onde os curitibanos do início do século passado corriam de avental alvejado no anil, virou um labirinto de celas insalubres. Uma delas, a “solitária”, é diminuta como um armário de solteiro. Inscrições na parede ainda registram os desejos – e desesperos – dos presos. Devem ser preservadas ao espaço museológico.
Quase pronto
Os entusiastas do projeto Museu da Escola fizeram figas, rezas, correntes de pensamento positivo e tudo mais para a Polícia Civil aceitar se mudar dali – as negociações começaram em 2007. Tiveram sorte. O delegado Sérgio Cirino se alistava entre os que achavam que o prédio todo branco, pequenino, mas solene, com suas duas altas colunas gregas no frontão – tinha de voltar às origens. Deu força para o repasse sair. Hoje figura entre os padrinhos informais do projeto.
Restava o museu funcionar de fato – e funcionar em tempos de crise, quando tudo que parece “gordura” é deletado do orçamento. A secretaria não fala em cifras – na época do lançamento do projeto, estimava-se que seriam necessários R$ 7 milhões. Não há verba dessa monta, mas tudo indica que a turma do Museu da Escola decidiu ir a campo com o que tem: equipe técnica formada, um endereço inspirador e um conceito moderno de museologia.
Com uma mão de tinta, o antigo Grupo Escola Cruz Machado poderá receber exposições. Está em boa forma para seus 109 anos, mesmo que em parte deles tenha servido de cárcere provisório para traficantes de drogas. É lugar gracioso – herança do tempo em que tinha duas salas de aula [uma para meninas e outra para meninos], uma varanda e um hall. Se os “deuses da educação continuarem abençoando o projeto” – como dizem os envolvidos, breve o local há de receber interessados em ver um globo dos tempos em que existia a URSS ou uma saia plissada de uniforme dos anos 1950. Some-se a possibilidade de reunir ali o mobiliário de época – pianos, chapeleiras de imbuia e carteiras de pinheiro-do-paraná. As escolas, tão pobrezinhas, gozaram desses luxos.
Mostrar a escola em que as vovós escreveram ditados não é, contudo, a função primeira do museu. A equipe está ali para assessorar os colégios estaduais na tarefa de cuidar de seus próprios acervos. Eis a novidade.
Depoimentos
O governo mantém 2.139 escolas. Dessas, 562 têm mais de 50 anos de atividades, marca que as candidata a formar seus próprios centros de memória. Cabe à turma do museu auxiliar na tarefa, dando dicas para tombar os acervos de fotografias antigas, chegando às noções elementares de história oral. A possibilidade de recolher o depoimento de professores, alunos e funcionários criou expectativas nas escolas. E tirou muitos diretores da defensiva. “Eles temiam que a gente entrasse no colégio e trouxesse o material para a sede”, conta a historiadora Maria Helena Pupo Silveira, uma das idealizadoras e coordenadoras do museu.
Um projeto-piloto de centro de memória escolar está em andamento no Colégio Estadual do Paraná. Foi uma escolha natural. Mesmo antes do Museu da Escola, o “Estadual” mantinha uma sala de documentação. Uma pesquisadora salvava do mofo e do esquecimento o acervo que figura, com folga, como o mais rico e interessante de todo o estado (leia nesta página). Outras 13 escolas veteranas – espécie de “núcleo duro” do programa – também foram visitadas pelos técnicos. Iniciaram seus trabalhos. “Há uma organização intuitiva em muitas instituições. É da natureza da educação preservar”, observa Maria Helena, ao citar como o exemplo o Colégio Estadual Regente Feijó, em Ponta Grossa, nos Campos Gerais, e o “Gastão Vidigal”, em Maringá, no Norte Novo.
A parte mais cuidada costuma ser a das fotografias, não raro salvas por uma funcionária diletante, sensível à documentação. Há quem tenha levado o material para casa, em tempos idos, temendo que algum diretor em fúria pusesse tudo a perder. Segundo a equipe da Secretaria de Educação, assim que o museu foi anunciado, muitos documentos começaram a voltar das catacumbas. Há também iniciativas inesperadas, como a da escola do Assentamento Contestado, na Lapa: a comunidade escolar trabalha pela recuperação de uma casa do século 17, sob sua custódia.
“Não passa dia sem surpresa”, dizem, em acordo, Fátima de Castro e Vânia Machado, duas das educadoras destacadas para o Museu da Escola. Elas atuam no “inventário”, fase inicial do projeto. A cada empreitada, objetos didáticos, atas, boletins, livros – curiosamente, não apareceu até agora nenhuma palmatória – são catalogados no sistema Pérgamo, desenvolvido pela PUCPR. A lista ultrapassa 1,2 mil itens, arquivo virtual passível de ser consultado por qualquer museu do gênero.
Não são muitos no país. Minas Gerais, São Paulo e Santa Catarina figuram entre os estados com alguma forma de Museu da Escola. A expectativa e que se torne um movimento nacional. Não é de duvidar – a memória escolar desperta afetos de milhares.