Em respeito ao sinal vermelho, você pára seu carro em um cruzamento. Um outro automóvel encosta e o motorista faz questão de, mesmo parado atrás de você, continuar a acelerar. O semáforo fica verde e quando você pensa em arrancar, o cidadão atrás buzina, num gesto de impaciência, arrogância e desrespeito ao espaço público.
Situações como essa demonstram que os problemas do trânsito não decorrem da simples falta de educação. Para o sociólogo Roberto DaMatta, um dos cientistas mais citados na sociologia brasileira e colunista do jornal O Estado de S. Paulo, falta ao brasileiro a consciência de que nas ruas, seja no carro, de bicicleta ou a pé, todos os cidadãos são iguais e o respeito pelos direitos de cada um deve ser mútuo.
"A vivência da igualdade nos incomoda. Temos que repensar como ocupamos esses espaços públicos e refletir que eles são de todos, respeitando os valores individuais", explica DaMatta, que esteve em Curitiba na terça-feira passada a convite do Departamento de Trânsito (Detran) do Paraná para participar de uma debate e proferir uma palestra. As atividades fizeram parte do evento literário "Conversa entre Amigos", criado pelo diretor do Detran, Marcelo Almeida, que incentiva a leitura entre os funcionários do Detran e promove discussões sobre o conteúdo dos livros.
A última publicação apreciada foi justamente uma obra de DaMatta: "Tocquevilleanas Notícias da América" (Editora Rocco), na qual o sociólogo analisa comportamentos cotidianos das sociedades brasileira e norte-americana, entre eles o trânsito, e os compara, destacando suas peculiaridades. "O trânsito deveria ser um modo de exercitar a democracia", afirma.
Para DaMatta, o nível de intolerância do brasileiro na direção de um veículo é incomparável. "Certa vez, em Berlim, estava em um táxi de madrugada e quase não havia trânsito. Num determinado cruzamento, o sinal ficou vermelho e o motorista parou. Ele esperou longos segundos até que o semáforo abrisse novamente. Enquanto isso, eu pensava, como brasileiro, porque ele não avança o sinal já que não tinha carro nenhum vindo", conta.
A resposta, segundo ele, é que tanto os europeus quanto os americanos sabem aceitar as regras de trânsito. "É claro que são estilos diferentes de dirigir, mas nesses países as pessoas respeitam o espaço do outro", diz, citando em seguida a discriminação que envolve a presença da mulher no trânsito para exemplificar o desrespeito aos valores individuais no Brasil.
Longe de indicar o caminho das pedras para solucionar os males do trânsito brasileiro ("não trago dados, mas questões que devemos refletir"), DaMatta diz que é preciso investir pesado em educação de trânsito. "Temos uma televisão com um potencial imenso e que não é bem explorado hoje. Veja o poder que uma novela tem. Bastaria uma cena mostrar o que é certo e o que é errado nas ruas para haver um reflexo positivo", sugere. Para ele, não adianta tratar o trânsito apenas como um problema de engenharia ("vamos fazer mais ruas") ou de segurança, por conta dos acidentes. "É preciso investir no ser humano e nas próximas gerações. A nossa já está perdida", conclui.