É fato constatável que há uma judicialização dos conflitos familiares. Pode ter sido gerado por vários fatores esse recíproco casamento entre a vida familiar e a presença do Estado por meio de leis e sentenças. Dentre eles, podemos salientar:
1º) A família está fora de seu lugar tradicional; o ente familiar, considerando primeiramente um dado da natureza, e depois uma construção histórico-cultural, teve seu espaço ocupado pelos afazeres públicos, sociais e de mercado.
2º) Há um progressiva infantilização dos jovens sob o fenômeno da adolescência tardia: de um lado, o ninho familiar rompe com mais dificuldade o cordão umbilical no amadurecimento dos filhos, e de outro, esse abrigo familiar não tem operado com suficiente aptidão para fazer da democratização familiar um diálogo verdadeiro.
3º) Criou-se uma orfandade simbólica na família do presente. A maternidade tradicional perdeu seu lugar central e a paternidade submeteu-se a diversas interrogações. Houve uma desapropriação do sentido clássico da maternidade, em face, dentre outros fatores, da conquista justa da condição feminina na emancipação da mulher. De outro lado, a paternidade, antes centrada no pátrio poder, na autoridade do pai e no vínculo biológico resguardado pelo casamento, foi submetida ao notável avanço da engenharia genética e à busca da base socioafetiva da filiação.
4º) O sentido da família deixou de ser unívoco (a família era centrada apenas no casamento); hoje tem valor jurídico, social e econômico as famílias monoparentais e as uniões estáveis.
5º) A vida jurídica da família saiu do âmbito privado; os direitos das crianças e dos adolescentes, por exemplo, passaram a ser lei exigível mesmo contra a vontade dos pais que ainda têm dificuldade em reconhecer que, na educação dos filhos, eles também, diariamente, têm muito a aprender. Além disso, à liberdade conquistada falta, muitas vezes, o senso da responsabilidade e do limite.
6º) O juiz não pode nem deve substituir os pais nas relações familiares. Nada obstante, as portas que foram abertas não podem ser fechadas por decreto, lei ou portarias. Um dos caminhos possíveis é separar, de vez, o campo das questões financeiras e econômicas do terreno dos aspectos pessoais e não patrimoniais da família.
A família, em si, não está em crise. Há, isso sim, no modelo clássico uma crise de função (isto é, do sentido da família de então) e uma crise de estrutura (vale dizer, como se articulam as relações familiares no plano social, afetivo e cultural). Não obstante, ela é, foi e continuará a ser o ninho central da vida humana em sociedade.
Luiz Edson Fachin, advogado, professor titular de Direito Civil da UFPR e da PUC-PR; associado fundador e diretor da Região Sul do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).