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A mídia está sendo criticada pela utilização da palavra “amante” na divulgação do resultado da votação, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) n. 1.045.273/SE, que, por maioria formada pelos ministros Alexandre de Moraes (como relator), Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Nunes Marques e Luiz Fux, posicionou-se pela impossibilidade de reconhecimento de direitos previdenciários numa relação adulterina.
Na mesma toada, também teve início a tentativa de desprestigiar a maioria do STF pelo uso da expressão “concubinato”.
No caso em exame pela via recursal ao STF, um homem alegou que mantinha relações com outro homem, o qual já vivia em união estável com uma mulher, inclusive com esta entidade familiar reconhecida judicialmente, e pretendia revogar a decisão colegiada do Tribunal de Justiça de Sergipe que não lhe concedeu a divisão da pensão previdenciária com a viúva e a prole do falecido. Diante da interposição de RE por aquele homem, foi-lhe dada, pelo Ministro Ayres Brito, no ano de 2012, repercussão geral com o tema n. 529, assim formulado: “Possibilidade de reconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente rateio de pensão por morte”.
O que era esse homem, assim como o que seria uma mulher se fosse deste gênero, o partícipe da relação concorrente com a união estável preexistente? Um amante. A resposta somente pode ser esta diante do princípio da monogamia que vigora no ordenamento legal brasileiro, constitucional e infraconstitucional.
Parece incrível, mas, lastimavelmente, passaram a ser veiculadas fake legal news por quem é pela atribuição de pensão para amantes, sob a falsa notícia de que esses termos (amante e concubinato) seriam inadequados em sua utilização – o primeiro pelos meios de comunicação, e o segundo pelo STF –, e estaria em pauta o reconhecimento de duas uniões estáveis simultâneas para fins de direito ao rateio de pensão por morte, ou seja, de duas relações com natureza familiar.
Segundo os inconformados com a vitória da família brasileira diante do acatamento, pelo STF, do ordenamento jurídico-constitucional, a palavra amante estaria equivocada e teria sido usada pela mídia com o intuito de chamar a atenção do público.
Consoante esses mesmos insatisfeitos com o resultado do julgamento do STF, a palavra concubinato estaria em desuso em face da carga preconceituosa que marca esse termo, provocando reações de hostilidade e depreciando as mulheres.
Em rodeio inaceitável para quem cultua o direito civil, há uma posição “em cima do muro”, talvez ainda mais nefasta do que a indevida crítica à mídia, acima mencionada. Quem quer estar bem com o STF e, ao mesmo tempo, quer permanecer no grupo do “oba-oba”, diz que o julgamento foi acertado, mas que amante seria uma denominação imprópria e preconceituosa.
Então, a mídia estaria equivocada por utilizar a palavra “amante” para qualificar quem tem relação com um homem que mantém casamento de fato, a chamada união estável, com outra pessoa? A relação de adultério não seria mancebia, ou amigação, ou barregania? Quem é cúmplice do adultério, que é um ilícito civil, não seria amante?
A maioria dos ministros do STF teriam se equivocado ao usarem a expressão concubinato e julgarem pela não concessão de benefícios previdenciários para o cúmplice do adultério?
A Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), que represento, e que atuou como amicus curiae nesse Recurso Extraordinário, com argumentos e fundamentos efetivamente jurídicos e na conformidade do pensamento social, publicou imediatamente em seu portal uma nota de repúdio às indevidas críticas aos veículos de comunicação.
A rigor, nem seria preciso esclarecer sobre o significado da palavra amante, para verificarmos sua adequação na utilização pela mídia. Afinal, qual é a expressão utilizada usualmente para denominar quem mantém relação com pessoa que é casada de fato, ou seja, que vive em união estável? A resposta é uma só: a palavra usada é amante. Este é o vernáculo popular, que efetivamente esclarece para a sociedade o caso em pauta no STF.
No vocabulário jurídico, utiliza-se a palavra “concubino”, na conformidade do ordenamento legal civil de nosso país. A expressão “concubinato” está estabelecida na lei para caracterizar a relação não eventual entre uma pessoa e outra que já é casada civilmente ou de fato, isto é, que está impedida de manter uma outra relação familiar concomitante, na conformidade da interpretação do artigo 1.727 do Código Civil. Efetivamente esta expressão – concubinato – não está em desuso, está, isto sim, na lei.
A expressão legal “concubino” significa exatamente o que quer dizer na linguagem popular “amante”: quem mantém relação com pessoa casada ou que vive em união estável com outra pessoa.
Amante ou concubino é o cúmplice do adultério, que, embora tenha sido retirado da tipificação penal por razões próprias deste ramo do direito, permanece como ilícito civil, diante do dever de fidelidade ou lealdade imposto no Código Civil pelo artigo 1.724, no que se refere à união estável ou casamento de fato, e pelo artigo 1.566, no que toca ao casamento civil.
As tentativas de iludir, de enganar e de desvirtuar a atenção da mídia por meio das expressões “união estável paralela” ou “união estável simultânea” não foram exitosas, já que os veículos de comunicação não são tolos e buscaram informações nos meios jurídicos sobre o tema em pauta no STF. A sociedade brasileira foi alertada pela mídia sobre o que estava em pauta na Suprema Corte: o adultério, a bigamia e a atribuição de pensão por morte a amante.
E o STF não poderia posicionar-se de outro modo, ou seja, na conformidade da tese proposta pelo Ministro Relator, Alexandre de Moraes: “A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1723, § 1º do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro”.
Se o posicionamento majoritário do STF tivesse sido pela atribuição de benefícios previdenciários ou pensão por morte ao amante haveria uma revolta da sociedade que efetivamente macularia a Suprema Corte brasileira!
O termo “amante” não é impróprio ou preconceituoso, não deprecia a mulher, como é dito na tentativa espúria de criar pesar nas pessoas do gênero feminino e atrair a simpatia de quem defende as mulheres, ou seja, de todos que cumprem seu papel na luta pela igualdade de gêneros. Afinal, seja mulher ou homem, aquela ou aquele que escolhe a relação de mancebia, tem a depreciação inerente à sua própria condição, afinal é amante e não deixará de ter essa peia.
Preconceito é o ato de julgar algo sem ter o conhecimento do objeto do juízo, é o que se julga pela mera aparência, de modo que é ardiloso quem diz que a utilização do termo amante seria preconceituosa, já que a mídia sabe perfeitamente o que é a relação adulterina, seja ou não eventual. Depreciaria, isto sim, a família, como célula básica da sociedade brasileira, atribuir direitos que são oriundos exclusivamente dos vínculos familiares a quem é amante ou concubino.
As falas que tentam obnubilar as mentes de incautos com a caracterização da mancebia como núcleo familiar ou família simultânea e, para isto, chegam ao desplante de tentar desqualificar a mídia e a maioria do STF, são fake legal news.
*Regina Beatriz Tavares da Silva é presidente da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), doutora em direito pela USP e advogada sócia-fundadora de Regina Beatriz Tavares da Silva Sociedade de Advogados.