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Linguística

A grande árvore da discórdia

Teoria de Anatólia ou das Estepes? O avanço dos instrumentos arqueológicos permitiu investigar o alcance geográfico de 103 línguas, alterando cronologias e pondo verdades aceitas em questão | Felipe Mayerle
Teoria de Anatólia ou das Estepes? O avanço dos instrumentos arqueológicos permitiu investigar o alcance geográfico de 103 línguas, alterando cronologias e pondo verdades aceitas em questão (Foto: Felipe Mayerle)

Com o uso de ferramentas desenvolvidas para montar árvores genealógicas, biólogos disseram ter conseguido solucionar um dos maiores enigmas da Arqueologia: a origem da família linguística indo-europeia. A família inclui o inglês e muitas outras línguas europeias, bem como o persa, o hindu. Apesar da importância das línguas, os especialistas por muito tempo discordaram sobre sua origem.

Linguistas acreditam que os primeiros falantes da "língua-mãe", chamada de protoindo-europeu, eram pastores nômades e guerreiros que andavam de carruagem e saíram de sua terra natal nas estepes ao norte do Mar Negro, há 4 mil anos, e conquistaram a Europa e a Ásia. Uma teoria rival diz que, ao contrário, os primeiros falantes da família linguística indo-europeia foram fazendeiros pacíficos que viviam na Anatólia, região onde hoje está a Turquia, há cerca de 9 mil anos. E que disseminaram sua língua pela enxada, não pela espada.

Quem acaba de entrar no debate é o biólogo evolucionista Quentin Atkinson, da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia. Ele e sua equipe analisaram o vocabulário e o alcance geográfico de 103 línguas indo-europeias. Com a ajuda de computadores, retraçaram a origem mais provável das línguas.

O resultado, divulgado em edição recente do periódico Science, foi um apoio decisivo à teoria da Anatólia, e não à teoria da origem nas estepes. Tanto a cronologia quanto a raiz da árvore genealógica das línguas indo-europeias coincidem com uma expansão agrícola que teria começado entre 8 mil e 9.500 anos atrás. Contudo, apesar dos seus métodos estatísticos avançados, o estudo dos pesquisadores pode não convencer a todos.

Os pesquisadores começaram o estudo com uma série de palavras conhecidas por sua resistência às mudanças linguísticas, como pronomes, partes do corpo e relações familiares, e as comparou com a palavra ancestral inferida em protoindo-europeu. As palavras que têm uma linha clara de descendência do mesmo ancestral são conhecidas como cognatas. Assim, mother (inglês), mutter (alemão), mat (russo), madar (persa), matka (polonês) e mater (latim) são todas cognatas derivadas do protoindo-europeu mehter.

Atkinson e seus colegas atri­buíram então um valor a cada série de palavras no vocabulário das 103 línguas. Em línguas nas quais a palavra era cognata, os cientistas deram o valor de 1; naquelas em que ela foi substituída por uma palavra não relacionada, o valor era zero. Cada língua foi então representada por uma sequência de uns e zeros, e os pesquisadores puderam computar as árvores genealógicas mais prováveis mostrando as relações entre as 103 línguas.

Em seguida, as datas das divergências linguísticas de que se tinha conhecimento foram inseridas no computador. O romeno e outras línguas latinas, por exemplo, começaram a divergir do latim depois de 270 d.C., quando as tropas romanas deixaram a província romana de Dácia. Ao aplicar tais datas a alguns ramos da árvore, o computador conseguiu estimar as datas de todo o resto.

Também foram registrados no computador os dados geográficos do alcance atual de cada língua. Além disso, foram calculados os caminhos de distribuição mais prováveis de cada origem, dada a provável árvore genealógica de descendentes. Os cálculos apontaram para a Anatólia, uma região em forma de losango que fica no sul do que hoje é a Turquia, como a origem mais plausível do indo-europeu – uma área que já havia sido proposta como local de origem do indo-europeu pelo arqueólogo Colin Renfrew em 1987, porque dali também se irradiou a agricultura para o resto da Europa.

O trabalho de Atkinson integrou uma grande quantidade de dados com um método computacional que havia se mostrado bem-sucedido em estudos de evolução. Mas os resultados que obteve talvez não mudem a opinião daqueles que apoiam a teoria rival, que defende que as línguas indo-europeias se espalharam cerca de 5 mil anos mais tarde, por meio de pastores guerreiros que conquistaram a Europa e a Índia a partir das estepes do Mar Negro.

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