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Cultura

A guardiã dos livros doados

Todos os dias, Patrícia desce no porão do Palacete Wolff para separar o que irá para as bibliotecas: ali não há joio, tudo é trigo | Daniel Castellano/Gazeta do Povo
Todos os dias, Patrícia desce no porão do Palacete Wolff para separar o que irá para as bibliotecas: ali não há joio, tudo é trigo (Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)

Doar livros é um ato de coragem ou uma das reações subsequentes à morte de alguém. Chegar a essa conclusão é fácil ao passar algum tempo no porão do Palacete Wolff, em Curitiba. Naquela bagunça organizada estão os livros em processo de "remanejamento", que são doados pela comunidade, instituições de ensino ou empresas, e que seguirão em breve para Casas de Leitura, tubotecas, bibliotecas e penitenciárias.

"Aqui é o quintal da nossa casa", brinca Patrícia Wohlke, responsável pela triagem de todos os 1,4 mil livros que chegam no espaço da Fundação Cultural todo mês. Ali não há joio, tudo é trigo. Um livro em japonês, por exemplo, seguirá em breve para a biblioteca da Praça do Japão. A Cabana, de William P. Young, servirá para algum detento se iniciar nas letras. E a primeira edição autografada de O Canto dos Malditos, do curitibano Austregésilo Carrano (1957-2008), fará a alegria de um leitor nostálgico que frequenta alguma das 13 Casas de Leitura da cidade.

Uma das tarefas diárias de Patrícia é passar uma hora e meia por dia, sozinha, no porão. Ela e os livros. Patrícia investiga obra por obra. Diz que leva cerca de três minutos para verificar o ano de publicação, o autor, o assunto, a edição e, principalmente, averiguar o estado do que foi doado para direcionar o material corretamente. "Recebemos livros com páginas faltando. Alguns riscados demais, mofados. Aí precisamos descartar", lamenta. Se uma obra rara brota no meio da doação, é realizado um processo de restauro minucioso que envolve luvas cirúrgicas e produtos químicos.

Arrependimento

É estranho, mas a época do ano em que há mais doações é dezembro. "Não sei se as pessoas resolvem arrumar a casa para o Natal, sabe como é", sugere a curitibana formada em Turismo.

Em 16 anos de Fundação, entretanto, ela já viu muita gente se arrepender de gesto tão nobre. Houve caso em que um leitor doou um exemplar autografado de um livro sobre o Teatro Guaíra. Voltou no dia seguinte para resgatá-lo. Recentemente, o irmão do escritor Wilson Bueno (1949-2010) doou diversas obras. No meio delas, foi-se uma agenda com escritos inéditos do paranaense. "Ele voltou rapidinho. Sorte que estava aqui ainda."

Apesar de lembrar da importância das doações – "para que o trabalho de circulação de livros continue, precisamos da colaboração da comunidade" –, ela mesma reconhece o ato de bravura que é se desapegar. "Tenho livros pelos quais tenho amor. Não dou", confessa. Para comprovar a teoria cruel do universo de doação de livros, um causo que a marcou. Recentemente uma grande doação chegou até o Palacete. Eram 2,5 mil livros. "Foi um senhor. Ele doou a biblioteca inteira da sogra, que havia falecido."

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