A tendência é de que chuvas com a mesma intensidade do que as registradas no ano passado, que causaram mortes e destruição em Santa Catarina, voltem a castigar o estado neste ano. O alerta é do engenheiro Eduardo Dell Avanzi, chefe do Departamento de Construção Civil da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que integrou o grupo formado pelo governo catarinense para orientar a retirada das famílias dos morros do Vale do Itajaí. Segundo o especialista, as obras, que poderiam ter sido feitas durante o inverno, não saíram do papel. "Então é preciso criar um plano de alerta e de ação para a população do local", diz.
O professor e o engenheiro Nei Inácio, também professor na UFPR, ministraram palestras em seminários promovidos em grupos de trabalho organizados pelo governo catarinense. Eles irão apresentar outros resultados do levantamento no Congresso Brasileiro de Estabilidade de Encostas, promovido pela Associação Brasileira de Mecânica do Solo, que ocorrerá entre 8 e 10 de novembro, em São Paulo. Veja os principais trechos da entrevista concedida por Dell Avanzi à Gazeta do Povo:
Qual foi o trabalho realizado pelo senhor e pelo professor Nei Inácio nos municípios catarinenses atingidos pelas fortes chuvas no ano passado?
Assessoramos tecnicamente os bombeiros e a Defesa Civil sobre a necessidade de retirar ou não os moradores das regiões afetadas. Também fizemos a identificação das áreas de risco e análises para traçar medidas de prevenção.
Qual foi o cenário encontrado lá?
Tínhamos trechos com corrida de detritos (pedra, terra, galhos) de cerca de dois quilômetros. Na parte de baixo do morro, tínhamos casas e plantações. Em cima tínhamos tanto vegetação nativa quanto mata de reflorestamento. Então não tivemos um padrão do tipo: onde o homem mexeu, rompeu; onde o homem não mexeu, não rompeu. Veio tudo abaixo em um volume muito grande e praticamente tudo no mesmo horário. Foi uma grande quantidade de água que caiu. O encontro de vários detritos chegou a mudar o caminho de alguns riachos.
As casas poderiam estar ali?
Se a região era habitável ou não... eu posso dizer que elas estavam ali há tempos. (A região) poderia ser apta à agricultura, mas o ideal é que não houvesse moradias ali. O problema todo é que muitos desses morros estão trincados, começaram a ter processo de ruptura.
O que representa esse trincamento?
Você tem lá a encosta natural e tem morros que estão apresentando trincas. Essas trincas são um sinal de que a massa de solo está tendendo a se movimentar. Você tem a parte estável e a instável e a trinca é o sinal de que a parte instável está andando. Em dezembro do ano passado, quando estivemos lá, havia trincas que evoluíam vários centímetros de um dia para outro. Hoje, elas continuam aumentando, até porque tivemos um inverno atípico, bastante chuvoso. Mesmo assim não é a mesma quantidade de chuvas do verão. Então no final do ano a possibilidade da instabilidade do solo retornar é grande. A hora de atacar o problema está passando, era na época da estiagem.
Como se ataca o problema?
Com drenagens, mudando as pessoas de lugar, fazendo um plano de alerta em caso de deslizamento.
Dá para essas pessoas continuarem ali?
Em algumas regiões não. Em algumas das encostas é possível de conter. Na maioria dos locais, porém, é antieconômico. O melhor a fazer é realocar as pessoas. Para as que permanecerem é preciso ter um plano de ação: choveu tantos milímetros em tanto tempo, você emite avisos, tira as pessoas e fecha os acessos. A população tem de participar, tem de ser treinada para saber aonde ir e como fazer. Com a chegada do verão, a coisa deve se agravar. Nossos municípios não estão preparados para enfrentar catástrofes naturais.
Dá para evitar cenas como a do ano passado, mesmo com uma chuva atípica?
Dá. É questão de planejamento. Precisamos de políticas públicas que foquem esse aspecto. As obras todas deveriam ter sido feitas na estiagem e não foram. Agora é preciso alertar a população e ensiná-la como agir caso tudo se repita.
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