O diagnóstico de uma doença rara ou crônica costuma acarretar, em um primeiro momento, certa dose de desespero. Se até uma década atrás, o paciente precisava lidar praticamente sozinho com o desconhecimento e as mil dúvidas que surgiam ao longo dos dias, até a próxima consulta, hoje a internet facilita o contato de pessoas de todas as partes que padecem dos mesmos problemas. Desde a troca de experiências, dicas de terapias e remédios, até modos de manter a qualidade de vida, apesar da doença, a pauta dos participantes de fóruns online em sites ou em redes sociais é extensa. Para os médicos, o lado social da interação é positivo, mas a prática pode se tornar preocupante quando passa a envolver autodiagnóstico e automedicação.
Experiente em atender pais que descobrem alterações genéticas em seus filhos, muitas vezes, ainda na gravidez, o responsável pelo Serviço de Aconselhamento Genético do Hospital de Clínicas (HC) da UFPR, Rui Fernando Pilotto, recorda que o primeiro impacto é querer entender o motivo do problema. “Mesmo que o médico dê explicações, eles não estão psicologicamente preparados para assimilar. Então, essas redes e associações são positivas, porque aglutinam pais com os mesmos problemas. Ali, primeiro, eles veem que não são os únicos e podem trocar experiências”, defende.
Pilotto explica que a interação com pais que têm o mesmo objetivo – “o que podemos fazer pelo nosso filho?” – é bastante importante. “Uma mãe fala ‘ah, meu filho não sustenta a cabecinha’, a outra conta o tipo de fisioterapia que fizeram e deu certo. E, às vezes, nessa troca sobre coisas comuns do dia a dia entre mães de nenéns na mesma situação, elas desligam do problema.”
Apesar disso, ele alerta, as trocas nunca devem partir para a medicação. “Sou contra esse ‘olha, toma vitamina C que melhora!’. Melhora o quê? É preciso ver com o médico a necessidade, porque, nessas situações, as pessoas acabam tomando tudo o que indicam”, pondera.
Presidente do Conselho Regional de Medicina do Paraná (CRM-PR), o pediatra Maurício Marcondes Ribas, professor da Faculdade Evangélica, crê que os fóruns online são positivos do ponto de vista leigo, para compartilhar dicas de como viabilizar determinadas situações. “É um caminho elucidativo, mas nunca de medicar. É interessante do aspecto social, quando as pessoas indicam especialistas que consultaram, é benéfico”, concorda com Pilotto.
Para Ribas, o que “preocupa de sobremaneira” nesse tipo de troca são os “palpites” dados sem ver o paciente. Isso porque a mesma doença pode se comportar de maneira distinta entre várias pessoas. “Se você diz que está com febre e dor de cabeça, posso catalogar umas 500 doenças que podem ser. A pneumonia tem um padrão clássico, por exemplo, mas em alguns pacientes se manifesta com sintomas absolutamente diferentes dos padrões. O médico não pode ser substituído pela máquina”, defende.
“Quando tem um diagnóstico desses, você fica desesperada”
Quando descobriu a cardiopatia do filho Arthur, ainda na gestação, a publicitária de Londrina Patrícia Calsavara, 33 anos, recorreu à internet para entender melhor o que viria pela frente. “Eu digitava no Google síndrome do direito e não achava ninguém, só achava do esquerdo. Aí desesperei, porque só achava [sobre o direito] que a criança nasce e falece dois dias depois”. Foi nessa busca desesperada que ela conheceu a ONG Pequenos Corações, com mais de cinco anos de existência, cujo grupo no Facebook tem mais de 5 mil pais, espalhados por quase 50 núcleos no Brasil.
A partir da troca de experiências, ela descobriu uma equipe de referência em São Paulo, que faz cirurgias do tipo com altas taxas de sucesso. Depois de brigas na justiça com o plano de saúde para garantir os procedimentos, mobilizações de amigos nas redes sociais – que acompanharam ao vivo drama da transferência de Arthur de Londrina para a capital paulista –, lutas para garantir fornecimento de vacinas por parte do governo do estado, Patrícia se tornou uma referência entre as mães de cardiopatas. Hoje, Arthur tem 1 ano e está muito bem de saúde.
“Praticamente, todos os dias atendo alguma mãe desesperada. Hoje mesmo, mandei um modelo de liminar para uma. Quando tem uma mãe que precisa de transferência, as outras já indicam: cadê a Patrícia?”
Mesmo com os afazeres e a correria do dia a dia, ela garante que ajudar outras mães é prioridade. “Quando precisei, uma mãe tirou tempo para me ligar, indicar local para procurar tratamento. Recebi ligação de Bauru, da Itália. Então, todo dia, paro o trabalho para olhar se chegou alguma coisa, na rua estou sempre respondendo mensagem, WhatsApp. Porque quando tem um diagnóstico desses, você não consegue esperar, está desesperada.”
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