Um olho na frente, visualizando o caminho a ser seguido, e outro atrás, atento aos veículos que passam, geralmente a poucos centímetros de distância. Na verdade, para quem adotou a bicicleta como principal meio de transporte em Curitiba, faltam olhos para prever todos os perigos que cercam os que trafegam em duas rodas e disputam espaço com carros, ônibus e pedestres. A falta de uma rede cicloviária abrangente e interligada que atenda não somente aos ciclistas ocasionais de fim de semana dificulta trajetos rotineiros, como o deslocamento até o trabalho ou a universidade.
A percepção de que faltam espaço e respeito no trânsito não é nova para os ciclistas, mas a mobilização coletiva nos últimos meses vem ganhando ainda mais força nas ruas e redes sociais. O técnico em tomografia Oscar Cidri é um desses curitibanos empenhados pela causa, os chamados "cicloativistas". Há 12 anos, em meio a um trânsito cada vez mais caótico e vagaroso, optou por deixar o carro em casa. Desde então, só vai para trás do volante em dia de muita chuva.
A longa experiência como ciclista, porém, não o isenta de sustos e acidentes no trânsito, devido a uma condição comum a tantos outros nos 12 quilômetros que percorre diariamente, não há sequer um metro de ciclovia nas proximidades. "Sou contra usar a canaleta (pista exclusiva para ônibus), porque sei que uma freada brusca que o motorista dê ao se deparar com um ciclista pode ferir as pessoas dentro do ônibus. O problema é que, pedalando nas vias marginais, várias vezes já levei fino de carros que andam em alta velocidade", relata.
O servidor público José Carlos Assunção Belotto conhece e bem os perigos a que estão submetidos em toda a cidade os ciclistas. A paixão pela bicicleta, inclusive, o levou para a frente do programa Ciclovida, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que tem como objetivo pesquisar e divulgar os benefícios da adoção da bicicleta como meio de transporte. Belotto, porém, reconhece que, em meio a uma estrutura cicloviária deficitária, nem mesmo os benefícios físicos, ambientais e econômicos das magrelas, tão alardeados e conhecidos, são suficientes para incentivar o uso da bike. "A falta de infraestrutura faz mais falta ainda para quem está querendo começar", afirma o servidor da UFPR.
Lazer ou trabalho?
Para ciclistas e urbanistas, as ciclovias curitibanas, implantadas há três décadas, pecam justamente em um fator fundamental: são destinadas ao lazer, e não para a locomoção entre grandes distâncias. Sinal claro de que, ao longo do tempo, a bicicleta acabou não sendo levada a sério como meio alternativo de transporte.
No entanto, a pressão da sociedade civil, reforçada pelo esgotamento dos outros meios de transporte, parece estar provocando mudanças. "O meu medo é que os gestores façam intervenções sem a qualidade técnica necessária, para argumentar depois que foi a sociedade que não aderiu ao uso, por um problema cultural", afirma Rafael Milani Medeiros, mestrando em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e autor de dois estudos sobre o tema.
Plano prevê 400 km de vias para ciclistas
Elaborado por técnicos e engenheiros do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) desde 2008, o Plano Diretor Cicloviário deve estabelecer as diretrizes para que, enfim, a rede de ciclovias atenda à demanda dos usuários que adotaram a bicicleta como principal ou único meio de transporte. As mudanças, que contemplam a revitalização dos 118 quilômetros de ciclovias existentes e a criação de cerca de 300 quilômetros, devem ser adotadas a médio e longo prazo. Isso, se os projetos não esbarrarem na falta de recursos ou vontade política.
O ceticismo surge junto com as previsões orçamentárias de investimentos. No ano passado, a prefeitura chegou a aprovar no orçamento anual R$ 2,276 milhões para serem utilizados exclusivamente na "implantação e revitalização de infraestrutura cicloviária do município". Uma revisão orçamentária, porém, reduziu os investimentos para R$ 26 mil, valor que nem sequer chegou a ser empenhado, segundo o portal de transparência Curitiba Aberta. Neste ano, o valor inicialmente previsto também chegou a R$ 2 milhões. Outra revisão baixou a oferta de recursos para R$ 385 mil.
Mesmo com as revisões, a coordenadora de Mobilidade Urbana do Ippuc, Maria Miranda, defende que as melhorias previstas no Plano Cicloviário "são um caminho sem volta". Para ela, o próprio envolvimento da comunidade no processo atualmente, o plano recebe sugestões e indicações de entidades e dos próprios ciclistas e o estabelecimento das diretrizes em um plano diretor, que servirá de base para futuras gestões, garantem a execução dos projetos.
"Há um envolvimento tão grande da comunidade e do corpo técnico que o prefeito, seja ele quem for, não vai regredir nessa discussão", reforça. "Não tenho nenhum pingo de dúvida quanto à aplicação cada vez maior de recursos para a estrutura cicloviária".
A partir do próximo domingo, será inaugurado já em Curitiba o Circuito Ciclístico, uma rede de ciclofaixas de lazer, feitas a partir da demarcação das vias e destinadas a circulação exclusiva de bicicletas nos fins de semana. A pintura e a sinalização que serão permanentes já começaram na área central da cidade. O trajeto compreenderá cerca de 4 quilômetros da região central, passando pelas ruas XV de Novembro; Marechal Deodoro; Nilo Cairo; Emiliano Perneta; Visconde de Nácar; André de Barros e Avenida Mariano Torres.