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LOCOMOÇÃO

A “jornada dupla” dos bikers

No caminho diário do Pinheirinho para o Batel,  Oscar Cidri divide espaço com ônibus e carros. Quem opta pelas calçadas disputa lugar com os pedestres | Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo
No caminho diário do Pinheirinho para o Batel, Oscar Cidri divide espaço com ônibus e carros. Quem opta pelas calçadas disputa lugar com os pedestres (Foto: Aniele Nascimento/ Gazeta do Povo)
Veja o percurso feito por dois ciclistas entre suas casas e locis de trabalho |

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Veja o percurso feito por dois ciclistas entre suas casas e locis de trabalho

Um olho na frente, visualizando o caminho a ser seguido, e outro atrás, atento aos veículos que passam, geralmente a poucos centímetros de distância. Na verdade, para quem adotou a bicicleta como principal meio de transporte em Curitiba, faltam olhos para prever todos os perigos que cercam os que trafegam em duas rodas e disputam espaço com carros, ônibus e pedestres. A falta de uma rede cicloviária abrangente e interligada – que atenda não somente aos ciclistas ocasionais de fim de semana – dificulta trajetos rotineiros, como o deslocamento até o trabalho ou a universidade.

A percepção de que faltam es­­paço e respeito no trânsito não é nova para os ciclistas, mas a mobilização coletiva nos últimos me­­ses vem ganhando ainda mais força nas ruas e redes sociais. O técnico em tomografia Oscar Cidri é um desses curitibanos empenhados pela causa, os chamados "cicloativistas". Há 12 anos, em meio a um trânsito cada vez mais caótico e vagaroso, optou por deixar o carro em casa. Desde então, só vai para trás do volante em dia de muita chuva.

A longa experiência como ciclista, porém, não o isenta de sustos e acidentes no trânsito, devido a uma condição comum a tantos outros – nos 12 quilômetros que percorre diariamente, não há sequer um metro de ciclovia nas proximidades. "Sou contra usar a canaleta (pista exclusiva para ônibus), porque sei que uma freada brusca que o motorista dê ao se deparar com um ciclista pode ferir as pessoas dentro do ônibus. O problema é que, pedalando nas vias marginais, várias vezes já levei ‘fino’ de carros que andam em alta velocidade", relata.

O servidor público José Carlos Assunção Belotto conhece – e bem – os perigos a que estão submetidos em toda a cidade os ciclistas. A paixão pela bicicleta, inclusive, o levou para a frente do programa Ciclovida, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que tem como objetivo pesquisar e divulgar os benefícios da adoção da bicicleta como meio de transporte. Be­­lotto, porém, reconhece que, em meio a uma estrutura cicloviária deficitária, nem mesmo os benefícios físicos, ambientais e econômicos das magrelas, tão alardeados e conhecidos, são suficientes para incentivar o uso da bike. "A falta de infraestrutura faz mais falta ainda para quem está querendo começar", afirma o servidor da UFPR.

Lazer ou trabalho?

Para ciclistas e urbanistas, as ciclovias curitibanas, implantadas há três décadas, pecam justamente em um fator fundamental: são destinadas ao lazer, e não para a locomoção entre grandes distâncias. Sinal claro de que, ao longo do tempo, a bicicleta acabou não sendo levada a sério como meio alternativo de transporte.

No entanto, a pressão da sociedade civil, reforçada pelo esgotamento dos outros meios de transporte, parece estar provocando mudanças. "O meu medo é que os gestores façam intervenções sem a qualidade técnica necessária, para argumentar depois que foi a sociedade que não aderiu ao uso, por um problema cultural", afirma Rafael Milani Medeiros, mestrando em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e autor de dois estudos sobre o tema.

Plano prevê 400 km de vias para ciclistas

Elaborado por técnicos e engenheiros do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) desde 2008, o Plano Diretor Cicloviário deve estabelecer as diretrizes para que, enfim, a rede de ciclovias atenda à demanda dos usuários que adotaram a bicicleta como principal – ou único – meio de transporte. As mudanças, que contemplam a revitalização dos 118 quilômetros de ciclovias existentes e a criação de cerca de 300 quilômetros, devem ser adotadas a médio e longo prazo. Isso, se os projetos não esbarrarem na falta de recursos ou vontade política.

O ceticismo surge junto com as previsões orçamentárias de investimentos. No ano passado, a prefeitura chegou a apro­­var no orçamento anual R$ 2,276 milhões para serem utilizados ex­­clu­­sivamente na "im­­plan­ta­­ção e revitalização de in­­fra­­es­­­­tru­­tura ci­­cloviária do município". Uma revisão orçamentária, po­­rém, reduziu os investimentos para R$ 26 mil, va­­lor que nem sequer chegou a ser em­­penhado, segundo o portal de transparência Curitiba Aberta. Neste ano, o valor inicialmente previsto também chegou a R$ 2 milhões. Outra revisão baixou a oferta de recursos para R$ 385 mil.

Mesmo com as revisões, a coordenadora de Mo­­bilidade Urbana do Ippuc, Maria Miranda, defende que as melhorias previstas no Plano Cicloviário "são um caminho sem volta". Para ela, o próprio envolvimento da comunidade no processo – atualmente, o plano recebe sugestões e indicações de entidades e dos próprios ciclistas – e o estabelecimento das diretrizes em um plano diretor, que servirá de base para futuras gestões, garantem a execução dos projetos.

"Há um envolvimento tão gran­­de da comunidade e do corpo técnico que o prefeito, seja ele quem for, não vai regredir nessa dis­­cussão", reforça. "Não tenho ne­­nhum pingo de dúvida quanto à aplicação cada vez maior de re­­cur­­sos para a estrutura cicloviária".

A partir do próximo domingo, será inaugurado já em Curitiba o Circuito Ciclístico, uma rede de ciclofaixas de lazer, feitas a partir da demarcação das vias e destinadas a circulação exclusiva de bicicletas nos fins de semana. A pintura e a sinalização – que serão permanentes – já começaram na área central da cidade. O trajeto compreenderá cerca de 4 quilômetros da região central, passando pelas ruas XV de Novembro; Marechal Deodoro; Nilo Cairo; Emiliano Per­­neta; Visconde de Nácar; André de Barros e Avenida Mariano Torres.

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