"É preciso ensinar a educar os filhos"
A substituição do modelo familiar patriarcal, hierárquico e autoritário notadamente ultrapassado não ocorreu sem consequências para a sociedade. Segundo a psicóloga Lídia Weber, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná, "os pais mudaram, mas ficaram mais inconsistentes, inseguros e perdidos em sua função parental. Para retomar o controle da situação, ela recomenda que os pais usem de prevenção e intervenção precoce, recorrendo a cursos de treinamento quando necessário, já que os pais precisam aprender a educar os filhos.
Leia os principais trechos da entrevista concedida à Gazeta do Povo
A família fora de lugar
É fato constatável que há uma judicialização dos conflitos familiares. Pode ter sido gerado por vários fatores esse recíproco casamento entre a vida familiar e a presença do Estado por meio de leis e sentenças.
Outros casos
Além dos conflitos ocasionados pelo envolvimento dos jovens com drogas, a Justiça analisa vários outros casos curiosos. Veja alguns:
Filha adotiva
Uma mãe adotiva (socioafetiva) procurou o Conselho Tutelar em Curitiba para entregar uma adolescente de 17 anos, dizendo que não aguentava mais ser agredida pela garota. Uma psiquiatra descobriu que a jovem é portadora da síndrome do bebê grande (pessoa que começa a agredir a gestante na gravidez), mas a denúncia da mãe não se confirmou. Na verdade, a mãe, bem-sucedida profissionalmente, queria emancipar a filha. O caso já foi resolvido pelo Conselho.
Filho travesti
A mãe procurou a Justiça porque o filho, um adolescente de 16 anos, era travesti. Ela não aceitava a escolha sexual dele. O caso foi para a Justiça porque ele passou a se prostituir e ficou em situação de risco. O impasse ganhou força após a mãe condicionar a sua volta para casa ao uso de roupas masculinas: podia ter aparência de homossexual, mas não podia se vestir de mulher. O caso foi resolvido, a mãe compreendeu a situação, mas nunca aceitou a escolha dele.
Furto e abrigamento
Dois irmãos, de 13 e 15 anos, furtaram R$ 1 mil da mãe do padrasto. Com o dinheiro, eles compraram uma bola, doce e comida. Mas a quantia estava reservada para pagar o tratamento médico da meia-irmã deles filha do padrasto com a mãe deles. O caso foi para a Justiça e os meninos estão abrigados. A mãe abriu mão dos filhos para continuar vivendo com o novo marido.
Filhos escondem o pai
A Justiça retirou um homem de 83 anos de uma casa de repouso, a pedido de sua mulher, de 78 anos de idade. Os filhos o levaram para o local, alegando que a mãe o maltratava quando ele bebia. A sua volta para casa só ocorreu após a Justiça conceder uma ordem de busca e apreensão. O caso foi discutido numa das varas de família de Curitiba.
Preferência pela sogra
Num caso sui generis, uma mulher trocou a vida com o marido e a filha, um bebê, para ter mais tempo para ir à igreja com a sogra. A Justiça foi acionada para discutir a guarda da criança. Na audiência, a mãe disse para o juiz que não podia ser condenada como mãe porque tinha afeição à sogra. Já o ex-marido tentou se reconciliar, mas ela não quis voltar para casa. Assim, a filha continuou com o pai, e a mãe manteve a amizade com a sogra.
A família não vai bem e os pais não conseguem mais conter os filhos. A solução é procurar a Justiça. Com esse objetivo, muita gente está trocando a rotina de lavar a "roupa suja em casa" pelas salas de audiências, levando histórias inusitadas para a análise do Poder Judiciário. Os casos mais comuns são de pedidos de internamento de dependentes químicos usuários de drogas que não aceitam ajuda para superar o vício.
Não há estatísticas precisas sobre ações de conflitos domésticos, mas as quatro varas de família de Curitiba têm, juntas, cerca de 36 mil processos em trâmite. Só o Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher tem 9.552 procedimentos (ações, inquéritos e medidas protetivas) em andamento. Já os nove conselhos tutelares da capital abriram 2.018 casos nos primeiros seis meses do ano passado, a maioria por brigas, abusos e controvérsias familiares. Uma parte foi para a Vara da Infância e da Juventude.
Com a chegada dos conflitos domésticos à Justiça, o magistrado que antes só julgava as tradicionais ações de família (separação, divórcio, pedido de alimentos, guarda e outras); agressões de maridos e negligência dos pais , agora é um mediador de brigas entre pais e filhos e recebe ainda pedidos de indenização por abandono afetivo.
O leque de novas ações inclui outras situações, como pai que não consegue mais controlar o horário do filho, pedido de "devolução" de crianças adotadas, abusos sexuais cometidos dentro de casa, conflitos de pais com filhos homossexuais e histórias de dependentes químicos que estão acabando com a vida da família.
Roberto (nome fictício), 30 anos, usuário de crack, não imagina que a sua mãe aguarda ansiosa por uma decisão para conseguir a sua interdição judicial (perda da capacidade civil temporária) e o seu internamento num hospital especializado.
"Até os 21 anos, ele era um jovem saudável, responsável e excelente profissional. Hoje, aos 30 anos, após várias tentativas e recaídas para sair do vício, meu filho alega que não precisa de ajuda clínica. Ele diz que tem capacidade para sair das drogas sozinho", conta a mãe.
Segundo Maria (nome fictício), 55 anos, a família tentou por 10 anos ajudá-lo, mas a situação se tornou insuportável nos últimos anos. Para se ter ideia do drama, ela optou por deixar a casa em que viveu cerca de 18 anos, levando junto o restante da família. Roberto está sozinho há três anos, vivendo isolado, como um eremita. Os pais moram de aluguel, prontos para mudar a cada vez que o filho descobre o novo endereço.
Agora, a mãe terá de trocar o local de trabalho endereço de 15 anos por causa das visitas inesperadas para pedir dinheiro para comprar droga. "Nunca vou abandoná-lo. Eu mando alimentos e produtos de higiene e limpeza toda a semana. Só não posso aparecer, nem dar o endereço por causa dos surtos psicóticos e da agressividade dele. Tudo isso por causa das drogas." A mãe tem medo do que ele possa fazer com a família e do seu destino no mundo das drogas. "A minha última esperança é interná-lo. Tenho fé na sua recuperação", afirma.
Incompetência confessa
Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, o ideal é a família sempre tentar resolver os problemas domésticos. Para a psicóloga Lídia Weber, professora e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), "colocar a Justiça em questões triviais é confessar a incompetência da parentalidade. É claro que pode haver exceções e casos em que deve haver mesmo a entrega da situação à Justiça" (leia entrevista na página seguinte).
Dentre as histórias cabeludas que vão para o Poder Judiciário, numa delas um filho busca indenização de cerca de R$ 400 mil do pai, porque nunca recebeu amor e afeto. De acordo com a juíza Joeci Machado Camargo, diretora do Fórum das Varas de Família de Curitiba, a situação pede que a família seja avaliada como um todo, o motivo do abandono e como ele aconteceu.
Joeci faz um trocadilho com as ações de indenizações movidas por ex-mulheres pelo fim do casamento. "Não existe o código do amor. Ninguém é obrigado a amar ou a não amar." Já o abandonado paterno, ela chama de "filhos do fico" (ficar). "Surge a gravidez, e a mãe e os avós assumem a responsabilidade sobre a criança. Muitas vezes o pai só garante a subsistência do filho, mas não vai dar amor e afeto", explica.
São histórias que a psicóloga Berenice Morosowiski, especialista em psicologia jurídica e fiel escudeira da juíza Joeci, conhece bem. "As questões nas Varas de Família são de tal forma traumáticas que todos os processos trazem algo de inusitado, mesmo nas questões que podem parecer elementar, como uma definição de visitas, isto porque na realidade os sintomas dos conflitos surgem de forma exacerbada na comunicação processual."
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