Antigo pouso de tropeiros, palco de revoluções, lendas e misticismo. Impossível não citar a cidade da Lapa como uma importante localidade turística e histórica do Paraná. Seu passado de pioneirismo e luta se misturam com a forte religiosidade cabocla registrada através dos séculos, hoje encontrada nos diversos monumentos de guerra e fé espalhados pela cidade. No centro histórico, são mais de 200 imóveis antigos e preservados, alguns transformados em casa de memórias, museus ou órgãos da prefeitura. Destaque para o Theatro São João, de 1876, construído em belíssima arquitetura neoclássica e visitado pelo Imperador Dom Pedro II. Mas é no alto de um acidente geográfico de formação arenítica, invisível aos olhos profanos do mundo, que se esconde um dos locais mais visitados da Lapa, cercado de tradições e mistérios: a Gruta do Monge.
Segundo o escritor e historiador Ruy Wachowicz, desde os meados do século XIX os estados do sul eram percorridos por indivíduos conhecidos pelos sertanejos como monges. "Cultivavam barba longa, sandálias em couro cru, barrete de pele de onça, cajado na mão e um terço pendurado no pescoço, vivendo normalmente nas florestas e grutas". Dos monges, três tiveram uma passagem mais significativa pela região da Lapa e por outras terras do sul. O primeiro era João Maria dAgostini, imigrante italiano que viera ao Brasil em 1844. Sua saga apostólica costumava despertar nos homens a prática do bem, orientando e receitando ervas medicinais às pessoas que o procuravam, deixando cruzes nos caminhos por onde passava. Dizia-se inspirado por Deus e passou a ser visto pelos sertanejos como um milagreiro. Os locais onde dormia, a água que bebia, tudo era santo para seus seguidores. Mas nada de profético fazia. Viveu por alguns anos entocado na Gruta do Monge. Sem deixar fotos nem desenhos, João Maria foi embora e nunca ninguém soube como e onde havia morrido. Mas certo dia João Maria voltou...
Em 1894, a Revolução Federalista avançava pelo estado do Paraná. O exército dos maragatos, rebeldes gaúchos que se amotinaram contra a proclamação da República, foram cercados na cidade da Lapa pelas tropas do governo lideradas pelo General Gomes Carneiro. A cidade resistiu heroicamente por 26 dias, no episódio conhecido como "Cerco da Lapa". Junto com os maragatos, surgiu um segundo monge personificado em Anastás Marcaf, que agregava o modo de vida do antigo eremita, intitulando-se João Maria de Jesus. Até hoje ele é confundido com o primeiro João Maria, a ponto de os fiéis acreditarem que ele tinha 180 anos! Foi a figura que obteve maior projeção pública nos sertões. Pregava a penitência e profetizava calamidades, inclusive a Guerra do Contestado, sendo, porém, singelo e bondoso. Tal como o primeiro não deixou rastro. Desapareceu no final da primeira década do século XX.
O profeta guerreiro
Acidentalmente, a Lapa participou de outro importante episódio na história do Paraná: a Guerra do Contestado. Nos primeiros anos do século 20, os estados do Paraná e Santa Catarina disputavam um território de 40 mil quilômetros entre o limite de suas fronteiras. Dominada por coronéis e negligenciada pelos governantes, essa região foi cenário de uma das mais sangrentas rebeliões ocorridas no Brasil republicano, com um saldo de seis mil sertanejos e mil soldados do regime mortos. As tensões advinham, principalmente, do anseio das famílias camponesas por um pedaço de terra, bem-estar e segurança. O estopim das injustiças seguiu com a imensa concessão dada, em 1908, à empresa inglesa Brazil Railway Company para a construção da estrada de ferro São Paulo Rio Grande do Sul. As terras passaram a ser valorizadas e os coronéis expulsaram os camponeses, antes protegidos por eles, para vender as propriedades. Naquela terra sem fronteiras, não havia escolas, hospitais, nem a Igreja Católica era muito presente. De acordo com um artigo do professor e pesquisador Paulo Derengoski, "a falta de alimento espiritual permitiu que personalidades místicas assumissem a liderança mental do populacho ingênuo". Sem proteção, os camponeses passaram a ansiar por uma liderança, ressuscitada na figura do velho monge.
O terceiro grande profeta do Contestado não era um místico, mas sim um rebelde. Tratava-se de um desertor militar, chamado Miguel Lucena de Boaventura. Usava o mesmo gorro de pele de seus antecessores e conhecia a vida dos mestres. Mas ao contrário deles, tinha na cintura uma longa espada de combate. Através de seu carisma, acabaria atraindo simpatizantes, descontentes com o regime da época, injustiçados e foragidos da lei, dando-lhes instrução militar, armando-os com espadas, facões, pica-paus e garruchas. O "monge" guerreiro surgiu inicialmente em Palmas, reaparecendo nos sertões de Campos Novos como José Maria de Agostinho, fingindo ser irmão do falecido Agostini. Os coronéis, preocupados com o ajuntamento de gente armada, pediram ao governo uma solução acusando José Maria de monarquista. Em 1912, nos Campos do Irani, atual território catarinense, José Maria e seus fanáticos foram atacados pela frente do Coronel João Gualberto, onde ambos acabaram sucumbindo. Através do fanatismo, a memória do monge ainda seria invocada pelos seguidores remanescentes em vários conflitos bélicos até que o último reduto de resistência cabocla fosse vencido. Seguia assim a Guerra do Contestado.
A Gruta da Fé
Na memória do humilde povo, ainda permanece a ilusão de que o monge era um só. Independente dos poderes de cada um, atualmente a Gruta do Monge na Lapa chega a receber visitas de até mil fiéis num único final de semana. Devido a sua importância religiosa, o local foi transformado em Parque Estadual no ano de 1960, recebendo aos poucos infra-estrutura como banheiros, restaurantes e churrasqueiras. Na gruta, fotografias de pessoas que teriam recebido graça e ajuda, além de outras que ainda esperam pela intervenção e força do monge, se misturam a imagens e pequenas estátuas de santidades cristãs. Frases, cartazes colados e rabiscos em pedras deixados por devotos expressam um pouco a complexidade e riqueza do sincretismo religioso que forma a cultura popular da região do Contestado. Até travesseiros e cobertores são colocados ali, como se o monge fosse aparecer novamente e precisasse do conforto para dormir. No meio de tantas histórias de diferentes monges, entre milagres e lendas, a crença e fé de cada um continuam as mesmas, inalteradas e legítimas.
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