O debate sobre a descriminalização do uso pessoal de drogas não passa apenas pelas altas esferas do Supremo Tribunal Federal (STF). Tampouco se resume às exaltadas rodadas de conversa no movimento antidrogas. Desde abril deste ano, a discussão circula, às quintas-feiras, pela Praça Osório, Centro de Curitiba.
Lá pelas 18h30, o ônibus do projeto Intervidas – “a linha da vida” –, da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), estaciona na altura em que a Osório se encontra com a Cândido Lopes - perto da Boca do Brilho. Gente da equipe, como o motorista João Enéas Prohmann, abre a lateral do ônibus, que vira uma sacada. A turma vai chegando – psicólogos, educadores, terapeuta educacional e eles, os usuários de drogas que vivem em marquises ali perto, na Rui Barbosa e adjacências. Podem chegar a 50 de uma vez só. Às 21h30, dispersam-se. Em seis meses, 320 moradores de rua passaram pelo programa.
Apesar da semelhança com o Consultório de Rua, também da SMS, o Intervidas não tem caráter ambulatorial. “Nosso foco é a redução de danos - é psicossocial. Essas pessoas são invisíveis. Estamos com elas à noite, na hora em que o consumo de substâncias aumenta. É em tempo real. Exige empatia para dar certo”, define a psicóloga Carolina Nascimento, 39 anos, coordenadora do projeto. Sua equipe está ali para criar vínculos com os dependentes químicos, de modo a conseguir que se integrem ao Centro de Atenção Psicossocial, os Caps, e outros.
Fragmentos da “vida loka”
Um dos dependentes químicos atendidos pelo projeto Intervidas, da Secretaria Municipal de Saúde, em Curitiba, dá o seu depoimento sobre o vício e as ruas
Leia a matéria completaOs resultados são positivos: os encontros trazem cantoria, pelada, gargalhada – rodas de leitura e contação de histórias. As noites de hip-hop são as de maior adesão. Lotam. O “ônibus da Osório” já conta com suas figurinhas. Ertson Pedro da Silva, 48 anos, o“Pança”, é ex-radialista, morador da calçada do Edifício Asa. “Qual é a música?”, pergunta. My Way, na voz de Frank Sinatra, alguém grita. Cobertor puído debaixo do braço, ele canta, num inglês lustroso, e avisa que está só no álcool, “por enquanto”. E acrescenta. “Sou uma celebridade. Estou no Facebook. Conheci a Gilda (travesti que mendigava nos anos 1980 na XV). Isso aqui é a crime, não o Kremlin.”
Descriminalização e liberação das drogas: um debate em zona de risco
Pesquisadores, ativistas e especialistas tendem a dizer que como está não dá para ficar, mas divergem sobre que caminho tomar
Leia a matéria completaObservando tudo, sempre, João Batista do Nascimento, o “Pastor”, 49 anos, 25 de rua. É o líder. “Não fosse a força que nos deu, seria mais difícil. Ele é quem chamou o pessoal e disse que o ônibus era uma coisa boa”, conta a educadora Fernanda Ricardo. “Eles não veem como cidadãos de direito. Nosso processo de aproximação é bem lento. Não julgamos ninguém. Nossa aproximação não pode ser repressora.” O grupo oferece conversa e pequenos cuidados - protetor labial, preservativos, chocolates, um pouco de tevê e orientação para tratamento - quando há abertura por parte do povo da rua.
Se o Intervidas conta com uma lista dos mais chegados, conta também com os mais arredios – em geral os jovens. Dois casais chegam. Estão bem vestidos e banhados. Moram numa área coberta da Avenida Sete de Setembro. Mandam um recado para a turma do STF. “Tem de liberar. Maconha não é droga. Deixa a gente calmo”, diz “D”, 19, no que é apoiado pela companheira, “A”, 25. Comentam que se conheceram na Praça Oswaldo Cruz e que se casaram na rua. Beijos no Intervidas.
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