"Companheiro Heller"
Saga comunista do pai marcou trajetória do jornalista curitibano
Editoras
O livro mais conhecido de Milton Ivan Heller Resistência democrática a repressão no Paraná, de 1988, foi lançado por uma editora de repertório, a Paz e Terra, em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura do Paraná. Mas nem sempre o autor consegue parcerias tão boas. Não se aflige. Procura publicadoras menores e não raro financia seus projetos, distribuindo os títulos que escreve para escolas e bibliotecas.
Detalhes
Heller se encaixa na categoria "arquivo vivo". Em entrevista, mostra-se capaz de descrições detalhadas sobre fatos e pessoas da cena política do Paraná. Em especial, é uma fonte sobre a imprensa local, incluindo a história de jornais menores. Exemplo é a trajetória do jornal Correio do Paraná, onde trabalhou. Ficava perto à Reitoria da UFPR, onde funcionou depois o jornal Diário popular. O proprietário do Correio, Alberto Franco Correia da Costa, teve papel importante nas disputas pelo poder no estado durante a década de 1950.
Estudos
Hoje causa espanto que alguém tenha se tornado um intelectual, a exemplo de Heller, tendo uma relação frágil com a escola. Mas vale lembrar que em tempos idos, não era de todo absurdo. O jornalista Cláudio Abramo um dos inventores da imprensa moderna no Brasil também era filho de comunista perseguido, o que comprometia sua continuidade na escola. Formou-se, então, nas lides da literatura e das redações de jornal. Foram sua escola. O mesmo aconteceu com o Milton. "Quando não estava preso, meu pai estava foragido. Ficávamos só, eu, a mãe, os irmãos, os avós. Cheguei a estudar no Novo Atheneu, mas...", conta Heller.
Jorge Heller
Milton Heller admite que deveria ter escrito um livro sobre seu pai, o militante comunista Jorge Heller. Material não lhe falta. O jornalista conhece detalhes da saga dos "russos brancos", grupo étnico do qual Jorge fazia parte, assim chamados porque viviam uma identidade dividida entre a Rússia e a Alemanha. Criado na zona rural, cedo Jorge foi apresentado ao marxismo, logo transformado numa causa. Implantou o Partido Comunista em vários estados brasileiros, como o Paraná, São Paulo e o Espírito Santo. O Partidão chegou a ter um milhão de membros. Não era sua única razão de viver amava o futebol e as fusões pelas quais passou o seu time, o Ferroviário F.C., foram seu grande desgosto. Passou a torcer para o Colorado.
Mussa
Milton Heller é da geração em que muitos jornalistas se dividiam entre o trabalho nos jornais nos quais ganhavam salários módicos e cargos arranjados no serviço público. Não se deu a esse desfrute. Os processos enfrentados junto à Justiça Militar, depois do golpe de 1964, agravaram sua situação financeira. Antes de conseguir postos no Jornal do Brasil, revista Placar e Rede Globo de Minas Gerais, batia ponto, pedindo emprego no jornal O Estado do Paraná. O diretor Mussa José Assis mandava que ele voltasse quinta-feira, depois segunda-feira, e assim por diante. O pessoal da redação começou a pressionar sua recontratação. "Tive ajuda de quem não esperava, de pessoas que sequer eram meus amigos", diz, referindo-se a Luiz Alfredo Malucelli, o Malu, morto esta semana.
Reza a lenda que um produtor do estúdio RKO assim se referiu a Fred Astaire, depois de um teste. "É baixinho, careca e dança um pouco." A frase figura no anedotário do cinema, mas serve como uma luva para o jornalista e pesquisador Milton Ivan Heller. Ele não é baixinho, nem careca, nem dançarino, mas qual Astaire, provou do pouco caso alheio: disseram que ele "escrevia pouco".
Heller é autor de quatro livros que desnudam a imprensa e a ditadura militar, assunto no qual se tornou referência nacional. É de sua autoria o já clássico Resistência democrática a repressão no Paraná. Também publicou sobre o nazismo (Conspiração nazista nos céus da América), Coluna Prestes (De Catanduvas ao Oiapoque). Um cisco, como se dizia. Mas em início de carreira, nos anos 1940, ouviu impropérios como "não leva jeito para o ofício" e "não sabe redigir". Doeu. Décadas depois, os jornalistas que o alvejaram se tornaram seus subalternos. Não chegou a se vingar, mas não perdeu a piada, é claro.
"Eu dizia para eles que o que faziam estava mais ou menos", diverte-se o veterano, aos 83 anos, aposentado, mas sem se dar direito a descanso. Apenas em 2014, lançou A CIA e a quartelada e A atualidade do Contestado, publicados quando nem bem tinha terminado a divulgação de O prisioneiro da cela 310, uma biografia do empresário e ex-preso político Valmor Weiss. O Milton é assim nasceu para o ofício da pena.
Na infância, era dado a longas cartas, mas nada indicava que iria mais longe do que isso. O pai Jorge Heller pertencia à comunidade dos russos alemães, fixada nos Campos Gerais. Dizia ter nascido na Sibéria. Foi lateral esquerdo do Ferroviário F.C, funcionário da Rede Ferroviária Paraná-Santa Catarina e da Panair do Brasil... Foi, sobretudo, um aplicado militante do Partido Comunista, atividade que o obrigava a longos períodos de clandestinidade ou "cana", como a passada no Presídio do Ahú. "Convivemos pouco", conta Milton, que diz não ter escrito sobre o pai por pura timidez. "Não sou como o Sylvio Back, que sabe fazer barulho. A grande mídia me ignora, solenemente", provoca o homem que se define "um Requião": "Sou bom de briga".
"Melagrião"
Em paralelo ao Jorge idealista havia a mãe, Joana Vandrowski, uma polonesa típica. Junto dela, o comunismo nada tinha de utopia. Os Heller moravam com parentes num casarão de madeira do Bigorrilho, sem luz elétrica, muita religião e alguma vodca. "Sou do tempo da Minâncora, Óleo de Fígado de Bacalhau, Antissardina e xarope Melagrião". Todos os alimentos vinham do quintal povoado de galinhas soltas e hortas de batata doce. Numa das raras ocasiões em que Jorge não era caça dos governantes, Joana deixou seu sítio urbano e se juntou ao marido, no Rio de Janeiro, formando uma família quase normal.
O exílio carioca durou oito anos e tinha endereço no subúrbio de Nilópolis. Na ocasião, Milton andou às turras com os estudos. Provou o gosto da boemia e da madureza de "trens tão apertados que nem dava para colocar a mão no bolso". Mal conseguia chegar às aulas no Instituto Rui Barbosa. Tirava uns trocos vendendo tapetes de porta em porta. "Eu me alimentava pouco, sufocava com o calor do Rio. Só tinha um uniforme. Dependia de um copo de limonada que as pessoas me davam."
Em 1949, de volta a Curitiba, e precisando de emprego, o tal talento para as cartas salvou a pátria. Uma tia manicure tinha um conhecido que trabalhava em jornal. Pediu arrego. O magrelo, cumprido, que nem sequer tinha passado pela admissão do ginásio, não foi saudado como um candidato ao Pulitzer. Fez-se de rogado e debutou em jornais como o Correio do Paraná, simpatizante do integralismo, e pelo Diário da Tarde.
Tec-tec
"Minha formação foi heroica", resume. Num dos diários em que atuou nos inícios o panfleto "comuna" Tribuna do Povo "aprendeu a pensar", como costuma dizer. Ninguém mais o segurou. Ele se perde ao listar os veículos nos quais datilografou laudas e laudas do Diário Popular, passando pelo Diário do Paraná, O Estado do Paraná. Na sequência, o Jornal do Brasil e revista Placar, que fizeram dele um "repórter nacional". A partir de 1973, coordenou a equipe de jornalismo da Rede Globo, em Belo Horizonte. Custava a acreditar que tinha um emprego tão bom em especial depois da surpresa que o golpe militar de 1964 havia lhe reservado.
Em 1.º de abril de 1964, Milton Heller então um jornalista com nome na praça atuava como repórter do Última Hora, de Samuel Wainer, o único jornal a apoiar o presidente João Goulart. Com exceção dos colunistas sociais Celina Luz e Mauro Ticianelli, e da turma de esportes, toda a equipe foi processada pela Justiça Militar e passou quatro anos sem emprego. "MH" tinha dois filhos Marli e João Eugênio.
Hoje consegue achar graça das tardes em que os 23 jornalistas processados, do UH e outros periódicos da cidade, passavam numa torturante salinha, a chaves, no quartel que havia na Praça Rui Barbosa. "Fumávamos horrores. Ficava uma cortina de fumaça. O jornalista Cícero Cattani levava um cortador de unha. O tec-tec do aparelhinho irritava os generais", lembra. Para pagar as contas, Heller voltou aos pendores de ambulante aprendido na juventude: vendia livros nas casas, benesse oferecida pelo livreiro Aristides Vinholes. "Avisei que era tido como um subversivo, mas ele era simpatizante e me ajudou."
O sucesso durou pouco. "Eu conseguia comercializar para os amigos. Para me ajudar, compravam até livro ruim. Quando minha lista de conhecidos acabou, as vendas caíram". Num lance de sorte, em 1968 conseguiu o carimbo que o livrou do processo de subversão. Retomou a carreira e até progrediu nas finanças. Num flerte com o mundo do capital, passou dos calhambeques de terceira mão a um carro quase zero, que estacionava longe dos colegas patrulheiros. Eram os anos do milagre econômico.
Milton Heller se aposentou em 1989 somando 40 anos de redação. Suas últimas paragens, o jornal O Estado do Paraná e Gazeta do Paraná. Quando se viu em casa sem pauta deu início à rotina de pesquisador. Tornou-se rato da Biblioteca Pública, Instituto Histórico e Geográfico, e onde mais encontrar páginas amareladas, fungos e poeira. A quem interessar possa, recebe duas-três cartas por semana são de seus leitores.
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