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A maldição do navio Vicuña no Paraná

A explosão do navio chileno no píer da Cattalini derramou óleo e metanol na costa do Paraná, no maior desastre ambiental do Litoral | Antonio Costa/Arquivo Gazeta do Povo
A explosão do navio chileno no píer da Cattalini derramou óleo e metanol na costa do Paraná, no maior desastre ambiental do Litoral (Foto: Antonio Costa/Arquivo Gazeta do Povo)

Depois de dez anos, pescadores, marisqueiros e catadores de caranguejo ainda vivem os impactos sociais e ambientais causados pelo maior acidente ambiental da história do Litoral do Paraná. Na noite de 15 de novembro de 2004, o navio de bandeira chilena Vicuña explodiu quando estava atracado no porto de Paranaguá, deixando quatro tripulantes mortos e despejando no mar milhões de litros de óleo e metanol.

De lá para cá, a pesca diminuiu em 60% em Paranaguá, Antonina e Guaraqueçaba. Como compensação pela privação ao trabalho, milhares de pescadores receberam indenizações irrisórias, que não ultrapassaram R$ 1 mil, pagas em parcela única. Também há relatos de quem jamais recebeu qualquer quantia.

As indenizações foram liberadas a partir de acordos entre os advogados dos trabalhadores e a Sociedad Navieras Ultragas, proprietária do navio. Entre os defensores está a advogada Cristiane Uliana, denunciada pelo Ministério Público do Paraná (MP-PR) por integrar um núcleo milionário de fraudes que se apropriou de indenizações de outro acidente no Litoral do Paraná, causado pela Petrobras em 2001.

O acordo com a Ultragas foi firmado no segundo semestre de 2005 e pode ter sido prejudicial aos pescadores. Isso porque duas sentenças favoráveis a eles, com valores mais altos, haviam sido proferidas em abril daquele ano. Decisões da 1.ª e da 2.ª Varas Cíveis de Paranaguá determinavam pagamentos de R$ 13 mil e R$ 5 mil, respectivamente, a cada pescador atingido.

Os pescadores não foram informados sobre essa decisão da Justiça, segundo a Associação Caiçara de Desenvolvimento Sustentável do Litoral do Paraná. E os advogados fizeram acordos que não resultaram mais do que R$ 1 mil para cada pescador. "Se os pescadores tivessem sido avisados das sentenças judiciais favoráveis que precederam o acordo, receberiam R$ 13 mil só da ação movida contra a Navieras", diz Luiz Afonso do Rosário, conselheiro da associação.

Mais processos

Além do valor devido pela Navieras, os pescadores poderiam ter recebido ainda pelo menos outras duas indenizações. O decreto presidencial 4.136/2002, que trata especificamente do lançamento de óleo ou substâncias nocivas em águas do território brasileiro, determina que as infrações devem ser respondidas não só pelo dono do navio, mas também pelo armador e pelo "proprietário da carga". Nesse caso, os pescadores ainda poderiam ter pedido indenizações à Cattalini Terminais Marítimos e às empresas donas do metanol trazido pelo navio chileno ao Brasil.

Em depoimento ao MP-PR, Cristiane conta que havia ajuizado 2,4 mil ações contra a Sociedad Navieras Ultragas e que no início era contra o acordo por um valor muito menor do que os pescadores poderiam receber. Ela mudou de postura, porém, após perder clientes para o advogado Silvio Gori Filho, que passou a homologar acordos em valores que variavam de R$ 300 a R$ 800 para cada trabalhador.

Lista de indenizados inclui pescadores que não receberam

Para evitar fraudes, a seguradora do navio Vicuña fez os pagamentos em cheques nominais aos pescadores. Mas são comuns os relatos de trabalhadores que nunca receberam. É o caso de Alceu Alves, 66 anos, que, embora tenha o nome na lista dos beneficiários, diz nunca ter recebido o dinheiro.

Em depoimento ao Ministério Público ao qual a Gazeta do Povo teve acesso, a advogada Cristiane Uliana admite que deixou de pagar os beneficiários do acordo. Segundo ela, havia pilhas de cheques de pescadores guardados em uma mala com Arival Tramontin Ferreira Júnior, na época serventuário da 1.ª Vara Cível de Paranaguá.

"Eu descobri que ele [Júnior] acabou trocando alguns dos cheques. Ele falava que o cliente era analfabeto, colocava a digital e trocava o cheque", disse. Em entrevista concedida no início do ano à Gazeta do Povo, Júnior já havia confirmado a versão de que cheques eram descontados no banco usando digitais falsas, mas afirmou que a fraude era feita por Cristiane.

Também ao MP, a advogada admitiu ter ajuizado ações em nome de pessoas mortas antes do acidente e para quem nunca havia sido pescador. Segundo ela, os honorários advocatícios pagos a ela pela Sociedad Navieras foram rateados com o escrivão da 1.ª Vara Cível, Ciro Antônio Taques, com o ex-serventuário da Justiça Arival Tramontin Ferreira Júnior e com o então juiz da 1.ª Vara Cível, Hélio Arabori.

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