Governo inicia trabalho para regulamentação
A Constituição Federal determina aos estados a criação de uma Defensoria Pública com autonomia de atuação, orçamento definido e efetivo próprio. Apesar da instituição do órgão em 1991, o Paraná é um dos poucos estados brasileiros que não cumpre com a obrigação. "O serviço de assistência jurídica, assim como o de Educação e de Saúde, constitui direito fundamental do cidadão", explica André Castro, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). No estado, a atual Defensoria atua parcialmente e apenas na capital, pois há número insuficiente de defensores. Há esperança de que essa situação se transforme até o fim de 2010.
A licença do ex-governador Roberto Requião (PMDB) para concorrer ao Senado deu fôlego à possibilidade de instituição da Defensoria Pública do Paraná nos moldes constitucionais. Há cerca de dez dias, o governador Orlando Pessuti (PMDB) determinou o início de estudos para a implantação definitiva do órgão. A atual chefe da Defensoria Pública do Estado, Josiane Fruet Bettini Lupion, e a Anadep já encaminharam proposta à Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania (Seju). A expectativa é de que a regulamentação finalmente saia do discurso em breve. "Acredito que, pela própria postura do governador, existe a chance de regulamentar a Defensoria ainda neste ano".
Com isso, o órgão passaria a ter quadro de funcionários próprio ao invés dos atuais 46 advogados emprestados por outras Secretarias de Governo.
"Na atual situação, eu fui obrigada a reduzir o atendimento para Curitiba, porque não há como controlar as audiências que ocorrem fora da capital", afirma Josiane. Ela espera que a adequação à Constituição seja acompanhada de uma "missão" ao interior do Paraná. "Minha ideia é dividir o estado em regiões e lotar um determinado número de advogados em cada uma delas. Por meio do Programa Paraná em Ação, conhecemos a realidade e a necessidade de cada local", afirma. Josiane estima que, com 400 advogados, será possível atender todo o estado de forma satisfatória. O governador Orlando Pessuti não foi encontrado pela reportagem para comentar o assunto.
Cadastro de advogados deve sair neste mês
Em março deste ano, foi firmado convênio entre a Ordem dos Advogados do Brasil Seção Paraná (OAB-PR), o governo do Estado e o Tribunal de Justiça (TJ) para oferecer assistência judiciária gratuita à população carente em todas as comarcas do estado. Neste início de maio, deve ser aberto cadastro para os profissionais interessados em atuar no projeto. Pelo acordo, os advogados dativos nomeados por um juiz nos casos em que as partes não podem arcar com os custos atuariam nos 399 municípios do estado, com atendimentos nas áreas criminal e cível não patrimonial (apenas na capital, a oferta é restrita à área criminal). Na época da assinatura, o presidente da OAB-PR, José Lucio Glomb, considerou que o convênio, se cumprido adequadamente, pode oferecer assistência aos necessitados sem vinculação dos profissionais à administração pública.
Mesmo com o acordo, a regulamentação da Defensoria Pública do Paraná é uma das principais bandeiras defendidas pela OAB-PR.
A empregada doméstica Vera Lucia de Carvalho, 44 anos, é uma vítima. Não da violência ou do trânsito, mas das filas de espera por um exame no Sistema Único de Saúde (SUS) e da Defensoria Pública do Paraná, que desrespeita a Constituição Federal desde 1991. A inoperância dos órgãos custou muito mais caro do que se imaginam. Custa sua saúde e quase a sua vida. Após realizar exame de rotina, uma hemorragia vaginal passou a fazer parte da rotina de Vera. Havia necessidade de exame clínico, agendado para nove meses mais tarde, para entender o motivo do sangramento. Vera procurou a Defensoria Pública para agilizar o tratamento e ouviu que não poderia ser atendida. Seu corpo não esperou pelo exame e um câncer surgiu.
A primeira consulta para tratar a hemorragia aconteceu em julho de 2007. Desde então, passaram-se 17 meses até o diagnóstico, em janeiro de 2009. No período, ela correu a postos de saúde e hospitais para realizar o exame clínico. Só teve acesso a ele, porém, quando se dispôs a pagar R$ 100. O tempo de espera para a investigação mais profunda levaria de 9 meses a 1 ano em Colombo, na região metropolitana de Curitiba. Em uma tentativa frustrada, Vera Lucia tentou antecipar o tratamento por meio da Defensoria Pública, mas não obteve êxito. Um médico consultado pela reportagem afirmou que o tipo de câncer de Vera evolui rapidamente e poderia ser evitado com diagnóstico antecipado.
A paciente teria melhor sorte se estivesse no Rio de Janeiro. Na Defensoria fluminense, considerada exemplo no Brasil, muitos casos envolvendo o SUS não chegam à Justiça, pois são resolvidos na esfera administrativa. Ao procurar o órgão, o paciente sai, em geral, com o exame agendado. "Esse caso configura a falência de dois serviços estatais. Em muitas defensorias, basta um procedimento administrativo para resolver o problema", esclarece André Castro, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep). Chefe da Defensoria Pública do Paraná, Josiane Fruet Bettini Lupion afirma que atualmente o órgão adota a mesma postura da Defensoria do Rio.
Depois de passar o ano de 2008 em tratamento (radioterapia e quimioterapia), hoje Vera Lúcia, está bem. Mas sabe dos riscos de um retorno da enfermidade e por isso toma os cuidados necessários. "Fiquei um ano parada, cheguei a pesar 40 kg (com 1,51 metro de altura) e sei que posso não ter muitos anos de vida", diz, observando o neto correndo pela cozinha de casa.
Não só problemas gravíssimos, como o de Vera, foram abandonados pela Defensoria Pública desde 1991. Situações que causam transtornos no cotidiano também foram deixadas de lado. Em janeiro do ano passado, a professora de Matemática Marilsa Conceição Silva recebeu uma conta de telefone acima dos padrões costumeiros. "No mês da fatura, eu trabalhava o dia inteiro, meus filhos mais novos estavam no Rio de Janeiro e o filho mais velho também não ficava em casa", conta. Ela tentou um acordo com a empresa, mas não houve conciliação. Chegou à Defensoria Pública esperançosa, mas encontrou as portas fechadas.
"Disseram que não tinham condições de me atender, que havia muita gente", relata. Enquanto tentava solucionar os entraves com a empresa de telefonia, Marilsa discutia questões com o banco Itaú e pretendia receber o apoio do órgão nesse caso. "Eu me senti péssima com isso, como todo bom brasileiro. Você paga um monte de coisa e dizem que temos um monte de direitos. Mas nada funciona na prática", critica. Carioca, a professora compara o atendimento da Defensoria Pública paranaense e da fluminense. "É totalmente diferente. Lá ela funciona para todo mundo, ao contrário daqui. Nem chegaram a me atender", diz.
Nas duas situações, Vera Lucia e Marilsa procuraram a Organização Jurídica de Apoio ao Cidadão (Ojac), uma das várias instituições que buscam suprir a lacuna da Defensoria no estado nos últimos 18 anos, assim como os Núcleos de Prática Jurídica de universidades. Há três anos em funcionamento, a Ojac defende aproximadamente 80 casos que deveriam receber atenção da Defensoria Pública. "São problemas, muitas vezes sérios, aos quais ninguém dá a devida atenção", afirma Solange Aparecida de Souza, presidente da Ojac.
Outro lado
Josiane Fruet afirma que, em ambos os casos, a Defensoria Pública poderia ter agido. Senão para solucionar a situação, ao menos para encaminhar para instituições responsáveis por ocorrências semelhantes (a Procuradoria de Defesa do Consumidor, no caso de Marilsa). A fim de impedir problemas semelhantes, a chefe da Defensoria afirma ter instituído uma nova forma de atendimento. "A triagem liga diretamente para mim, pois esse tipo de problema sempre cai em meu gabinete", conta. Josiane assumiu a chefia do órgão em fevereiro de 2009, depois da procura de Marilsa e Vera Lucia.
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