De repente, o local onde se viveu durante tantos anos, e onde se construíram tantas histórias, passa a ser um espaço desconhecido. O cantinho da leitura, o local onde o neto deu os primeiros passos, a varanda onde se passavam as tardes já não têm significado. Para o portador da Doença de Alzheimer, que atinge cerca de 2 milhões de brasileiros, a diferença entre casa e lar muitas vezes não existe, dependendo do estágio do mal.Isso não significa, no entanto, que o conforto não seja importante, ou que a casa precise se assemelhar a um hospital. A visão de que o espaço onde o doente vive é fundamental para o seu bem-estar foi o que motivou a arquiteta Simone Mussi de Oliveira a elaborar um projeto que prevê adaptações nesse ambiente para o paciente e sua família.
A experiência pessoal foi decisiva na escolha do tema, apresentado na conclusão do curso de pós-graduação no Centro de Educação Profissional de Design, Artes e Profissões (Cepdap). O pai de Simone, Norberto, de 70 anos, foi diagnosticado com a doença há cinco, e a arquiteta, tendo como base o apartamento onde os pais vivem, pensou em uma série de transformações para melhor acomodá-lo.
Muitas das intervenções levam em conta as necessidades de pessoas idosas em geral que podem exigir até a reforma da casa. Já as necessárias para dar conforto ao portador de Alzheimer, que não necessariamente tem dificuldades de locomoção (a depender do estágio da doença), apostam basicamente no estímulo dos sentidos e em sinalizações.
Orientação
A primeira providência tomada pela família foi concentrar as adaptações aos espaços mais utilizados por Norberto, como o quarto, banheiro e corredores, e a partir daí criar estratégias para orientá-lo dentro de casa e fazê-lo se sentir seguro.
"A orientação é muito importante. Se o paciente se sente perdido, tende a ter mudanças de comportamento e ficar agressivo. Por isso deixamos tudo como estava antes de ele ter a doença", conta Simone. O projeto manteve a maior parte dos móveis no lugar, e só retirou do espaço os que obstruíam a circulação ou ofereciam riscos. "O layout permaneceu o mesmo".
Enquanto o pai ia perdendo a memória, ela também se valeu das cores para ajudá-lo a reconhecer cada cômodo. Assim, cada espaço ganhou uma cor diferente, e é por meio dela que a família se refere a eles. "Para o paciente com Alzheimer, é mais fácil reconhecer os cômodos pela cor do que pela função", afirma Simone. "E, na escolha, optei pelos tons frios em locais onde é necessário que ele fique calmo, como banheiro e quarto, e tons quentes onde ele precisa ser estimulado, como a área de lazer". Hoje, as cores são muito utilizadas pela medicina para promover o bem-estar de pacientes.
Estímulos
Além das adaptações em casa, o estímulo do paciente para atividades cognitivas deve ser outra preocupação da família. De acordo com o neurologista do Hospital Pilar Luiz Carlos Benthien, que também é geriatra e gerontólogo, mesmo que a doença seja incurável e progressiva (entre a fase pré-clínica e o estágio severo levam-se em média dez anos), o estímulo continuado do cérebro é fundamental para dar qualidade de vida ao doente, e pode em muitos casos, ao lado da medicação, impedir que a passagem de um estágio para outro se acelere.
Ao contrário do que se pensa, o portador de Alzheimer continua a aprender até o fim da vida. Diz Benthien: "A área do hipocampo, responsável pela memória, é a primeira a ser afetada. Esse processo não é reversível, mas o cérebro se adapta, através de um mecanismo chamado neuroplasticidade. Ele se comunica com outros departamentos e dependendo da função a ser realizada, encontra outras áreas para realizar aquela tarefa".
O médico explica que até o estágio moderado o paciente é capaz de reconhecer cores, sons, cheiros e texturas e através deles fazer associações. "O que deve ficar claro é que o doente não deve deixar nunca de aprender, pois tudo o que não tem uso atrofia, seja um cérebro doente ou saudável".