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Curitiba – O professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, Carlos Alberto di Franco, diz que no Brasil há um descompasso muito grande entre a rapidez da investigação da mídia e a lentidão do processo judicial. Para ele, a impunidade e "o fracasso do Judiciário na punição dos culpados" faz com que muitos políticos aleguem ser acusados injustamente pela imprensa.

Di Franco, que também é diretor do Master em Jornalismo e da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia, faz uma análise da atuação da imprensa na cobertura do caso Renan Calheiros.

Como o senhor analisa a atuação da imprensa no caso das denúncias contra o presidente do Senado, Renan Calheiros?Di Franco: A imprensa, rigorosamente, cumpriu o seu papel. O que fez a imprensa? Recebeu uma série de informações que o presidente do Senado passou e foi conferir a concordância com os fatos e a conclusão que chegou é de que nada batia com nada. Quer dizer, o rendimento que ele tem não justifica as despesas que foram feitas, e nas declarações de Imposto de Renda ele apresentou dados que são provenientes da verba parlamentar como se fossem os rendimentos próprios. Quer dizer, o que a imprensa fez foi simplesmente levantar os dados e mostrar que aquelas informações apresentadas pelo presidente do Senado não tinham nenhuma consistência. Acho que o que faltou, talvez, foi dar uma ênfase maior – embora ela tenha aparecido – no que me parece ser o cerne da questão do Renan Calheiros, que é o fato de o presidente do Senado ter uma relação tão próxima, tão íntima, com um lobista de uma empreiteira a ponto de usar esse lobista como intermediário para o pagamento de pensão para a mãe do seu filho. Este é o ponto fundamental que teria de ser explorado. Do ponto de vista ético, só isso é mais que suficiente para o afastamento dele, não só da presidência do Senado, mas do próprio Senado. Parece um negócio inacreditável, né? Então, eu acho que a imprensa cumpriu o seu papel de uma maneira adequada, fez um trabalho bom.

Os políticos, do outro lado, sempre insistem na tese de que são injustiçados pela imprensa.

Eles tendem a transferir para a imprensa as suas culpas. E isso tem, infelizmente, um lado pouco comentado, que é a impunidade que reina no país e o fracasso do Judiciário na punição dos culpados. Então, de fato essas pessoas dizem que estão sendo injustamente acusadas. Como o (Paulo) Maluf diz até hoje: Eu sou o homem mais investigado e até agora não tive uma condenação transitada em julgado, e não teve mesmo. Você vê o Fernando Collor de Mello. Ele foi afastado da Presidência da República há muitos anos e não se chegou ainda a uma decisão judicial final a respeito do caso. De onde veio o dinheiro que ele levantou na Operação Uruguai para justificar o montante na conta dele, sem declarar à Receita? Então, de fato, o político tem nas mãos este argumento: Não há nada contra mim, a imprensa está levantando calúnias, mas até agora nada foi provado. Há um descompasso muito grande entre a rapidez da investigação da mídia e a lentidão do processo judicial no Brasil. Esse descompasso gera, na opinião pública, uma sensação de que, talvez, a imprensa exagere, talvez realmente exista prejulgamento, quando na verdade as provas circunstanciais são tão grandes que não restam dúvidas. Até porque os políticos, na hora que são apanhados, renunciam ao cargo. Uma pessoa que é inocente luta até o fim para mostrar a sua inocência.

E a população entende que os políticos estão atacando a imprensa para se defender?A classe média acho que entende. Os consumidores de mídia impressa, sobretudo, entendem porque são mais preparados do ponto de vista educacional, são pessoas com mais capacidade de emitir juízos críticos. O problema é a grande massa que está fundamentalmente alimentada pela televisão. Você veja esse fenômeno curiosíssimo da permanência da popularidade do presidente da República mesmo com a baixa popularidade de vários membros do governo dele. Os ministros são nomeados por ele, acontecem coisas inacreditáveis, ele continua tranqüilo, sem nenhuma alteração nas pesquisas de opinião, apesar de a população reagir criticamente à atuação dos seus ministros. Essa esquizofrenia demonstra uma falta de senso crítico muito grande, uma incapacidade de juntar as peças do xadrez. O presidente da República é o responsável pelo que está acontecendo no país.

A cobertura da televisão pode ser considerada superficial?Nessa última temporada eu vejo a televisão começando a se engajar num jornalismo de mais qualidade. Por exemplo, os telejornais da Globo têm estado na linha de frente em várias denúncias importantes. O caso do Garcia é significativo. (O assessor especial do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia, fez um gesto obsceno após assistir à reportagem sobre o defeito técnico no avião da TAM que explodiu em São Paulo). Aquilo indica um estado de espírito, indica realmente qual é o sentimento que há no governo de comemoração num momento delicado. O que me pareceu um descompasso entre a mídia eletrônica e o jornalismo impresso foi sobretudo nas eleições. O jornal batia muito mais, era muito mais incisivo, cobrava muito mais a discussão de idéias e a televisão estava muito mais pautada pelo show. Esse é o grande perigo da televisão. Pelo seu próprio formato, pelo tipo de veículo que ela é, tem uma tendência muito grande a ser dominada pelo show, pelo espetáculo.

Para o senhor, o momento atual pode ser considerado o de atuação mais eficiente da imprensa investigativa?Eu acho que a imprensa está amadurecendo muito. Você veja bem, para citar um exemplo paralelo. Nós tivemos, no caso do Collor, que foi um exemplo típico de grande envolvimento da mídia, uma ação direta da imprensa muito pequena. O Collor foi para o espaço por quê? Porque o irmão foi à Revista Veja com um dossiê e tudo começou aí. Ações concretas da imprensa foram muito pequenas. Nos últimos tempos não. As ações da imprensa têm sido as que dão origem aos processos. O Renan Calheiros passa a ser processado pelo Conselho de Ética por causa de uma matéria da Veja. Não foi o inverso. Eu vejo que há um amadurecimento da mídia muito interessante. A mídia está tendo um protagonismo maior do que tinha no passado, mesmo com todos os problemas que ela tem.

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