Convidada pelo governador Roberto Requião a dar uma palestra sobre "Cidadania e Cultura Enfoque na Imprensa e Outras Mídias", na reunião do secretariado da terça-feira passada, a professora Olgária Chain Feres Matos, titular e pós-doutora do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), criticou duramente a mídia.
Olgária Chain é graduada em Filosofia pela Universidade de São Paulo e possui pós-doutorado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales. Sua atuação acadêmica tem ênfase na História da Filosofia.
Na entrevista que Olgária deu à Gazeta do Povo, na rápida passagem por Curitiba, entre uma palestra e outra, a mídia foi mais uma vez o tema da conversa. A professora da USP analisou os reality shows, a televisão, o machismo, o jornalismo e o heroísmo, entre outros. Confira.
Como a senhora vê a vida do cidadão comum sendo levada ao palco? Seria uma incorporação da vida privada ao mundo do espetáculo ou apenas a participação cidadã na mídia?
O encolhimento do espaço público do debate provoca uma espetacularização da vida íntima e da vida privada. Não é um processo de socialização, mas de exposição daquilo que é interesse restrito. No caso dos reality shows, como o Big Brother, a situação é ainda mais grave, pois a banalização se prolonga ao assistir à banalidade da vida do outro. Sem contar os traços sádicos e fascistas desses programas em que o telespectador exerce o seu pequeno ressentimento privado ao excluir, condenar ou matar simbolicamente.
Com os reality shows, tornam-se cada vez mais comuns os heróis instantâneos, aqueles com 15 minutos de fama. O que significa esse processo?
Bertolt Brecht já dizia: "Infeliz o povo que precisa ter heróis". É claro que um povo coerente consigo mesmo e harmonioso não precisa de heróis. No Brasil, o desejo de reconhecimento é expressado no "falar para uma câmara de televisão", que se traduz na presença de um espaço midiático infame. São heróis que não têm razão nenhuma para referência pública. O resultado é que isso passa, não cria uma tradição, nem uma referência estável ou coesão. É uma insignificância.
A cultura de massa ajuda a banalizar a violência?
A questão da violência não se restringe a uma determinação única. É claro que uma programação predominantemente da má qualidade e que não tenha o sentido do entretenimento formador tende a uma certa liberação e desinibição da violência, o que pode, a médio e longo prazo, influenciar neste processo. Mas não isoladamente.
Qual é o olhar da mídia sobre a mulher?
Continua reforçando preconceitos. De maneira geral, a mulher continua com a imagem de objeto de desejo masculino, de um ser fútil e de inferioridade intelectual. E eu não digo que isso é só fruto do mundo masculino. Eu acho que as mulheres se reconhecem muito nessas representações.
Qual a função do jornalismo hoje?
O jornalismo hoje já não está tão comprometido com a verossimilhança da informação, pois sua primeira preocupação não é tirar a limpo se um fato é verdadeiro ou não. Além disso, a linguagem jornalística tornou-se pobre infantiliza o receptor e desqualifica o público leitor.
Como a educação tem trabalhado nesse contexto?
A educação precisa evitar as categorias da cultura média midiática. Que exista cultura de entretenimento de massa e que não atenda diretamente à educação, tudo bem. Não é função da mídia ser só educadora. É a escola que tem de educar. O problema é que a predominância das mídias visuais e a força da televisão impregnam a educação formal.
Como a mídia pode deixar de ser apenas uma opção de entretenimento para passar a ser fonte efetiva de educação e formação do cidadão?
Há duas questões simultâneas. A primeira é aumentar a escolaridade e a compreensão de toda a sociedade brasileira. Uma sociedade mais letrada é mais exigente com a qualidade do que recebe. A segunda é que os poderes públicos devem passar a regulamentar e aplicar regras efetivas para que todas as instituições públicas, escolas, universidades, museus e a mídias sejam realmente elementos de coesão social.
Olgária Chain, filósofa.