Marcondes Alves, de 15 anos, pesquisa e se diverte ao navegar na internet no assentamento Guanabara, em Imbaú, nos Campos Gerais| Foto: Josué Teixeira / Gazeta do Povo

De pão em pão

Em Imbaú, as casas são de alvenaria e a internet é banda larga

Uma associação formada exclusivamente por mulheres produz pães caseiros que saem semanalmente do assentamento Guanabara, em Imbaú, nos Campos Gerais, para as feiras urbanas e para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). As assentadas investiram R$ 12 mil na construção da padaria e querem ir mais longe. A presidente, Sirlene Alves Moraes, conhecida como Nega, diz que a associação vai se inscrever no programa Terra Forte. A intenção é certificar os produtos e colocá-los no mercado. A associação leva o nome da irmã Dorothy Stang, morta em 2005 no Pará, e existe há três anos. "Até agora não recebemos nenhum recurso público. Mas com o dinheiro dos pães, compramos o que estamos precisando para a padaria", completou. O local de 430 hectares tem cerca de 35 famílias. A terra foi ocupada em 1989 e seis anos depois virou assentamento. "Usávamos matraca para plantar e hoje o trabalho é com o trator", explica a assentada Sirlei de Fátima Moraes. O pai de Sirlei, Ariulino Alves Moraes, tem 70 anos e diz que muita coisa mudou. "E vai mudar mais ainda," prevê. As casas são de alvenaria e até a internet, via rádio, começa a chegar. "Queremos levar ela para mais locais", diz Nega. Quem gostou foi o filho dela, Marcondes Alves, 15 anos, que usa o notebook para lazer e pesquisas.

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Tendência

Queda no número de assentamentos confirma mudança de política

Nos dois primeiros anos do mandato da presidente Dilma Rousseff, houve queda do número de assentamentos (68,6%) e de famílias assentadas (67,2%) em comparação aos dois primeiros anos de governo de Lula. No Paraná, também houve uma desaceleração. O número de assentamentos caiu 72,7%, enquanto a quantidade de famílias assentadas reduziu de 1.539 para 1.305. Há ainda no estado 5 mil famílias assentadas em 100 acampamentos.

A queda confirma a tendência da política do governo federal em estruturar os assentamentos já implantados. Além dos programas de incentivo à criação de agroindústrias, a habitação rural é foco de uma portaria publicada em fevereiro deste ano. O Incra estima um déficit habitacional de 220 mil casas nos assentamentos brasileiros, mas apenas 60 mil residências estão previstas inicialmente no programa Minha Casa Minha Vida Rural – investimento de R$ 1,8 bilhão, até 2014.

Para o professor de Sociologia Rural da Universidade Federal do Paraná, José Luiz Cerveira, os programas são bons, mas há uma ressalva: os assentados são obrigados a fazer parte de uma cooperativa para ter acesso às ações. "Uma cooperativa não se faz na marra. Temos de encarar esses programas como um híbrido. É algo positivo, mas desde que os assentados estejam preparados para trabalhar coletivamente", aponta.

R$ 7 milhões serão investidos no Paraná através do programa Terra Forte até 2015. 14 cooperativas de 13 municípios, que totalizam 320 assentamentos, serão beneficiados.

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Quando se fala em reforma agrária, logo se pensa em barracos de lona e esperança por melhorias nas condições de vida através da posse da terra. Com a política de distribuição de terras aparentemente superada pela busca do desenvolvimento dos assentamentos já existentes, o governo federal arrisca uma nova configuração no campo. De simples agricultores familiares, os assentados podem virar empreendedores com a implantação de programas como o Terra Forte. Lançado em fevereiro, o projeto prevê investimentos de R$ 300 milhões na agroindustrialização de assentamentos até 2017.

INFOGRÁFICO: Governo Dilma assentou menos que governo Lula nos dois primeiros anos de mandato

O Terra Forte é uma ação interministerial que pretende atender 200 cooperativas instituídas nos assentamentos através de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Eco­­nômico e Social (BNDES), da Fundação Banco do Brasil e demais parceiros. O assentado não precisa pagar nada para ter acesso ao programa, mas o Banco do Brasil abriu uma linha de crédito de mais R$ 300 milhões que podem ser financiados pelas cooperativas interessadas. Organizados em cooperativas ou associações que tenham propostas de agroindustrialização, os assentados podem se inscrever no Terra Forte até o próximo dia 30 de abril e, só após essa data, se terá uma ideia de quantos assentamentos serão atendidos.

O programa é um complemento ao Terra Sol, lançado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2004, que prevê o assessoramento aos assentados e fomenta a agroindustrialização e a exploração comercial dos produtos e serviços dos assentamentos.

Demanda

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Tanto o Terra Forte quanto o Terra Sol buscam estruturar os assentamentos para o atendimento a outras duas políticas do governo federal: o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003, e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), aprovado em 2009. Os dois se baseiam na compra de produtos dos assentamentos.

As ações são uma resposta à demanda dos próprios assentados que não queriam desenvolver apenas uma agricultura de subsistência. "Já existem iniciativas incubadas nos assentamentos que têm aumentado, inclusive, em função do PAA e do Pnae. Existe uma pressão dos assentamentos para termos um programa que atenda a essa demanda", reconhece o coordenador geral de Desenvolvimento dos Assentamentos do Incra, Rogério Mauro.

O superintendente do In­­cra no estado, Nilton Be­­zerra Guedes, vê o Paraná numa fase intermediária no processo de agroindustrialização nos assentamentos e aposta em um novo paradigma para a reforma agrária. "Na década de 90, a política era distribuir terras. Agora queremos chegar à modernização nos assentamentos", comenta.

Cooperativa em Arapongas é referência nacional

Bruna Komarchesqui, da sucursal de Londrina

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No último dia 2 de fevereiro – 13 anos após a ocupação que resultou no assentamento Dorcelina Folador, em Arapongas, no Norte do estado –, as 93 famílias do local viram concretizado o antigo sonho de um laticínio. Instalado na Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa (Copran) e inaugurado pela presidente Dilma Rousseff, o laticínio foi possível graças a um investimento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). A zootecnista Elisa Koefender, da Copran, frisa que a ideia é dominar toda a cadeia produtiva e fortalecer os próprios cooperados. Por ser uma referência em agroindustrialização, o local foi escolhido para o lançamento do programa Terra Forte.

Atualmente, a Copran tem 470 sócios na região de Arapongas. São 34 produtores de leite, que fornecem uma média de 4 mil litros por dia. Com o objetivo de remunerar melhor o produtor, a cooperativa produz queijo, iogurte, bebidas lácteas e leite em saquinho, que são fornecidos para programas governamentais e supermercados.

Um dos produtores de leite da Copran é o assentado Claudemir da Silva, o Claudinho, de 40 anos. Na propriedade de seis hectares, ele mantém 22 vacas que produzem 130 litros diários. "Tenho R$ 90 mil investidos em animais, um carro bom para andar, meu filho comprou uma moto", contabiliza.

Mas o caminho foi longo. Natural de Chapecó (SC), onde era agricultor, Claudinho morou em um barraco de lona de oito metros quadrados com esposa e dois filhos durante dois anos. Hoje, há fartura em casa. "A renda livre da minha família [cinco membros] é de R$ 2,2 mil. Tirando o salário da minha mulher, que cuida do gado, sobra R$ 1 mil. Se eu fosse empregado, ganharia um salário mínimo", diz o cooperado.

Roberto Custódio/Gazeta do Povo 
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