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Religião

A obra silenciosa dos espíritas

Cenas de uma obra espírita: foto da década de 1940 na cozinha do Hospital Psiquiátrico Bom Retiro. Membros eram acusados de provocar doenças mentais quando na verdade supriam as negligências do Estado no campo da saúde | Arquivo / Hospital Bom Retiro
Cenas de uma obra espírita: foto da década de 1940 na cozinha do Hospital Psiquiátrico Bom Retiro. Membros eram acusados de provocar doenças mentais quando na verdade supriam as negligências do Estado no campo da saúde (Foto: Arquivo / Hospital Bom Retiro)
Cenas de uma obra espírita: foto da década de 1940 na cozinha do Hospital Psiquiátrico Bom Retiro. Membros eram acusados de provocar doenças mentais quando na verdade supriam as negligências do Estado no campo da saúde |

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Cenas de uma obra espírita: foto da década de 1940 na cozinha do Hospital Psiquiátrico Bom Retiro. Membros eram acusados de provocar doenças mentais quando na verdade supriam as negligências do Estado no campo da saúde

Nos últimos meses, o bairro Bom Retiro, em Curitiba, deixou de ser visto apenas como uma área elegante da cidade e passou a ser tratado como "zona ameaçada". Triplamente. Teme-se pelo crime de patrimônio, já que o hospital que deu nome à região, inaugurado em 1945, está em vias de ser demolido. Pelo crime ambiental, pois a legislação não protege a mata de 20 mil metros quadrados que ladeia a construção. E pelo atentado à memória: foi também naqueles altos da cidade que se desenvolveu a ação dos espíritas no estado, capítulo da história local que mal começou a ser escrito. A rua que passa ao lado, não à toa, se chama Allan Kardec.

É curioso. Uma simples passada de olhos pelos nomes dos primeiros espíritas paranaenses seria o bastante para provocar comichões nos pesquisadores. Basta citar que entre eles estava Ildefonso Pereira Correia, o Barão do Serro Azul; e Lysímaco Ferreira da Costa, fundador da Universidade do Paraná. A lista passeia ainda por famílias como a Guimarães – do jornalista Acyr e do médico Alô, dois curitibanos ilustres do século 20. Sem falar na irresistível figura de Lins de Vasconcellos, o sertanejo que fez fortuna e a doou para a Federação Espírita do Paraná, fundada em 1902.

Mesmo assim, conta-se nos dedos os estudos sobre esse grupo que influenciou das letras à economia paranaense. Basta lembrar que o Colégio Lins de Vasconcellos – sob os cuidados da federação de 1960 a 1998 – figurou entre os melhores do estado. "Uma das maiores lacunas seria responder como o espiritismo influenciou uma legião de brasileiros importantes", comenta o sociólogo Reginaldo Prandi, da USP.

Pesquisador notável de umbanda, candomblé e neopentecostalismo, Prandi iniciou sua carreira na década de 1970, estudando o espiritismo brasileiro, mas ele mesmo nunca tinha se detido com vagar sobre o assunto. Este ano, saldou a dívida lançando Os mortos e os vivos, livro que promete alavancar o debate, quando não provocar a publicação de outros estudos. Já não era sem tempo, particularmente no Paraná, que vê crescer um centro de pesquisa espírita na Faculdade Doutor Leocádio José Correia, a Falec.

Colocar essas publicações lado a lado seria de grande valia – até para ver se alguns mitos resistem. "É de consenso que os espíritas seguiram um padrão em todo o país, criando escolas e hospitais psiquiátricos", observa a historiadora Vera Irene Jurkevics, professora da Falec.

É fato. Mas não está excluída a hipótese de que o misto de ciência, filosofia e religião criada por Allan Kardec, em 1857, tenha particularidades regionais. O Paraná, por exemplo. É de se perguntar se o simbolismo – cultivado fartamente no final do século 19, início do 20 – e o anticlericalismo, comum entre os barões da erva-mate, não serviram de estímulo à adesão ao espiritismo por aqui. "É difícil afirmar, mas faz sentido", comenta Prandi, para quem os versos etéreos da cultura simbolista prepararam o terreno para que tantos paranaenses das altas rodas aderissem à doutrina.

Mito

Um dos raciocínios enganosos que ronda o espiritismo no estado é deduzir que, sendo os primeiros espíritas ricos, não sofreram perseguição. A historiadora e educadora Cleusa Fuckner, também ligada à Falec, listou em seus estudos episódios dignos de uma Reforma e de uma Contra Reforma. Em vez de protestantes, foram os espíritas a se defender. "Havia uma cruzada de difamação contra os espíritas na imprensa local", comenta, ao lembrar que pesou sobre o grupo a suspeita de cultos demoníacos.

A perseguição, reforça Cleusa, se prolongou até o fim do Concílio Vaticano II, em 1965, quando a Igreja abraçou o discurso ecumênico. Do que se deduz que dizer-se espírita era uma fonte de problemas, de toda a ordem – da profissional à sentimental. É o que basta para suspeitar que já passa da hora de publicar um "História da Vida Privada dos Espíritas no Brasil", respondendo se chegaram a formar uma espécie de sociedade secreta.

Para Reginaldo Prandi isso não aconteceu. "A vantagem dos espíritas é que são discretos e intelectualizados, o que facilitou a convivência com outros grupos." O estudioso entende que se deu um jeitinho brasileiro para driblar o preconceito – o principal deles é ser espírita sem deixar de ser católico. "Por isso é difícil saber quantos espíritas há no Brasil", diz, sobre o grupo apontado pelo IBGE com 2% da população, algo como 2,8 milhões de seguidores.

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